domingo, 29 de maio de 2011

Gil Scott-Heron (1949-2011)

Gil Scott-Heron foi dos autores que mais me impressionou nos últimos 20 anos. Conheci-o em referências cruzadas no início da década de 1990, embora já conhecesse o poema black power “The Revolution Will Not Be Televised” (1970), que muito raramente passou em programas de autor nas rádios portuguesas (provavelmente em serviço público).


Scott-Heron, que gravou o primeiro disco em 1970, um disco de poemas ou spoken word, já depois de ter escrito alguns livros que alcançaram algum sucesso no meio underground nova-iorquino, é apontado, juntamente com outros artistas, como os The Last Poets, como o “pai” ou “inventor” do rap [actualização 02/Jun/2011: "godfather"]. Talvez algum exagero, impulsionado pelo seu timbre de voz grave, pela  declamação, mas a verdade é que o epíteto colou.


Conheci verdadeiramente a obra de Scott-Heron com o álbum “Spirits”, de 1994, um disco revelador, um reencontro com o que alguma vez pensou alcançar duas décadas antes, recentrando o seu trabalho e a sua vida. É um disco intimista, que não chamaria genial, mas que só poderia vir de um génio. Ele próprio elabora sobre a responsabilidade que o novo movimento rap e hip hop lhe atribuía, no tema “Message to the Messengers”.



Muito antes de “I’m New Here”, o seu último álbum de originais, lançado em 2010, que marcou o seu regresso dos infernos, também “Spirits” marcou, na época, um regresso das trevas: Scott-Heron não gravava desde 1984 e já estava diagnosticado como seropositivo. Este seu regresso foi mais ou menos desprezado, já que o artista contava com várias detenções por posse de droga, acabando mesmo por voltar à prisão, para um período mais longo, que terá passado em risco de vida, alegadamente por lhe recusarem a administração de anti-retrovirais.



A sua música em Portugal permanece mais ou menos desconhecida, como atestam as crónicas dos jornais de referência que acompanharam os seus concertos, em Lisboa e no Porto, a propósito do lançamento de “I’m New Here”. Aliás, basta ler os obituários de hoje, nos mesmos jornais de referência, para se perceber que os jornalistas pouco ou nada sabem sobre Scott-Heron.


Na minha interpretação, o grande drama de Scott-Heron, em permanente confronto com a sociedade norte-americana, foi o distanciamento entre a mensagem que cantava – a afirmação negra, os direitos civis, a crítica comportamental, social e política, o sentido da arte – e a sua própria vida, que se foi transformando numa espiral de drogas, prisões, vício, doença e perda de criatividade, sobretudo depois da separação do seu amigo e parceiro musical Brian Jackson, entre o início dos anos 1980 e 1994.


Entre os meus álbuns preferidos de Gil Scott-Heron, além dos dois já referidos e que são os dois últimos originais, estão “Small Talk at 125th and Lenox” (1970); “Pieces of a Man” (1971); “Free Will” (1972); “Winter in América” (1974).


Presto a minha homenagem a Scott-Heron e a tudo o que ele nos legou e que devemos saber aproveitar, desde a mensagem de esperança às contradições, desde a rebeldia à inspiração.


[O meu camarada PVO entrevistou Scott-Heron em 2010, por altura do concerto na Casa da Música, no Porto (que infelizmente não assisti). Ofereceu a entrevista aos tais jornais de referência, mas ninguém a quis. Mesmo assim pode ser lida no seu sítio on-line, AQUI. A fotografia utilizada neste postal, da autoria do PVO, veio do mesmo sítio, a quem agradeço a utilização.]

