domingo, 5 de janeiro de 2014

Eusébio (1942-2014)



O Portugal do “fado, futebol e Fátima” terminou hoje com a morte do Eusébio! 
imagem não assinada retirada de desporto.sapo.pt
Nada mais enganador por razões que não vou explicar agora, mas basta vivermos estes anos de chumbo impostos pela troika (Barroso-Lagarde-Merkel/Coelho-Portas-Cavaco), que se caracterizam pela desregulamentação das leis do Trabalho, pela transferência massiva dos recursos do Trabalho para o Capital, pela imposição da perda de soberania económica nacional ou pela destruição do Estado Social, em plena democracia – repito – em plena democracia, para percebermos que o Portugal do “fado, futebol e Fátima” não morreu hoje, está vivo e ataca forte o povo que nele se formou(a) e viveu(e).

O que quero dizer, no fundo, é que o Portugal do “fado, futebol e Fátima” é um Portugal simbólico, criado por uma elite fascista que revitalizou um género musical marginal, aprisionou um jogador excepcional negro e fomentou um culto religioso como forma de subjugar o imaginário colectivo, mantendo sob alçada um povo inculto, atrasado e supersticioso.

A morte do Eusébio chega a estas páginas por duas razões, uma transversal, a outra histórico-antropológica (ou sócio-política).

imagem não assinada retirada de reflexaoportista.pt
Eusébio não é do meu tempo, mas sei que foi um jogador de futebol excepcional. Não existem muitos registos audiovisuais dos seus feitos (o futebol hoje é sobretudo o espectáculo audiovisual), nem conheço ninguém vivo que o tenha visto em campo (na verdade, o meu avô viu-o jogar no Beira-Mar e afirma que era uma sombra do que sabia que ele tinha sido), mas todos conhecemos a sua extraordinária qualidade de atleta, no futebol nacional e internacional.

Porém, Eusébio é muito mais do que isso e serviu muito mais do que o desporto de massas. Eusébio, jogador negro nascido em Moçambique, colónia de Portugal, é um símbolo do fascismo racista do Portugal colonialista. Perguntei hoje, em família, quantos negros conheceram a trabalhar na Administração Pública no Portugal “salazarento”: contam-se pelos dedos de uma mão e, na verdade, de todos os que se lembram, nenhum deles era negro, apenas mestiços!

O Portugal fascista usou Eusébio como bandeira para justificar o colonialismo, para afirmar internacionalmente que Portugal não era racista e que os negros estavam perfeitamente integrados na nossa sociedade. Nada mais falso,como sabemos.

Mas, mais grave que a própria morte de Eusébio, que merece todas as homenagens enquanto atleta, é o infame Presidente da República Portuguesa Cavaco Silva que teve o desplante de surgir hoje na televisão pública a enaltecer a sua figura.

imagem não assinada retirada de tvi.iol

O sentido de prioridade estratégica deste homem, que é oPresidente da República dos portugueses que nele votaram e que é a principalforça de bloqueio político que se impôs ao povo português, é errado, antiquadoe desadequado e moral e politicamente discutível. O inefável algarvio que comanda a política nacional há várias décadas perdeu uma oportunidade para estar calado, para mandar dizer sobre a justa homenagem ao atleta, mas ao surgir em pessoa com a lágrima ao canto do olho demonstra que quer condenar Portugal e os Portugueses à espuma dos dias e não à essência da coisas. E a essência das coisas é aquilo que mais necessitamos nestes anos de chumbo.

imagem não assinada retirada de zerozero.pt, provavelmente da GettyImages
Eusébio merecia o descanso necessário e não o aproveitamento que este político medíocre, em plena democracia, vem dar continuidade.