sábado, 27 de abril de 2024

50 anos/50 livros – 25 de Abril 1974/2024 - Constituição da República (xi)

Constituição da República

 

As Forças Armadas Portuguesas representam o poder de soberania do Estado e têm a capacidade de atribuir e manter o poder político nas instituições próprias, sejam elas de que tipo forem. Isso mesmo é verificável através da História, quando realizaram o golpe de Estado de 28 de maio de 1926, instaurando uma ditadura militar; quando garantiram a permanência de uma ditadura fascista, liderada por um conservador católico, durante 48 anos; ou quando depuseram essa mesma ditadura, no dia 25 de abril de 1974.

 

O que fazer a seguir com o poder político, devem ter perguntado os militares, cujo principal objetivo seria acabar com a guerra nas colónias, uma guerra de guerrilha de baixa intensidade, que não estava a correr nada bem.

 
Junta de Salvação Nacional (25/04/1974-15/05/1974) via wikipedia

Desde a Revolução do 25 de Abril, até à eleição para a Assembleia Constituinte passou um ano. Um período muito longo, mas de tal forma agitado e intenso que pareceu mais curto. Precisamente, a agitação desses tempos deveu-se, em parte, às lutas internas entre os militares que não tinham uma ideia precisa de como exercer o poder e como o moldar para o futuro do país. Houve golpes de direita reacionária, com apoio militar; houve respostas da esquerda política, com apoio militar; e seguiu-se um caminho, mais ou menos velado e tácito, mais ou menos compreendido pela população inculta, de prosseguir para uma revolução socialista, na direção de uma sociedade sem classes, liderada por uma aliança entre o Povo e o MFA – Movimento das Forças Armadas.

 
Cartaz de João Abel Manta via parlamento.pt

Os militares da Revolução tinham prometido entregar o poder político aos partidos, que, entretanto, se foram formando e alinhando. O resultado das eleições para Assembleia Constituinte trouxe a primeira surpresa: os partidos moderados, entre o socialismo  e a social democracia, ganharam as eleições, reunindo o maior número de deputados, enquanto as forças progressistas de esquerda mostraram não ter tanta capacidade de influência junto das massas populares, como demonstravam no seio das Forças Armadas.

 

O resultado dos trabalhos da Assembleia Constituinte, a Constituição da República Portuguesa, votada e aprovada no dia 2 de abril de 1976, veio demonstrar isso mesmo. É um texto de compromisso entre uma via democrática pluralista, que defende a economia de mercado, capitalista, e uma via que defende um Estado socialista, com controlo dos meios de produção, através de uma economia planificada. Ambas as vias em confronto garantem os direitos individuais e o pluralismo democrático. 

 

Esta luta política ficou demonstrada no preâmbulo da Constituição. Vejamos:

 

“A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista.” Esta assunção é errada. A resistência estava limitada a pequenos grupos políticos e o denominador comum era o conformismo, até porque os portugueses tinham os direitos políticos diminuídos desde 1926. Por exemplo, a informação era censurada desde 1926; as mulheres, por regra, nunca tinham tido direitos políticos. Acredito que os “sentimentos profundos” mencionados devem querer referir-se ao apoio popular no golpe de Estado.

 
Bicha para votar na eleição da Constituinte (25/04/1975) - foto DN via Museu do Aljube

“A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno.” Este 4.º parágrafo do preâmbulo refere que o povo português pretende uma sociedade socialista, através da decisão da Assembleia Constituinte, mas esse propósito nunca foi sufragado. Em primeiro lugar, porque os portugueses não sabiam o que era uma sociedade socialista, e se entendermos a vontade do povo através do voto, os partidos da esquerda progressista que defendiam o modelo socialista, saíram claramente perdedores na representatividade da Assembleia.

 

Todavia, o propósito de construir um país mais livre, mais justo e mais fraterno é perfeitamente atual e certamente comungado por todos os partidos naquele período, mesmo pelo partido que votou contra a provação da lei fundamental. Quanto à representatividade partidária de hoje, já não temos tanta certeza.

 

 

PORTUGAL – Constituição da República Portuguesa. Coimbra: Atlântida Editora, abril de 1976.