Actualização 02/Jun/2011:

recomendo vivamente a homenagem de Ish, no The Cahokian, uma brilhante introdução à poesia de Gil Scott-Heron, a quem agradeço o link:


E também a homenagem de Never Enough Rhodes, que funciona como um apontador na descoberta de Scott-Heron, com iguais agradecimentos:

http://neverenoughrhodes.blogspot.com/2011/05/peace-go-with-you-gil.html


Para os jornalistas recomendo um perfil de sete páginas da revista The New Yorker, publicada em Agosto de 2010, já depois de Gil Scott-Heron ter actuado em Portugal. Li recentemente no Público, através da correspondente do jornal, que a The New Yorker era a melhor revista do mundo... Um perfeito disparate, mas tudo bem, não vou discutir nem argumentar. Recomendo apenas o perfil de sete páginas sobre um autor que muito aprecio, apesar do que revela:

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Eu não quero que a Água em Portugal fique na mão dos especuladores internacionais!

Associação Água Pública
APELO
No dia 5 de Junho
DEFENDER A ÁGUA DE TODOS COM O VOTO

Demolidas que estão as barreiras legais à privatização da água, é imperioso dar a força do voto a quem, com provas dadas, seguramente use essa força na defesa da água de todos, da universalidade da sua fruição, da propriedade e gestão públicas da água.

O PSD inscreveu no programa eleitoral a privatização do grupo "Águas de Portugal" (AdP), o que já constava em 2004 de uma Resolução de Conselho de Ministros do governo PSD/CDS e em 2008 o governo PS iniciou na prática, privatizando as dez empresas concessionárias de serviços de águas incluídas na Aquapor. A privatização da água, toda a água, é um plano comum ao PS, PSD e CDS, há longo tempo acalentado e prosseguido pelos mesmos três partidos que agora assinam em conjunto o acordo com a "troika", unidos e solidários como sempre têm estado na submissão aos interesses do capital transnacional.

Em contracorrente com a tendência de reversão das privatizações da àgua que se verifica por todo o mundo por exigência das populações, como são exemplos as remunicipalizações na Grã-Bretanha, França, Alemanha e Itália e nova legislação para assegurar a água pública na Holanda, no Uruguai e na Bolívia, PSD, PS e CDS activa e persistentemente, na sintonia de quem subservientemente cumpre as ordens dos mesmos senhores, instalam em Portugal o "mercado da água", eufemismo para os grandes negócios especulativos que alimentam as poderosíssimas transnacionais do sector, as usuais destinatárias das "ajudas" do FMI nos mais tenebrosos casos de privatização da água.

PSD, PS e CDS, em uníssono na Assembleia da República, alternadamente no Governo, localmente nos Municípios, porfiam há longo tempo nesse intento. Hoje a situação é gravíssima e já se iniciou o passo final para entregar à especulação financeira privada o controlo do abastecimento de água e saneamento de quase todo o país, que foram arrancando aos serviços autárquicos e se concentraram agora em Sociedades Anónimas do Grupo Águas de Portugal.

Enquanto os capitais forem exclusivamente públicos, o avançadíssimo processo de privatização é fácilmente reversível por uma mudança política. Se a transacção de capitais se realizar, a reversibilidade torna-se muito mais difícil e mais onerosa.

Na privatização da água como na submissão à "troika", o PS, o PSD e o CDS constituem um bloco uno, nenhum deles é "oposição".

Mas há oposição em Portugal, oposição que na Assembleia da República, nas Autarquias, nos locais de trabalho, nos sindicatos, nas associações e na rua, tem combatido incansavelmente estas políticas, defendido a água de todos e o interesse comum, apresentado propostas sólidas e viáveis e trabalho conhecido das populações, nomeadamente nos serviços de água.

Há outro caminho.
Nas eleições legislativas cada voto irá dar um poder de privatização ou dará um poder de defesa do bem comum.
APELAMOS AO VOTO NO DIA 5 DE JUNHO, EM DEFESA DO DIREITO À ÁGUA, CONTRA A PRIVATIZAÇÃO E OS SEUS PROMOTORES, PS, PSD e CDS.
FOI POSSÍVEL NO URUGUAI, FOI POSSÍVEL NA BOLÍVIA E FOI POSSÍVEL NA ISLÂNDIA.
EM PORTUGAL É POSSÍVEL!

