quinta-feira, 31 de maio de 2012

Pequeno apontamento sobre a evolução das mentalidades em Portugal

Eu ainda sou do tempo em que o actor João Grosso foi despedido da RTP e depois processado (e ilibado) por ter cantado em directo, no programa juvenil dominical "Fisga" (onde apresentava bandas rock ao vivo), o hino nacional "A Portuguesa" em versão rock. É isso mesmo: o actor cantou o hino nacional acompanhado por uma banda rock ao vivo na RTP, em 1986, e foi despedido e processado. Grosso chegou mais tarde a ser atacado na rua, em Lisboa, com gravidade, por um bando de neonazis.

Vinte anos depois, em 2006, a Portugal Telecom fez um anúncio, com a finalidade de vender produtos e serviços, usando o hino nacional como banda sonora. Não aconteceu nada. Eventualmente a PT vendeu mais produtos.
Agora, a coberto da Guimarães 2012, e muito bem, o designer anónimo e subversivo maismenos promoveu pelas ruas da cidade uma nova versão da "Portuguesa" com uma letra bem mais adequada aos nossos tempos. Aguardemos pelo que farão as mentes conservadoras deste país. O vídeo é muito bom.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Burocracia


Wold Press Photo 2007, Rafal Milach, Poland, Anzenburger Agency; taken from my Sony Ericsson t650i in Forum Maia, 2008, Portugal. Information about the original photo in www.archive.worldpressphoto.org
Buro cracia
Burgo cracia
Compli cracia
Auto cracia
Automóvel cracia
Demo cracia
Demónio cracia

Uma vez acordei de manhã e estava transformado num insecto gigante. Tentei falar mas só cuspia ácido. Quanto mais pedia para acabarem com o meu sofrimento de insecto gigante e pesado que não conseguia sequer andar, mais cuspia um líquido viscoso, verde amarelado, que tudo corroía onde acertava.

Quanto mais sofria e esperneava e cuspia, mais se acercavam do meu quarto, gritando-me, atirando objectos, os objectos que me recordavam o que era, como era, ontem à noite, quando me deitei na mesma cama.

Começaram depois a chegar homens de branco, vestidos de branco, com batas brancas, botas brancas, luvas brancas e de rosto escondido por máscaras brancas. Largaram sobre mim uma rede, que ia rompendo pela força das minhas antenas e patas, pelo ácido que cuspia pelas minhas entranhas. Depois largaram outra rede e mais outra.

Voltei a despertar num aquário grande, mas que não me deixava espaço para espernear. Cuspia o ácido verde amarelado que agora caía em cima dos meus membros e nas paredes transparentes da caixa.

Queria apenas acabar com tudo. Que me matassem, que me deixassem morrer. Tentava gritar que me matassem. Mas só cuspia mais ácido verde amarelado. Só queria que tudo terminasse. Que tudo findasse.

Buro cracia
Burgo cracia
Compli cracia
Auto cracia
Automóvel cracia
Demo cracia
Demónio cracia

[Caro Franz,
Agradeço aos teus familiares e amigos o não cumprimento dos teus desejos póstumos. Bem saberás como me sinto agora, como muitos e muitos se sentem agora. Pois sabemos nós muito bem como te sentiste outrora.
Um forte abraço onde estiveres]

quinta-feira, 3 de maio de 2012

A Informação é um bem público inestimável

(Mensagem do Sindicato dos Jornalistas no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa)

1. A informação é necessária, imprescindível e tem um valor inestimável.


A informação habilita os cidadãos a conhecer melhor a realidade em que vivem. Uma informação livre permite-lhes fiscalizar melhor os poderes e as políticas públicas; dá-lhes voz e espaço para propor e exigir.


Uma informação livre, de qualidade e pluralista faz saber o que propõem e o que realizam as organizações cívicas, as forças políticas, as instituições económicas, os sindicatos, os movimentos sociais, as universidades e centros de investigação, as instituições culturais e desportivas; promove o interesse pelo saber e pelo conhecimento, a fruição dos bens e serviços culturais, do património material e imaterial; reflecte o que pensam, o que anseiam e o que propõem os cidadãos e as suas organizações e fomenta o espírito crítico.


Uma informação que valoriza a cidadania está sinceramente empenhada em conferir permanentemente saberes e competências aos cidadãos; torna-os mais capazes de conhecer, de analisar, de discutir e de decidir sobre as suas vidas e sobre a vida da colectividade; habilita-os a fazer escolhas informadas sobre os órgãos de soberania, as autarquias locais e sobre o seu futuro.


Sem informação livre, plural e de qualidade, não há verdadeira Democracia.