 

Este é o texto original da Constituição da República Portuguesa, aprovado na Assembleia Constituinte de 2 de abril de 1976. É o texto legal fundamental que garante um quadro de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Define a orgânica e o funcionamento dos órgãos de soberania e mantém na esfera do Estado um lugar especial para os militares, através da manutenção do Conselho da Revolução. É difícil interpretar a existência deste órgão militar, que acabou por ser substituído, em 1982, pelo Conselho de Estado, um órgão consultivo do Presidente da República de constituição civil. É possível que tenha sido um garante para que os partidos políticos mantivessem o caminho para uma sociedade socialista. Não foi nada disso o que aconteceu, abraçámos definitivamente o capitalismo e o neoliberalismo, até porque a adesão à CEE assim o exigia. E, como se podia prever, aumentámos as desigualdades económicas e sociais, mesmo que todos os indicadores de referência tenham melhorado. Uma parte importante da política económica são as nacionalizações. Consideradas “conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras”, acabaram por ser revertidas em “reprivatizações”, autorizadas através de lei-quadro, aprovada por maioria absoluta, na alteração constitucional de 1989, e completamente omissas nas alterações constitucionais a partir de 1997. Bem que nos fariam falta hoje algumas nacionalizações nos sectores essenciais para a nossa soberania económica e social.

 


CALDEIRA, Reinaldo; SILVA, Maria do Céu (comp.) – Constituição Política da República Portuguesa. Projetos, votações e posição dos partidos. Amadora: Livraria Bertrand, abril de 1976. Capa de José Cândido.

 

Esta é uma edição enciclopédica de mais de 850 páginas, que reúne texto o fundamental aprovado, as propostas dos partidos, a discussão política e o resultado das votações, ponto por ponto, a lista dos deputados eleitos, as posições partidárias, as declarações de voto, o regimento da Assembleia Constituinte e o 2.º pacto MFA-Partidos. Apresenta também a lista dos 65 deputados que não cumpriram o mandato. Os partidos que apresentaram projeto de constituição foram o PS, o PPD, o PCP, o CDS, o MDP/CDE e a UDP. O único deputado da ADIM – Associação para a Defesa dos Interesses de Macau não apresentou projeto. É verdade que esta informação está (quase toda) online, mas aqui está toda compilada, com acesso fácil e pode ser consultada à luz da vela. Para estudiosos.

sexta-feira, 26 de abril de 2024

50 anos/50 livros – 25 de Abril 1974/2024 - Partidos Políticos (x)

Partidos Políticos


O Movimento das Forças Armadas (MFA) fez a Revolução, designou o Presidente da República e nomeou o primeiro-ministro do I governo provisório, prometendo entregar o poder político aos partidos. Na verdade, isso não estava explicito na agenda do MFA, alegadamente porque Spínola conseguira demover o movimento. Isso não impediu que os partidos políticos fossem aparecendo. Alguns saíram da clandestinidade [PCP, MRPP, MDP/CDE, LCI, OCMLP, PCP (m-l), PRP-BR] ou do exílio [PS, CARP (m-l), LUAR]; outros foram criados a partir do 25 de Abril [PPD, CDS, PPM, UDP, MES, FSP, PUP, PDC, ADIM, FSP, CDM, PL, PSDP, PP]. Uma variedade tão grande não surpreende. No Estado Novo só havia um partido, era um regime de partido único.

 


CARAPINHA, Rogério; VINAGRE, António; COUTO, Joaquim (coord.) – Partidos políticos ponto por ponto. Fundão: Jornal do Fundão, agosto de 1974. 

 

Os coordenadores deste trabalho pretenderam esclarecer a opinião pública sobre os principais temas da atualidade nacional, uma vez que o 25 de Abril provocou uma explosão partidária. Definiram 37 temas (entre eles, economia, colonialismo, saúde, habitação, ensino, trabalho, greve, liberdades fundamentais, sindicalismo, monopólios, salários, segurança social, etc.) e foram procurar respostas nos programas partidários, linhas programáticas, declarações de princípio, comunicados. Este inquérito foi publicado em agosto de 1974, quando as eleições para a Assembleia Constituinte estavam marcadas para março de 1975. A eleição acabou por ser adiada cerca de um mês e teve lugar no dia 25 de abril. Alguns dos partidos criados nesse período não passaram disso, criações efémeras. O inquérito foi procurar respostas nos partidos mais consistentes naquele momento: PCP, PS (grafado como PSP), PPD, PPM, PSDP (Partido Social Democrático Português), CDS (grafado como PCDS), PSDI (Partido Social-Democrata Independente), PRP (Partido Revolucionário do Proletariado), PL (Partido Liberal), PDC, PP (Partido do Progresso). Alguns destes partidos não chegaram sequer à Assembleia Constituinte.