Lisboa, 27 de Maio de 2011
A Direcção da Associação Água Pública

terça-feira, 24 de maio de 2011

Quem são os «20 magnificos»? – por Manuel António Pina

Com 689 000 desempregados e 204 000 "inactivos" (pessoas que desistiram já de procurar emprego), isto é, 15,5% de gente sem trabalho que os critérios estatísticos transformaram em 12,4%, o país já há muito teria soçobrado não fosse o patriótico esforço daqueles que, para compensar a calaceirice nacional, se desdobram por sucessivos postos de trabalho, correndo incansavelmente de um para outro, indiferentes à tensão arterial, ao colesterol, aos triglicerídeos e à harmonia familiar.

O Relatório Anual sobre o Governo das Sociedades Cotadas em Portugal - 2009, da CMVM [Comissão de Mercado de Valores Mobiliários], agora tornado público, refere "cerca de 20" desses magníficos, todos membros de conselhos de administração de empresas cotadas, muitas delas públicas, que "acumulavam funções em 30 ou mais empresas distintas, ocupando, em conjunto, mais de 1000 lugares de administração".

Revela a CMVM que, por cada um destes lugares, os laboriosos turbo-administradores recebem, em média, 297 mil euros/ano, ou, no caso dos administradores-executivos, 513 mil, havendo um recordista que, em 2009, meteu ao bolso 2,5 milhões de euros.

Surpreendente é que, no meio de tanta entrega ao interesse nacional, estes heróis do trabalho ainda encontrem nas prolixas agendas tempo para ir às TV exigir salários mais baixos e acusar desempregados, pensionistas e beneficiários dos "até" (como nos saldos) 189,52 euros de RSI [Rendimento Social de Inserção] de viverem "acima das suas possibilidades".
[publicado no Jornal de Notícias de 24 de Maio de 2011.]

Um texto irónico, mordaz, que dispensa comentários. Mas não resisto a lembrar que PS, PSD e CDS/PP, partidos actualmente em campanha eleitoral em disputa para prender o país a um acordo internacional FMI-BCE-CE que só vem aumentar as desigualdades, aumentar o fosso entre os (muito) ricos e os outros, sabendo que há alternativas credíveis e sérias nos partidos de esquerda, CDU (PCP/PEV) e BE, para uma sociedade mais justa e equitativa. É de outra sociedade e economia que precisamos – ideias que devemos levar aos países periféricos da Europa, para sua própria salvação – e a resposta não está nos partidos que nos governam desde 1976.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Angela Merkel wird vermißt!

O centro do Porto hoje à tarde seguia assim:
 
 
 
 Milhares de trabalhadores do norte e centro do País foram à Avenida dos Aliados mostrar que querem outra política; que não querem a troika e as suas políticas que nos lançam na recessão; e dizer que há alternativas, quais são e como devem e podem ser implementadas. E lembraram que no dia 5 de Junho há eleições e que não querem a outra troika, a do costume, a governar o País. A resolução aprovada pelos trabalhadores portugueses, reunidos no Porto e em Lisboa, pode ser lida AQUI.

Entretanto, soube-se ontem quantos são os trabalhadores portugueses no desemprego e que mais de metade deles já não recebe subsídio de desemprego [a partir do jornal Público]. E soube-se também que Angela Merkel está a usar a situação dos trabalhadores portugueses para fazer campanha eleitoral, quebrando de vez com qualquer intuito de solidariedade que deveria estar na base da construção da ideia de Europa [a partir do Jornal Económico].

Um pouco mais acima, o serviço público de televisão da RTP preparava a sua emissão em directo, com os convidados muito incomodados por terem os trabalhadores portugueses como pano de fundo. Serviço público?!...

quarta-feira, 18 de maio de 2011

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Pia fininho, senão levas no focinho! II (EDP SUCKS!)