2. A informação como bem público necessita de jornalistas livres e com direitos


A informação livre, plural e de qualidade só pode ser assegurada por jornalistas vinculados a um corpo de normas éticas e deontológicas, a um património de
leis da arte da profissão consolidado ao longo de décadas e décadas, e a um estatuto profissional que lhes impõe deveres imprescritíveis perante as fontes, as pessoas objecto do seu trabalho, e o público.

Por assumirem um tão elevado grau de exigência e por estarem submetidos ao mais amplo escrutínio dos seus actos profissionais e do seu trabalho, os jornalistas necessitam da correspondente protecção nos mais variados domínios – do direito de acesso à informação à protecção no emprego, da garantia de sigilo profissional à liberdade sindical, da cláusula de consciência ao direito a um salário justo.


3. A informação como bem público exige redacções capazes


Ao assinalar o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, o Sindicato dos Jornalistas chama a atenção dos cidadãos e dos poderes públicos para o continuado agravamento das condições de trabalho dos jornalistas em inúmeros órgãos de informação, em particular com os despedimentos de centenas de profissionais nos últimos anos, a depreciação do estatuto salarial, a intensificação do ritmo e da duração do trabalho, a redução dos espaços destinados à informação, a desvalorização da grande reportagem, o primado da superficialidade.


Neste contexto, são de particular gravidade as situações de precariedade, de contratados a recibos verdes ou a prazo, bastante generalizada entre os jovens jornalistas mas não só. Não é possível garantir a independência e a liberdade de informar de jornalistas que podem ser sumariamente despedidos no dia seguinte ou no mês seguinte.


O SJ alerta também para a preocupante degradação do próprio “mercado” da comunicação social, em particular ao nível da imprensa, com sucessivas quebras de vendas e de audiências, sem dúvida reflexo da crise económico-financeira que diminui o poder aquisitivo dos leitores, mas cujas raízes mergulham num problema já estrutural do país: a gritante diminuição dos hábitos de leitura de publicações periódicas.


A presente crise representa um extraordinário desafio aos jornalistas e às empresas. É necessário demonstrar – agora mais do que nunca – que a informação, de qualidade e feita por profissionais qualificados e exigentes consigo próprios, constitui uma alavanca essencial para sairmos dessa crise, colocando em discussão no espaço público as suas causas e promovendo as soluções para ela.


4. A informação como bem público exige serviços públicos de qualidade


É neste contexto que o SJ reafirma mais uma vez a decisiva importância dos serviços públicos de comunicação social – de agência noticiosa, de rádio e de televisão – que o Governo e a maioria parlamentar querem desmantelar, com o pretexto demagógico da crise, mas visando cumprir uma agenda neoliberal de privatizações a todo o custo.


O SJ sublinha que a existência de serviços públicos de comunicação social prestados por operadores de capitais exclusivamente públicos (RTP) e maioritariamente públicos (Lusa) representa uma garantia permanente para os cidadãos, as suas organizações e as mais variadas instituições, de que o pluralismo, a diversidade informativa e a cobertura da realidade e das iniciativas das comunidades – em todo o país e no mundo – são asseguradas.


Ao assinalar o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, o SJ salienta que a protecção e o desenvolvimento de serviços públicos de informação livres da influência dos poderes são imprescindíveis à democracia e que uma verdadeira democracia não subsiste sem eles.


Lisboa, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa 2012

A Direcção do Sindicato dos Jornalistas

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Mas de onde é que saiu esta gente?


Há quem fique – ainda – muito espantado quando houve falar em “fascismo social”, logo agora que os portugueses acabam de assinalar 38 anos de regime democrático. Portugal e os portugueses vivem um período terrível, caracterizado por uma ocupação estrangeira, personificada numa troika (FMI, CE e BCE), que tem no actual governo sufragado nas urnas (PSD e CDS/PP) o seu braço armado, secundado por um presidente da República de direita.

Esses partidos políticos e o presidente da República começaram por dizer que vivíamos acima das nossas possibilidades e que não havia alternativa à ocupação estrangeira da troika, como forma de ganhar a confiança dos mercados, que são os especuladores internacionais e que andam a ganhar dinheiro à custa do incompetente sistema monetário do Euro, a que aderimos no início do século.

Diziam eles (tal como o incompetente governo do PS de Sócrates que os precedeu) que não havia alternativa à nacionalização do BPN. Ou seja, diziam que não havia alternativa a que os portugueses pagassem o roubo dos gestores e accionistas privados de um banco falido. Os portugueses contribuintes não tinham nada a ver com banco falido, mas esses três partidos – PS, PSD e CDS/PP – diziam que tinham que ser eles a pagar os prejuízos do banco falido.