 

 

MELLO, Fernando Ribeiro (coord.) – Esclarecer o eleitor: Inquérito aos Partidos Políticos. Lisboa: Edições Afrodite, sem data. Coleção Doutrina/Intervenção.


Embora não tenha data, o volume, de mais de 300 páginas, deve ter sido publicado três meses antes das eleições para a Assembleia Constituinte, que ocorreu no dia 25 de abril de 1975. Fernando Ribeiro de Mello, que era o dono da Afrodite, reuniu um conjunto de "especialistas" com a função de inquirir os partidos sobre as grandes questões nacionais. Os inquéritos foram elaborados por António Borges Coelho (instrução, cultura e informação), António Proença Varão (diretrizes fundamentais do sistema e desenvolvimento económicos), Avelino Rodrigues (religião); Carlos Caldeira (psicopatologia e desajustamento social), Daniel Sampaio (saúde), Francisco Pereira de Moura (política e administração). Contou ainda com a colaboração de representantes de alguns partidos: Jorge Sampaio (MES), Marcelo Rebelo de Sousa (PPD), Mário Sottomayor Cardia (PSP) e Vilaverde Cabral (MDP/CDE). Foi pedida a colaboração de Octávio Pato, do PCP, mas não houve  resposta. Os inquéritos foram enviados  ao PCP, PSP, PPD, MES, MDP/CDE, MRPP, PRP-BR, PCP (m-l), CDS, PPM, LUAR (Liga de Unidade e Ação Revolucionária). O PCP  não respondeu a nenhuma questão. O trabalho é interessante e enciclopédico. Algumas questões eram demasiado complexas para o momento que se vivia.

 


ANTUNES, Albertino; MANUEL, Alexandre; AMORIM, António; CASCAIS, Fernando; BACALHAU, Mário (coords.) – A opção do voto. Lisboa: Intervoz Publicidade, sem data. Editor responsável: António dos Reis. Capa: António Martins.


Ao abolir a censura, concedendo a liberdade de expressão e reunião, a Revolução do 25 de Abril veio criar oportunidades para a edição livreira. As editoras que estavam ativas começaram logo a publicar livros proibidos ou a meter nas montras os livros que tinham escondidos. Houve também alguns jornalistas, escritores, professores, estudiosos, curiosos que se juntaram e começaram logo a editar livros que, entendiam eles e creio que bem, podiam ajudar naqueles tempos confusos que se viviam. Alguns, claro, só o fizeram para ganhar dinheiro. Este é um desses casos de oportunidade, lançar um guia que ajude o eleitor a decidir como votar nas eleições para a Assembleia Constituinte que se iria realizar numa data próxima. Ainda não se sabia quando. É bastante completo este volume. Explica o que é uma Assembleia Constituinte e faz um pequeno historial sobre a "experiência constitucional portuguesa". Apresenta os partidos políticos (indicando os presidentes, secretários gerais ou coletivos dirigentes, a morada da sede, o órgão oficial e um resumo histórico) e o que propõem como forma de governo, liberdades fundamentais, administração pública, justiça, economia, política agrícola, política de trabalho, família, saúde, segurança social, habitação e urbanismo, transportes, comunicação social, Forças Armadas e política externa. O método utilizado foi a recolha dos programas partidários, estatutos, comunicados e outros documentos. Nem todos os partidos apresentam políticas para todos os assuntos apresentados. Os partidos presentes no volume são o PCP, PS, PPD, MDP, PPM, MES, PCDS, MRPP, PRP, UDP (União Democrática Popular), PCP (m-l), AOC (Aliança Operário-Camponesa), PSDI, PCSD (Partido Cristão Social-Democrata), PDC, PTDP (Partido Trabalhista Democrático Português), FSP (Frente Socialista Popular).

 


 AAVV – Campanha Eleitoral na TV 1976. Textos integrais das intervenções de todos os partidos. Lisboa: Ediguia - Editora de Publicações SARL, sem data. Textos recolhidos por Diagrama - Centro de Estatísticas e Análise de Mercado, Lda. Capa e arranjo gráfico de Duarte Ferreira.