“Não vamos por aí!”

            Fiquei de pagar uma factura da EDP, mas esqueci-me, deixei passar o prazo em mais de cinco dias. Azar. Peguei no papel e lá fui eu à Loja do Cidadão. Não conheço mais nenhum posto de pagamento de facturas em atraso, esses agentes que não se sabe bem onde estão, as pay shops, como agora se intitulam, fazendo o serviço que competia aos balcões das empresas. Servem para carregar o passe de autocarro, as portagens das auto-estradas que não deviam ter portagens, carregar o telemóvel e, pelos vistos, até servem café!
            Mas antes passei nos Correios (CTT) porque tinha que enviar uma carta e perguntei se ali podia pagar a factura em atraso.
            – “Às vezes dá, deixe-me ver a factura”, disse o funcionário, prestável. Mas já não dava, já tinha passado uma semana desde a data limite. Explicou-me o funcionário dos CTT que agora podia recorrer aos agentes autorizados, às papelarias, avisando-me logo que aquela do outro lado da rua – onde se pode carregar o passe, o telemóvel e pagar portagens – não permitia o pagamento.
            – “Na Loja do Cidadão, então?”, perguntei eu. – “Ou então na Loja do Cidadão”, respondeu o funcionário.
            E lá fui eu à Loja do Cidadão, dirigindo-me à paragem do autocarro. A viagem não foi longa. Lá chegado, depois de subir a escada rolante e sorrir para a câmara de vigilância apontada a todos os que ali passam, procurei no mapa da entrada o balcão da EDP, que ficava no outro extremo da Loja.
            Percorri os corredores reparando que nem estavam muito cheios. Praticamente só o balcão da Segurança Social é que tinha fila. Interessante: os balcões para pagamento estão praticamente vazios; os balcões para recebimento estão bem cheios.

            Será que isso reflecte Portugal como um país onde todos querem viver à conta do Estado, ou não há emprego para as dezenas de pessoas e famílias que desesperam por trabalho e rendimentos do trabalho? No início do século XXI, os políticos de direita afirmam taxativamente que ninguém quer trabalhar; muitas pessoas, pouco esclarecidas, dizem a mesma coisa. O que uns e outros se recusam a ouvir ou a reconhecer, é que os empregadores oferecem salários baixíssimos, para mais de 40 horas por semana (o que impede a procura de melhor emprego e é ilegal, sem pagamento de horas extraordinárias) e parte desses salários são pagos de forma não declarada às Finanças e Segurança Social, o que impede os trabalhadores de auferirem uma série de direitos. Outros empregadores oferecem salários baixíssimos a troco de recibo verde, o que significa que até 40 por cento do que se recebe tem que ir obrigatoriamente para a Segurança Social. Este panorama devia fazer reflectir muitas cabeças bem pensantes, até porque muitos desses empregos indiferenciados vão para jovens licenciados, altamente qualificados, que um mercado de trabalho como o nosso não consegue absorver. E depois, muitos desses jovens licenciados ou mestres sujeitam-se a trabalhar em condições miseráveis nessas empresas, com a esperança de conseguir melhorar a sua situação, o que nunca sucederá. Estamos numa época em que um licenciado, se tiver sorte, consegue trabalhar na caixa de um supermercado, auferindo o salário mínimo, trabalhando mais de 40 horas por semana.

