segunda-feira, 8 de abril de 2024

50 anos/50 livros – 25 de Abril 1974/2024 - Comunistas (iv)

Comunistas


O Partido Comunista Português não tem o exclusivo da palavra "comunista", nem sequer o termo serve unicamente para designar os comunistas soviéticos, cubanos, chineses ou quaisquer outros. Quando, em 1848, Marx e Engels lançaram o Manifesto do Partido Comunista procuravam lançar um único partido, ou movimento, anticapitalista, porque entendiam, através de uma análise aos movimentos históricos, traduzidos em "luta de classes", que os regimes da época deveriam ser substituídos por uma ditadura do proletariado, alcançada através de uma revolução que transformasse a sociedade capitalista numa sociedade socialista. Quando se deu a Revolução Russa, em 1917, muitos acreditaram que aquele era o modelo de sociedade que melhor distribuía a riqueza e o bem estar social. E assim pareceu até à guerra civil, em último caso, até à morte de Lenine. Mas muitos comunistas puderam experimentar, mais tarde, como era viver na União Soviética e nos países da esfera soviética e não vieram nada satisfeitos. Nunca abandonaram o ideal comunista, mas rejeitaram o modelo soviético. Portugal nunca esteve perto dessas experiências (não se confunda a "nossa" Revolução com outras), mas teve e tem gente experiente e inteligente que soube e sabe pensar pela sua cabeça.

 



FERREIRA; Francisco – 26 anos na União Soviética – Notas de exílio do «Chico da C.U.F.». Lisboa: Edições Afrodite, julho de 1977. 6200 exemplares. Prefácio de José Augusto Seabra. Colecção Documentos. Dedicatória: "A Maria, valorosa companheira, e a quantas mulheres defendem a vida dos seus, dedico este livro".
 
Francisco Augusto Ferreira foi um operário da C.U.F., que viveu no bairro operário da empresa, no Barreiro, aderiu ao Partido Comunista Português e, depois de várias ações subversivas, viveu mais de duas décadas exilado com a família em Moscovo. Acabou por viajar para Havana, para visitar a filha e os netos, e conseguiu escapar tanto ao PCP como ao PCUS. Escreve no livro que a URSS vivia uma "tragédia" provocada pelos quadros do partido, que traíram a revolução de 1917. Afirmou que "Os governantes do Kremlim converteram o Exército Vermelho em exército de ocupação e opressão de povos." (p. 331)  José Augusto Seabra escreve no prefácio que o Chico escreveu dezenas de cartas ao PCP, com quem mantinha contacto direto com Álvaro Cunhal, e às autoridades soviéticas, para que o deixassem ir para Portugal, onde seria mais útil na luta contra o fascismo. Como não tinha cidadania, o PCP dizia que o caso era com as autoridades soviéticas e estas diziam que o caso era com o PCP. Parte do seu espólio está no Arquivo Ephemera.

 


FREITAS, Gina - Portugueses na URSS. Lisboa: Editorial Caminho, novembro de 1977. 10 000 exemplares. Capa e arranjo gráfico de José Araújo. 


Gina Freitas explica na introdução que as entrevistas, realizadas a pretexto do 60.º aniversário da Revolução de Outubro de 1917, ocorreram nos primeiros meses de 1975, com o objetivo de serem publicadas na imprensa. Esse projeto ficou pelo caminho, mas a autora entendeu que o devia retomar, de forma a mostrar, "através da opinião de portugueses de diversas profissões e várias camadas sociais", um "mais objetivo e correto conhecimento de um país que tanto se procura caluniar, umas vezes por parcialismo de sujeitos inventivos e ignorantes, outros por evidente má fé". Na verdade, o livro, que é um objeto curioso, não tem nenhum depoimento de quem tenha de facto vivido na União Soviética. São apenas relatos e impressões de viagens que os entrevistados fizeram ao "mais proscrito" dos países. O volume contém um texto da Comissão Nacional das Comemorações  do 60.º Aniversário da Revolução de Outubro. Lista dos entrevistados: António Vitorino d'Almeida, Vicente Campinas, Carlos Carvalho, Mário Vieira de Carvalho, Mário Castrim, Eduardo Prado Coelho, Ramiro Correia, Maria Velho da Costa, Blasco Hugo Fernandes, José Gomes Ferreira, Fernando Lopes Graça, Silva Graça, Vasco Pinto Leite, Fernanda Mestrinho, Armando Myre-Dores, Luís Francisco Rebello, Urbano Tavares Rodrigues.

 


MIGUEL, Francisco – Uma vida na revolução. Porto: Inova, fevereiro de 1977. Coleção Os Comunistas, n.º 2. Prefácio de Margarida Tengarrinha.


Francisco Miguel faz a sua autobiografia, onde nos conta a sua vida de revolucionário comunista, uma militância iniciada muito antes de se perceber sequer que a ditadura fascista ia durar tanto tempo. Natural de Baleizão, filho de camponeses, conterrâneo e camarada de partido de Catarina Eufémia, iniciou a luta contra o fascismo aos 20 anos, em 1929. Esteve preso 21 anos e dois meses. Esteve duas vezes no Tarrafal, onde conheceu Bento Gonçalves. Foi o último preso político a ser libertado do "campo da morte lenta". Francisco Miguel deixa-nos um retrato, contado na primeira pessoa, da resistência ao fascismo, da vida na clandestinidade e do amor ao partido. Mostra-nos um Portugal retrógrado e atrasado, revela-nos as arbitrariedades da polícia política, do sistema judicial e do serviço prisional. Um Portugal que não deixa saudades. Francisco Miguel foi, justamente, deputado à Assembleia Constituinte eleito pelo circulo de Beja. 

 


RATES, J. Carlos – A Rússia dos Sovietes. Lisboa: Seara Nova, fevereiro de 1976. 4200 exemplares. Capa de Henrique Ruivo. Coleção Biblioteca Socialista Portuguesa. Prefácio de César Oliveira.


José Carlos Rates foi o primeiro secretário-geral do Partido Comunista Português, fundado em 1921. Visitou a Rússia Soviética em 1924 e apressou-se a escrever este livro, onde divulgava os ideais do marxismo (e do leninismo) e as conquista da Revolução de Outubro. Explica César Oliveira que o marxismo entrou muito tardiamente em Portugal – o Manifesto do Partido Comunista foi publicado em 1872 – e isso reflete-se no discurso de Rates. Ou seja, o livro está dividido em três partes, a primeira, onde expõe o marxismo com muitas debilidades; a segunda, onde descreve os acontecimentos da Revolução, com dados biográficos de alguns protagonistas; e a terceira, onde aponta as grandes conquistas alcançadas, ao nível social e cultural, com dados estatísticos, entre 1917 e 1924. O livro cumpriu os seus objetivos e ajudou a implantar em Portugal os ideais comunistas e o PCP. César Oliveira diz que A Rússia dos Sovietes é uma peça fundamental que deve ser entendida no contexto da época. Mesmo que Rates tenha acabado como acabou.

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