50 anos/50 livros – 25 de Abril 1974/2024 (iii) - Victor de Sá
Victor de Sá
Victor de Sá (1921-2004) foi um historiador e professor
universitário na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, a seguir ao 25
de Abril de 1974, com um papel importante no estudo da História Contemporânea. Alguns dos professores da FLUP foram seus alunos e prestaram-lhe homenagem
pública em colóquios e obras dedicadas. Nunca o conheci, mas tive contacto com os
seus trabalhos sobre os movimentos operários e introdução do socialismo e
republicanismo em Portugal, no século XIX, e confesso a minha profunda
admiração pela sua investigação.
Tem um percurso peculiar: abandonou a escolaridade aos 15
anos, por não se rever no ensino do Estado Novo, e tornou-se livreiro, em Braga.
Mais tarde, tirou a licenciatura em História, em Coimbra, e fez o doutoramento na Sorbonne, em
1969, com uma bolsa da Gulbenkian. A sua tese, avaliada pelos historiadores
franceses da Nova História, intitula-se A Crise do Liberalismo e as primeiras
manifestações das ideias socialistas em Portugal (1820-1852), e é uma
referência nos estudos políticos do século XIX. Nesse
mesmo ano de 69 regressou a Portugal e foi preso. Mais uma vez. Esta história é contada numa
entrevista de Egito Gonçalves a Victor de Sá, na RTP, em 1975, e pode ser vista
aqui: https://arquivos.rtp.pt/conteudos/egito-goncalves-conversa-com-victor-de-sa/.
E conto este episódio porque é público, ouvi-o numa sessão das
Oficinas de Investigação do CITCEM, em 2019, proposta por Nuno Bessa Moreira,
dedicada a historiadores portugueses. Luís Alberto Alves apresentou uma
intervenção intitulada “Remando Contra a Maré”, dedicada a Victor de Sá, de
quem foi aluno, e contou [cito de memória] que o historiador foi chumbado, nas
provas de agregação da FLUP, em 1978, devido à temática apresentada, o
Movimento Operário Português. O júri era constituído por A. H. de Oliveira
Marques, Vitorino Magalhães Godinho e mais alguém de que não lembro o nome. A
escolha era anónima e consistia em meter bolas brancas ou negras num saco.
Victor de Sá teve uma bola negra, foi rejeitado, e crê-se que por Oliveira Marques.
Este caso é relatado aqui por Gaspar Martins Pereira e Luís Alberto Marques Alves
[abre em PDF]: https://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/2370.pdf.
SÁ, Victor de – Regressar para quê? Lisboa: Publicações
Dom Quixote, 1970. Coleção Diálogo n.º 9.
Este “volumezinho”, editado em 1970, foi imediatamente apreendido
pelo regime fascista do Estado Novo e faz parte das listas de livros proibidos. Victor de Sá tinha
regressado de Paris em 69 para ser preso à chegada. Tentou o reconhecimento
do seu doutoramento em História, sem sucesso. Nunca deixou de ter intervenção
política pertencendo aos movimentos da oposição, sendo o primeiro deputado
eleito pelo PCP pelo círculo de Braga, lugar que assumiu entre 1980 e 1981. Regressar
para quê? reúne os relatórios de estágio que apresentou à Gulbenkian, várias
reflexões e uma proposta para a criação de um Centro de Investigação Histórica,
que levou à prática na FLUP depois do 25 de Abril, quando conseguiu entrar na docência.
SÁ, Victor de – A crise do Liberalismo e as primeiras manifestações
das ideias socialistas em Portugal (1820-1852). Lisboa: Seara Nova, 1974. Tese
de doutoramento, 2.ª edição, 14.º milhar. “Nota dos editores: este volume é
constituído pela tese de doutoramento apresentada na Sorbonne pelo nosso
colaborador Victor de Sá (janeiro de 1969). Júri: Léon Bourdon, Pierre Vilar,
Albert Silbert. O original francês foi traduzido por Maria Helena da Costa
Dias. Encarregou-se dos índices Augusto da Costa Dias.”
Talvez a obra máxima de Victor de Sá. Trata uma temática absolutamente
fundamental da História de Portugal desde o século XIX até ao Estado Novo. A
ascensão dos ideais socialistas e revolucionários na segunda metade de oitocentos
refletem a crise no sistema liberal, que levou à queda da Monarquia e à instauração
da República. Esta tese em si mesmo era uma revolução no estudo e no ensino da História da sua geração. É uma obra fundamental.
SÁ, Victor de – Perspectivas do século XIX. Ensaios. Lisboa:
Portugália Editora, 1964. Colecção Portugália. Capa de João da Câmara Leme.
Neste conjunto de textos, Victor de Sá abordava já a questão,
depois tratada na tese de doutoramento, do advento dos ideais socialistas através
de autores como Oliveira Pinto, Rodrigues de Freitas, Frederico Laranjo e
Amorim Viana. Aborda igualmente a questão da “economia política” tratada na década
de 1850, a interpretação sobre as consequências do liberalismo, e a ocorrência dos movimentos
operários, através da expansão da imprensa, um anacronismo num país com baixos
níveis de alfabetização. Na década de 1960 ninguém estudava a questão.
SÁ, Victor de – Época Contemporânea Portuguesa I – Notas e esquemas para o seu estudo. Cronologias e bibliografias. Onde o Portugal
velho acaba. Lisboa: Livros Horizonte, junho de 1981. Coleção Obras de Victor de Sá
É das obras mais interessantes de Victor de Sá e a que conheci
primeiro, muito útil nos meus estudos. Aborda, entre vários assuntos, a questão da propriedade na
instauração do liberalismo, que é hoje entendida como um aspeto central na
História, decisiva para os regimes políticos e sociedade pós-Monarquia. Isto não
é novidade nenhuma, mas não era temática abordada no ensino e na (inexistente)
investigação histórica. Contém uma importante “cronologia básica da época contemporânea
portuguesa”, desde os primórdios do liberalismo até à descolonização, em 1974.
Infelizmente a edição não está à altura do conteúdo, é daqueles livros que
quanto mais se manuseia, mais se desfaz. Não existe volume II.
SÁ, Victor de – Roteiro da Imprensa Operária e Sindical
1836-1986. Lisboa: Editorial Caminho, março de 1991. 1500 exemplares.
Dactilografia e fixação do texto original: Maria Teixeira.
É um estudo muito útil sobre a imprensa operária e sindical.
Apresenta, por exemplo, dados sobre classificações profissionais conforme o número de títulos editados, além de índices vários. O roteiro, muito completo, definitivo, tem
mais de 120 páginas, o que significa que em 150 anos foram editados mais de
2100 jornais. Para onde foram tantos títulos? Para o paraíso da imprensa operária e
sindical ou para o inferno?
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