             Mas vamos ao balcão da EDP.
        Lá o encontrei, só com duas pessoas à minha frente, ainda no corredor da Loja do Cidadão, junto a um pequeno balcão como agora se vêem nos bancos. Procurei a senha de atendimento, mas não encontrei. Perguntei à jovem, bonita, que estava de pé a dar indicações aos clientes.
            – “Não temos senha, sou eu que atendo”, respondeu. Estranhei. Esperei um pouco. Os funcionários, todos jovens e bonitos, estavam muito bem vestidos, com uns fatinhos cinza clarinho. Lá dentro, vários terminais vazios, talvez dez, e um grupo de quatro jovens raparigas amontoadas num único terminal conversando em voz baixa.
            Entretanto, é atendido uma pessoa à minha frente e comecei a ouvir a conversa, qualquer coisa do tipo: – “…Tem depois aqui a máquina, mas só funciona com dinheiro e só com quantia certa…”
            Tentava perceber o que se dizia, quando um jovem de cabelo claro, bem aparado, me chamou, sentado desde o seu terminal, quase de costas para o grupo de raparigas. Expliquei-lhe que deixei passar o prazo da factura da EDP e que queria liquidá-la. Respondeu-me:
            – “Aqui não fazemos pagamentos, mas tem lá fora na esquina o Café Pião que processa os nossos pagamentos. Aqui só fazemos contratos”. Fiquei incrédulo. Então tenho que ir ao café, um estabelecimento que vende café, para pagar uma factura da luz?
            – “Não vamos por aí”, dizia entre dentes o funcionário. Então como é que posso liquidar a factura sem ir ao café? O jovem, contrariado, lá explicou que tinha ali a máquina onde podia fazer o pagamento, mas só em dinheiro e quantia certa.
            – “Dinheiro certo?”, questionava, desanimado. E haveria outra forma?
         – “Posso fazer uma nova emissão da factura, se ainda não recebeu o aviso de falta de pagamento, com um novo código para pagar no multibanco”, explicou, quase sem se perceber.
            – “Então é isso que quero”, respondi. – “Pode sentar-se”, disse.
            Comentei com o jovem funcionário que não fazia sentido enviar-me para o café quando me desloquei expressamente ao balcão da EDP para efectuar um pagamento.
            – “Não vamos por aí. Pode escrever uma cartinha e dizer o que tem a dizer”, avançou, sem olhar para mim. Insisti que não fazia muito sentido, afinal eu sou o consumidor e o acesso aos serviços, mesmo liquidações fora de prazo, deve ser facultado e facilitado aos consumidores. Enquanto ele continuava a digitar o teclado, comentei sobre o grupo de funcionárias, desocupadas, que continuavam a conversar baixinho. Tentei perguntar se eram estagiárias.
            – “Não vamos por aí”, voltou o jovem funcionário, sem olhar para mim, impedindo-me de continuar, falando em simultâneo.
            Aquele “não vamos por aí” estava a irritar-me solenemente.
        – “São as ordens que temos, e nós só temos que cumprir as ordens, se quiser pode escrever uma cartinha a expor as suas razões. Só estou a tentar resolver o seu problema”, terminou, sem olhar para mim.
            Descansei um pouco. Afinal, o jovem de cabelo esbranquiçado, bem aparado, com o seu elegante fatinho cinzento, estava a prestar-me um favor: liquidar uma factura da EDP atrasada, sem ter que ir ao Café Pião. Tentei meter conversa:
            – “Não podemos aceitar tudo o que nos dizem. Percebo o ponto de vista da empresa, facilitar o vosso trabalho, melhorando a imagem da empresa, levando as filas dos pagamentos para fora da Loja do Cidadão. Mas…”. Voltou a interromper-me com aquele “não vamos por aí”.