Mais uma edição de oportunidade, apenas razoável, mas útil como fonte. Contém um índice remissivo curioso, apresenta nomes dos políticos que fizeram intervenções, mas não só, e também de alguns temas nacionais. O momento aqui já é outro. O volume reúne os textos das intervenções feitas na televisão, durante a campanha para as primeiras eleições legislativas após a Revolução de 25 de Abril de 1974 e após as eleições para a Assembleia Constituinte de 25 de abril de 1975. Foram realizadas, precisamente, no dia 25 de abril de 1976. Nela participaram AOC, CDS, FSP, LCI (Liga Comunista Internacionalista), MES, MRPP, PCP, PCP (m-l), PDC, PPD, PPM, PRT, PS, UDP.

 



PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS – Programa do Partido Comunista Português. Porto: Inova/Direção da Organização Regional do Norte do PCP, maio de 1974.


Este opúsculo é uma curiosidade. Não pelo que lá está escrito, mas porque contém diversas anotações/correções escritas a caneta. Parece uma versão preliminar, embora seja pouco provável, porque é uma edição impressa e não uma prova. Logo na introdução está escrito o seguinte: "substituir os termos revolução proletária por revolução socialista". Zita Seabra escreve no seu livro Foi Assim que logo nos primeiros meses da Revolução, Álvaro Cunhal decidiu retirar do programa do PCP a expressão "ditadura do proletariado" para não assustar as camadas da população que apoiavam o partido, a média e pequena burguesia, os camponeses e os setores mais hesitantes do MFA. [SEABRA, Zita – Foi Assim. Lisboa: Aletheia Editores, 2007, p. 238]. O programa do PCP terá sido impresso em maio de 1974, por altura do VI Congresso.

 


SANCHES, J. L. Saldanha – O M.R.P.P. instrumento da contra-revolução. Lisboa: Ulmeiro, dezembro de 1975. 10 000 exemplares. Cadernos Ulmeiro n.º 6.


Mais uma pequena curiosidade para a história dos partidos políticos portugueses. Creio que Saldanha Sanches ainda pertenceria ao Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado quando escreveu este livro a criticar o secretário geral do partido, Arnaldo Matos. Muito duro e cínico, Sanches lembra que o MRPP só lançou um comunicado sobre o 25 de Abril, no dia 26 ao fim do dia. Nele dizia que a classe operária nada tinha a esperar do golpe de Estado que opunha a camarilha marcelista à camarilha spinolista, senão a intensificação da criminosa guerra colonialista-imperialista. O golpe de Estado não era percebido como Revolução Popular, ou até derrube da ditadura, mas uma disputa entre os chacais, uma conspiração entre os abutres e uma luta entre as hienas. O MRPP entendia que qualquer dos lados da tentativa golpista era uma disputa entre fações reacionárias, por isso,  não havia muito a esperar do que aí vinha. A ridicularização da direção do MRPP continua, cronologicamente, até ao 25 de novembro de 1975. Saldanha Sanches escreve bem, num registo sarcástico, que torna a leitura muito acessível e, às vezes, hilariante. 



MOVIMENTO DE ESQUERDA SOCIALISTA – Programa do Movimento de Esquerda Socialista – aprovado no I Congresso realizado em Lisboa. Lisboa, sem data. 


O I Congresso do MES decorreu na reitoria da Universidade Clássica de Lisboa, aberto apenas aos militantes, nos dias 21 e 22 de dezembro de 1974. O MES era um partido de intelectuais urbanos de esquerda marxista que definia o seu programa como "um instrumento de luta ajustado à fase atual da confrontação de classes, destinando-se a contribuir para impulsionar e unificar a luta de classes trabalhadoras numa perspetiva anticapitalista" (p. 5). Nele militaram personalidades como Augusto Mateus, Jorge Sampaio, Alberto Martins, José Galamba de Oliveira, José Manuel Galvão Teles, Eduardo Ferro Rodrigues, Nuno Teotónio Pereira, César de Oliveira, Vítor Wengorovius, Eduarda Dionísio e João Bénard da Costa, entre outros. Muitos destes eram antigos dirigentes estudantis, sindicalistas e católicos progressistas. Uma parte transferiu-se para o PS, depois dos insucessos eleitorais em 1975 e 1976.