A partir daí foi sempre a cair: o actual primeiro-ministro disse que a única alternativa para os portugueses era o empobrecimento e se não conseguissem viver neste país, que emigrassem! Dentro desta política mentirosa e fascista o primeiro sector a atacar era o laboral, iniciando de imediato acções de desregulação do mundo de trabalho, baixando salários, aumentando impostos, retirando subsídios aos pensionistas e trabalhadores do Estado (sugerindo o mesmo para o sector privado), facilitando os despedimentos e destruindo o tecido empresarial português, que é caracterizado por pequenas e médias empresas.

O resultado destas políticas era evidente para qualquer pessoa de bom senso: aumento da recessão económica e aumento do desemprego.

Portugal, nesta altura, atingiu a mais alta taxa de desemprego da sua história: 15,3%. E o governo promete que vai aumentar ainda mais!


Diz assim o governante: estes números são inesperados (?); temos que acelerar as reformas no mercado de trabalho (??); o mercado de trabalho revela uma rigidez muito grande (?????).

Portanto, para esta gente é necessário que a crise aumente ainda mais e que a taxa de desemprego seja ainda maior. Qual é a lógica disto? 
Auschwitz, foto da wikipedia

Ou seja, para que um desempregado possa receber o subsídio a que tem direito devia estar a trabalhar (compulsivamente, presumo) e receberia o salário a título de subsídio de desemprego! Esse guru da economia chamou-lhe trabalho assistido!

Notável! Lembram-se o que dizia à entrada do campo de concentração de Auschwitz?

Fernando Lopes (1935-2012)

imagem não assinada retirada de fm-media.net

Diz-me onde vives que eu digo-te quanto é que ganhas!

Nuno Ferreira Santos, publico.pt, 1st May 2012, Lisbon
A Antena 1 (um dos canais de rádio de serviço público da RTP que o actual governo neofascista, ultraliberal, o que lhe queiram chamar, quer privatizar – leia-se – calar!), fazendo jus à sua função de serviço público, preparou uma interessante cobertura ao dia 1 de Maio de 2012, Dia do Trabalhador, pedindo aos seus correspondentes no estrangeiro um apontamento sobre as condições laborais nos países em que se encontram (não é bem assim, mas podia ser; a ideia seria descrever as condições laborais de uma série de países e transmitir o apontamento hora a hora, em cada noticiário). Qualquer coisa como "quanto é o salário mínimo no país onde vives?" Sabe sempre a pouco, mas foi uma boa ideia, bem explorada, que nos faz lembrar que a "nossa" rádio está viva e recomenda-se. E talvez por isso o ministro a queira calar.

Por outro lado, a partilha de conteúdos do canal RTP (Rádio e Televisão) é deficiente, antiquada, pouco flexível, labiríntica, super protectora dos direitos de autor (mesmo que os autores não vejam um chavo a mais pelo seu trabalho). E por essas razões e outras mais, o Meios de Produção apenas pode direccionar para a audição dos apontamentos referidos (alguns), sem que haja qualquer garantia de que amanhã os links estejam acessíveis. Pior ainda, se quiser ouvir quanto ganha um trabalhador no Bangladesh, na Venezuela ou em Israel, esqueça, já não vai a tempo. A Antena 1 (ou RTP, como preferirem) gastou meios e recursos para fazer um pequeno apontamento de grande qualidade mas que ninguém ouviu e mais ninguém vai ouvir porque, entretanto, ninguém vai alimentar o sítio da Antena 1 na Internet. Por isso, ouça o que está na rede enquanto é tempo (porque vai desaparecer enquanto o diabo esfrega um olho).


Quanto é o salário mínimo...

Na Grécia (salário mínimo: menos de €600; antes da troika €750)

Em Angola (salário mínimo: €115)

No Brasil (salário mínimo: menos de €800)

Na Rússia (salário mínimo: €115)

Na Bélgica (salário mínimo: €1440)

Na Alemanha (não há salário mínimo, excepto em alguns ramos de actividade económica; a Merckel não quer salários mínimos; salário médio dos alemães €3500 brutos; os políticos são os mais bem pagos da Europa, os seus vencimentos estão alinhados com as instituições políticas da União Europeia, que são os mais altos)

Na China (salário mínimo: varia de região para região, entre €100 e €300)

Em Timor (não há salário mínimo, a referência é o salário mais baixo da função pública: 115 dólares/mês [menos de €115/mês])

No Bangladesh (salário mínimo/médio: €43)

Na Venezuela (salário mínimo: cerca de €300)

Em Israel (salário mínimo:?)
 
elpais.es, 1st May 2012, Madrid, Spain
Mohamed Azakir/Reuters; 1st May 2012, Beirut, Lebanon