            Desta vez impus-me:
           – “Percebo que esteja mal disposto, afinal andamos todos muito mal dispostos…” Voltou a interromper, sem olhar para mim.
         – “Está enganado, estou muito bem disposto, estou muito bem disposto. Estou só a tentar resolver o seu problema”.
            Calei-me. Entretanto, de uma porta ao fundo da loja, saiu outro funcionário, talvez o gerente, em mangas de camisa, dirigindo-se ao pequeno balcão que estava atrás de mim, socorrendo a jovem bonita que estava a deixar amontoar clientes no corredor da Loja do Cidadão. Ficaram os dois de pé a dizer que os pagamentos de facturas da EDP eram no Café Pião.
            Estava verdadeiramente irritado. A minha vontade era esmurrar o jovem à minha frente da próxima vez que ele dissesse “não vamos por aí”.
            Podia fazer outra coisa, queixar-me do atendimento, pedir o livro de reclamações. Mas isso não adiantaria nada: não tinha testemunhas, e estava contra o jovem elegante, a bela balconista, o gerente e as quatro estagiárias ou alternadeiras que se amontoavam no fundo da dependência. O livro de reclamações, um direito do consumidor, pouco serve para situações deste género, porque tem que se fazer prova do relato.
           Finalmente, o funcionário estendeu o braço sobre a impressora que estava ao seu lado. E assim ficou durante mais de 30 segundos. Era como se estivesse a dizer que estávamos perto do fim, já não tínhamos que continuar este frente a frente. E lá saiu o papel, quase em silêncio. Estendeu-mo, finalmente mirando-me nos olhos:
            – “Agora já pode fazer o pagamento no multibanco, já não precisa de ir ao café”.
           Olhei para ele e desisti.
            – “Então, agradeço e boa tarde”
            – “Boa tarde”, respondeu.
          Sai dali bem rápido. Desci as escadas rolantes, virei à esquerda, dei alguns passos, entrei no primeiro multibanco e fiz o pagamento.
Fotomontagem sobre publicidade da EDP, com o presidente da empresa; retirada de coagret.wordpress.com, Coordenadora de Afectad@s Pelas Grandes Barragens e Transvases – Secção Portuguesa
             Continuei irritado. Tudo bem, já passou. Então um puto, certamente licenciado por uma universidade portuguesa, que se vira para mim e que diz que não há nada a fazer, só temos que aceitar ordens e cumpri-las e é assim que deve ser, mesmo que o procedimento seja absurdo… É este o mundo que ele quer e é este o mundo em que ele vive. Para ele é indiferente viver em democracia, em liberdade, ou sob um regime fascista. Isso não tem importância, ele só tem é que ter um (baixo) salário e viver. É alguém que não pode esperar muito mais. Vive e viverá sempre num manto de mesquinhez, aspirando uma promoção que nunca chegará, procurando tecer intrigas com as colegas, de forma a nunca ser ultrapassado.
            Podia fazer considerações sobre a sua sexualidade, e como isso condicionaria a sua forma de pensar, pela leitura superficial que fiz do jovem funcionário, mas isso não interessa, porque ele não deixaria de ser o que é: um simples lacaio ao dispor das chefias, capatazes e da grande empresa, refém de um mercado de trabalho precário, servindo de mão-de-obra barata numa empresa que opera em regime de monopólio. Entristece ver que são estes os jovens individualistas que os portugueses conseguem formar. Nada de novo, neste mundo ocidental, neoliberalista; vamos assistindo à emergência do fascismo social, que lentamente ajudamos a construir, como alerta Boaventura Sousa Santos.

