sexta-feira, 29 de março de 2024

50 anos/50 livros – 25 de Abril 1974/2024 (iii) - Victor de Sá

Victor de Sá

 

Victor de Sá (1921-2004) foi um historiador e professor universitário na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, a seguir ao 25 de Abril de 1974, com um papel importante no estudo da História Contemporânea. Alguns dos professores da FLUP foram seus alunos e prestaram-lhe homenagem pública em colóquios e obras dedicadas. Nunca o conheci, mas tive contacto com os seus trabalhos sobre os movimentos operários e introdução do socialismo e republicanismo em Portugal, no século XIX, e confesso a minha profunda admiração pela sua investigação.

 

Tem um percurso peculiar: abandonou a escolaridade aos 15 anos, por não se rever no ensino do Estado Novo, e tornou-se livreiro, em Braga. Mais tarde, tirou a licenciatura em História, em Coimbra, e fez o doutoramento na Sorbonne, em 1969, com uma bolsa da Gulbenkian. A sua tese, avaliada pelos historiadores franceses da Nova História, intitula-se A Crise do Liberalismo e as primeiras manifestações das ideias socialistas em Portugal (1820-1852), e é uma referência nos estudos políticos do século XIX. Nesse mesmo ano de 69 regressou a Portugal e foi preso. Mais uma vez. Esta história é contada numa entrevista de Egito Gonçalves a Victor de Sá, na RTP, em 1975, e pode ser vista aqui: https://arquivos.rtp.pt/conteudos/egito-goncalves-conversa-com-victor-de-sa/.

 

E conto este episódio porque é público, ouvi-o numa sessão das Oficinas de Investigação do CITCEM, em 2019, proposta por Nuno Bessa Moreira, dedicada a historiadores portugueses. Luís Alberto Alves apresentou uma intervenção intitulada “Remando Contra a Maré”, dedicada a Victor de Sá, de quem foi aluno, e contou [cito de memória] que o historiador foi chumbado, nas provas de agregação da FLUP, em 1978, devido à temática apresentada, o Movimento Operário Português. O júri era constituído por A. H. de Oliveira Marques, Vitorino Magalhães Godinho e mais alguém de que não lembro o nome. A escolha era anónima e consistia em meter bolas brancas ou negras num saco. Victor de Sá teve uma bola negra, foi rejeitado, e crê-se que por Oliveira Marques. Este caso é relatado aqui por Gaspar Martins Pereira e Luís Alberto Marques Alves [abre em PDF]: https://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/2370.pdf.

 



SÁ, Victor de – Regressar para quê? Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1970. Coleção Diálogo n.º 9.

 

Este “volumezinho”, editado em 1970, foi imediatamente apreendido pelo regime fascista do Estado Novo e faz parte das listas de livros proibidos. Victor de Sá tinha regressado de Paris em 69 para ser preso à chegada. Tentou o reconhecimento do seu doutoramento em História, sem sucesso. Nunca deixou de ter intervenção política pertencendo aos movimentos da oposição, sendo o primeiro deputado eleito pelo PCP pelo círculo de Braga, lugar que assumiu entre 1980 e 1981. Regressar para quê? reúne os relatórios de estágio que apresentou à Gulbenkian, várias reflexões e uma proposta para a criação de um Centro de Investigação Histórica, que levou à prática na FLUP depois do 25 de Abril, quando conseguiu entrar na docência.

 

SÁ, Victor de – A crise do Liberalismo e as primeiras manifestações das ideias socialistas em Portugal (1820-1852). Lisboa: Seara Nova, 1974. Tese de doutoramento, 2.ª edição, 14.º milhar. “Nota dos editores: este volume é constituído pela tese de doutoramento apresentada na Sorbonne pelo nosso colaborador Victor de Sá (janeiro de 1969). Júri: Léon Bourdon, Pierre Vilar, Albert Silbert. O original francês foi traduzido por Maria Helena da Costa Dias. Encarregou-se dos índices Augusto da Costa Dias.”

 

Talvez a obra máxima de Victor de Sá. Trata uma temática absolutamente fundamental da História de Portugal desde o século XIX até ao Estado Novo. A ascensão dos ideais socialistas e revolucionários na segunda metade de oitocentos refletem a crise no sistema liberal, que levou à queda da Monarquia e à instauração da República. Esta tese em si mesmo era uma revolução no estudo e no ensino da História da sua geração. É uma obra fundamental.

 



 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SÁ, Victor de – Perspectivas do século XIX. Ensaios. Lisboa: Portugália Editora, 1964. Colecção Portugália. Capa de João da Câmara Leme.

 

Neste conjunto de textos, Victor de Sá abordava já a questão, depois tratada na tese de doutoramento, do advento dos ideais socialistas através de autores como Oliveira Pinto, Rodrigues de Freitas, Frederico Laranjo e Amorim Viana. Aborda igualmente a questão da “economia política” tratada na década de 1850, a interpretação sobre as consequências do liberalismo, e a ocorrência dos movimentos operários, através da expansão da imprensa, um anacronismo num país com baixos níveis de alfabetização. Na década de 1960 ninguém estudava a questão.

 


SÁ, Victor de – Época Contemporânea Portuguesa I – Notas e esquemas para o seu estudo. Cronologias e bibliografias. Onde o Portugal velho acaba. Lisboa: Livros Horizonte, junho de 1981. Coleção Obras de Victor de Sá

 

É das obras mais interessantes de Victor de Sá e a que conheci primeiro, muito útil nos meus estudos. Aborda, entre vários assuntos, a questão da propriedade na instauração do liberalismo, que é hoje entendida como um aspeto central na História, decisiva para os regimes políticos e sociedade pós-Monarquia. Isto não é novidade nenhuma, mas não era temática abordada no ensino e na (inexistente) investigação histórica. Contém uma importante “cronologia básica da época contemporânea portuguesa”, desde os primórdios do liberalismo até à descolonização, em 1974. Infelizmente a edição não está à altura do conteúdo, é daqueles livros que quanto mais se manuseia, mais se desfaz. Não existe volume II.

 


SÁ, Victor de – Roteiro da Imprensa Operária e Sindical 1836-1986. Lisboa: Editorial Caminho, março de 1991. 1500 exemplares. Dactilografia e fixação do texto original: Maria Teixeira.

 

É um estudo muito útil sobre a imprensa operária e sindical. Apresenta, por exemplo, dados sobre classificações profissionais conforme o número de títulos editados, além de índices vários. O roteiro, muito completo, definitivo, tem mais de 120 páginas, o que significa que em 150 anos foram editados mais de 2100 jornais. Para onde foram tantos títulos? Para o paraíso da imprensa operária e sindical ou para o inferno?

 

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