            A empresa, a EDP…
        A empresa continua a dar lucros astronómicos aos accionistas ou não funcionasse em regime de monopólio de Estado, por muito que tentem dizer que estamos num mercado aberto chamado Mibel. Pois, pois, eu gostava de ter outro fornecedor de electricidade, como é que isso é possível? Não é! Experimente mudar de fornecedora de electricidade e depois diga qualquer coisa. Mas veja bem, o empréstimo que a troika FMI/BCE/CE nos quer conceder, eufemisticamente apelidado pela comunicação social portuguesa de “ajuda externa”, impõe a alienação da golden share que o Estado ainda detém na EDP, abrindo o lote de accionistas ao mundo, aos especuladores mundiais que apenas têm no horizonte o lucro. E quando os novos accionistas aumentarem o preço da electricidade e começarem a despedir os seus funcionários para maximizar o lucro, o jovem elegante do “não vamos por aí”, vai mesmo, e até poderá ser dos primeiros a iniciar as pilhagens, quando não houver dinheiro para comer. Porque é essa a resposta que ele tem para tudo isto.

domingo, 15 de maio de 2011

Intersections

Oporto, city hall, church and former mail office building
Aveiro university library (by Siza Vieira) and walkway
Aveiro university campus, arcade 1
Aveiro university campus, arcade 2

Portuguese Attorney-General starts criminal investigation against Moody's, Fitch and Standard & Poor's

Regarding this info, the portuguese Attorney-General starts an investigation against three major financial rating agencies – Moody's, Fitch and Standard & Poor's – following a complaint presented by four portuguese economists from University of Coimbra and Instituto Superior de Economia e Gestão, from Lisbon.

Several European countries also begun criminal investigations against the same rating agencies – Moody's, Fitch and Standard & Poor's –, like Spain and Greece.

The European Union, nonetheless, doesn’t have a position about rating agencies, even if they all are based outside its common space, conditioning every financial transaction of their own countries. 

Read the news in Portuguese:

Another complaint regarding Greece: http://www.stopspeculators.gr/

terça-feira, 3 de maio de 2011

Dia Mundial da Liberdade de Imprensa

Oportunidade para o pluralismo 
 
1. Ao assinalar o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa deste ano, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) sublinha a necessidade de reafirmação dos compromissos assumidos pelos estados-membros em matéria de liberdade de expressão, tanto através dos meios de comunicação social “clássicos” como através dos meios digitais. 

2. Vinte anos depois da Declaração de Winhoek (Namíbia, 3 de Maio de 1991), que esteve na origem da proclamação do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1993, por recomendação da AG da UNESCO, o Sindicato dos Jornalistas (SJ) considera que se mantêm actuais importantes pressupostos que levaram à aprovação da celebração. 

3. Entre esses pressupostos, está especialmente o de que a democratização e a liberdade de informação e expressão constituem contribuições fundamentais para a realização das aspirações humanas (ponto 5 da Declaração) e o respeito pelo direito à liberdade de opinião e de expressão, que inclui o direito de procurar e receber e difundir informações e ideias (Art.º 19.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem). 

4. Passados quase 63 anos sobre a proclamação da DUDH (10 de Dezembro de 1948) e duas décadas sobre a Declaração de Windhoek, não se pode afirmar que todos os direitos e garantias estabelecidos nesses documentos estão absolutamente ao alcance de todos os povos e de todos os cidadãos, incluindo os cidadãos das proclamadas democracias. 

5. Na verdade, uma coisa é a garantia formal, na letra das leis constitucionais e ordinárias, e outra, bem diferente, é a garantia de facto de que os cidadãos têm acesso pleno a uma informação plural, diversificada e produzida sem constrangimentos – económicos, ideológicos, culturais, entre outros – à expressão da diversidade de opiniões, de propostas e de projectos. 

6. Nesta oportunidade, a Direcção do SJ reafirma que mantém na ordem do dia a sua denúncia de que, não obstante a garantia constitucional de liberdade de imprensa, a concentração da propriedade dos meios de comunicação social, o poder absoluto das empresas e dos principais grupos para decidir quem entra, quem permanece e quem sai da profissão, a degradação das condições de trabalho dos jornalistas, a ameaça de desemprego e a precarização crescentes representam sérias ameaças à liberdade e ao pluralismo. 

7. Celebrando-se este Dia Mundial da Liberdade de Imprensa em pleno período pré-eleitoral, a Direcção do SJ sublinha, por outro lado, a importância e a actualidade do preceito da Declaração Universal que garante a todos os cidadãos o direito de procurar e receber informações e ideias que os habilitem a formar a sua opinião e a tomar decisões de forma esclarecida e consequente. 

8. A Direcção do SJ apela a todos os jornalistas para que, nos diversos degraus da hierarquia que ocupem, velem activamente para que a democratização e a liberdade de informação e de expressão consignadas na Declaração de Windhoek não constituam nem um desígnio datado nem um objectivo retórico, contrariando a tendência do discurso dominante e assegurando a difusão e o esclarecimento sobre as opiniões, projectos e propostas que todas as formações políticas, sem excepção nem privilégio, estão a apresentar aos cidadãos com vista às eleições de 5 de Junho. 

Lisboa, Dia da Liberdade de Imprensa de 2011 

A Direcção do Sindicato dos Jornalistas

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Poesia Concreta

VVVVVVVVVV

VVVVVVVVVE

VVVVVVVVEL

VVVVVVVELO

VVVVVVELOC

VVVVVELOCI

VVVVELOCID

VVVELOCIDA

VVELOCIDAD

VELOCIDADE


(poesia concreta, ronaldo azeredo)

domingo, 1 de maio de 2011

Dia 1 de Maio – Dia do Trabalhador

(imagem recolhida na Avenida dos Aliados, Porto, 1 de Maio de 2011)

Sindicato dos Jornalistas saúda 1.º de Maio, pela defesa e reforço das conquistas de Abril

1. Os trabalhadores portugueses comemoram hoje o seu dia – o Dia Mundial do Trabalhador – que voltou a ser celebrado em plena liberdade há 37 anos, poucos dias depois da Revolução de 25 de Abril de 1974 que permitiu restaurar as liberdades e criar as condições para o reforço e a conquista de amplos direitos sociais e laborais – a dignificação da negociação colectiva, a criação do salário mínimo nacional e dos subsídios de desemprego, de férias e de Natal, o direito a férias e à reforma para os trabalhadores agrícolas, a instituição do Serviço Nacional de Saúde, entre muitos outros.

2. Trinta e sete anos depois de Abril, os trabalhadores portugueses estão porém ameaçados por novos e mais graves ataques, aprofundando a ofensiva contra os seus direitos realizada ao longo dos últimos anos, da qual são expressão maior o Código do Trabalho, o desemprego, a precariedade, a discriminação salarial, a violação de direitos consagrados na lei e na contratação colectiva, o agravamento dos impostos e dos custos dos serviços públicos.

3. Trinta e sete anos depois da garantia do direito à protecção do emprego e à protecção social no desemprego e na reforma, os trabalhadores portugueses são confrontados com acordos, projectos e propostas internos e imposições externas que se propõem brutalizar ainda mais quem trabalha e especialmente quem, tendo trabalhado tantas vezes longos anos, tem sido inapelavelmente despejado no desemprego, em milhares e milhares de casos de longa duração, ou já se encontra na reforma.

4. Como se não bastasse a grave situação de centenas de milhares de desempregados, de trabalhadores precários, de reformados e pensionistas e dos trabalhadores ainda activos, pende agora sobre as suas cabeças a ameaça de mais e mais graves sacrifícios impostos pelo FMI, pelo BCE e pela Comissão Europeia, em generoso proveito da usura nacional e internacional.

5. Trinta e sete anos depois de Abril, é necessário e é urgente restaurar, defender e reforçar os direitos dos trabalhadores – tarefa de todos os trabalhadores e das suas organizações que convoca especialmente os jornalistas: como trabalhadores que somos e pela responsabilidade que nos cabe na tarefa de ajudar a informar melhor e a esclarecer mais sobre a natureza, a dimensão e as consequências da situação que nos querem impor.

6. Assim como é imperioso ajudar a discutir que há soluções, que é possível relançar a economia e as actividades produtivas, promover o emprego com direitos, defender os serviços públicos, libertar o país da dependência externa.

Viva o 1.º de Maio!

Lisboa, 1 de Maio de 2011

A Direcção do Sindicato dos Jornalistas