sexta-feira, 26 de abril de 2024
50 anos/50 livros – 25 de Abril 1974/2024 - Partidos Políticos (x)
Este opúsculo é uma curiosidade. Não pelo que lá está escrito, mas porque contém diversas anotações/correções escritas a caneta. Parece uma versão preliminar, embora seja pouco provável, porque é uma edição impressa e não uma prova. Logo na introdução está escrito o seguinte: "substituir os termos revolução proletária por revolução socialista". Zita Seabra escreve no seu livro Foi Assim que logo nos primeiros meses da Revolução, Álvaro Cunhal decidiu retirar do programa do PCP a expressão "ditadura do proletariado" para não assustar as camadas da população que apoiavam o partido, a média e pequena burguesia, os camponeses e os setores mais hesitantes do MFA. [SEABRA, Zita – Foi Assim. Lisboa: Aletheia Editores, 2007, p. 238]. O programa do PCP terá sido impresso em maio de 1974, por altura do VI Congresso.
quinta-feira, 25 de abril de 2024
50 anos/50 livros – 25 de Abril 1974/2024 - Crianças (ix)
As crianças e o 25 de Abril
AAVV – O 25 de Abril visto pelas crianças. Mil Dias, Editora/Sérgio Guimarães, abril 1978. 5000 exemplares. "Desenhos cedidos pelo FAOJ e União dos Clubes de Campolide".
Um volume que recolhe desenhos de crianças entre os sete e os 12 anos de idade. Um edição oportunista e pouco cuidada. A indicação da proveniência dos desenhos nem sequer foi impressa, foi colada numa tira no interior da capa. As imagens não têm grande qualidade, nem o arranjo gráfico. A manipulação do livro faz com que se desfaça, folha a folha. Ainda assim, uma curiosidade que merece alguma atenção. Que não seja uma alegoria da nossa Revolução.
25 de Abril sempre!
domingo, 21 de abril de 2024
50 anos/50 livros – 25 de Abril 1974/2024 - Vasco Gonçalves (viii)
Vasco Gonçalves (em pouco mais de mil palavras)
Vasco Gonçalves (1921-2005) é das personagens mais controversas e incompreendidas do nosso tempo. A direita política aponta-o como um perigoso extremista que estava a levar Portugal para uma ditadura totalitária; a esquerda, sobretudo o PCP, descreve-o como um herói. Diria: "nem tanto ao mar, nem tanto à terra". A direita está claramente equivocada e vai incentivar ainda mais a perseguição às personagens históricas que construíram aos poucos a nossa Democracia de 50 anos.
A Democracia portuguesa foi construída e cimentada em muitas contradições e lutas internas (dos militares, dos partidos, da sociedade, da economia) que resultaram num meio termo que nos garantiu as liberdades, mas que também deixou caminho aberto aos extremismos, sejam eles económicos ou políticos. Olhar para estes 50 anos com os olhos de hoje, para muitos, pode iludir tanto do que se construiu e como se construiu.
O coronel Vasco Gonçalves, pertencente ao Movimento das Forças Armadas, engenheiro militar de formação, foi primeiro-ministro durante 14 meses, do II até ao V governo provisório, indicado precisamente pelo coletivo militar que fez a Revolução e dirigia o país até à entrega do poder aos partidos políticos. Com Vasco Gonçalves no lugar de primeiro-ministro, o Movimento das Forças Armadas enveredou pela via do Socialismo, quer dizer, o coletivo militar procurou encaminhar o país para uma terceira via “revolucionária”, longe da social-democracia, que entendia como um caminho de regresso ao fascismo, mas longe do totalitarismo soviético. O que se pretendia era um “Socialismo à portuguesa”.
No entanto, o caminho a prosseguir, defendido por Vasco Gonçalves e pelo PCP, era o mesmo da cartilha leninista, nacionalização da economia e dos meios de produção e reeducação do povo nos valores do Socialismo. Nunca o disse, mas se fosse necessário, avançava-se para uma ditadura até estarem reunidas as condições para erguer um Estado socialista, para depois, e só depois, devolver a liberdade ao povo.
Pormenor de cartaz de Armando Alves, in Companheiro Vasco, p. 233.
Ao ler os discursos e comunicações de Vasco Gonçalves, fica a imagem de um homem sensato, conhecedor da situação económica e social, que procurou explicar, muito claramente, de forma transparente, a conjuntura portuguesa a uma massa populacional, em grande parte analfabeta. Veja-se, por exemplo, a comunicação ao país, na RTP, a 18 de agosto de 1974. Mas com o avançar do tempo e da sucessão de acontecimentos, a radicalização começa a notar-se, como se vê no texto da “Análise da situação política apresentado na Assembleia do MFA, na 2.ª semana de julho de 1975” ou na intervenção da Assembleia do MFA, em 25 de julho de 1975. (GAMA, 1976: 29-38; 312-322; 323-341.)
Os governos de Vasco Gonçalves produziram dois grupos de decisões estruturantes com enormes consequências no desenvolvimento do país: a) a conquista dos direitos de cidadania e do trabalho; b) e as nacionalizações do setor empresarial privado.
No primeiro grupo de decisões podemos falar em: aumentos salariais e alargamento do salário mínimo; subsídios de férias e de Natal (13.º mês); atribuição de licença de parto; subsídio de desemprego; congelamento das rendas habitacionais; reforma agrária no Alentejo.
Quanto às nacionalizações, mais de mil empresas foram afetadas. A lista é extensa, falemos em setores: bancos (nenhum banco estrangeiro), seguros (nem todas as companhias foram privatizadas e algumas com capital nacional), petróleos (empresas nacionais), navegação e transporte, siderurgia (só havia uma empresa), energia elétrica (distribuição, sobretudo), cimentos, celuloses, tabacos, transportes públicos (entre estes, 49 empresas rodoviárias pertencentes a 7 grupos privados), indústria vidreira (uma empresa), indústria extrativa (duas empresas, numa delas foram nacionalizadas as ações), química pesada, cervejas, estaleiros navais (duas empresas), agricultura (uma empresa), financeiro (duas empresas); radiodifusão, televisão (RTP, empresa do Estado), transportes fluviais, serviços portuários (uma empresa). (VIEGAS, 1996: 123).
As nacionalizações ocorreram depois das tentativas de golpe de Estado da direita que, em boa parte, foram financiados por empresários. Embora não seja claro o objetivo das nacionalizações – (controlar os meios de produção mas, ao mesmo tempo, permitir que outros setores permanecessem na esfera privada) –, pretendeu-se controlar uma parte do setor produtivo nacional, considerado monopolista, porque estava a boicotar a revolução e a promover a reação. A nacionalização de uma parte da comunicação social, nomeadamente da Rádio Renascença, pertencente à Igreja Católica, era uma tentativa de silenciar as vozes que se opunham à Revolução Socialista. A ideia de nacionalizar a RTP, que já pertencia ao Estado, era para garantir o controlo da informação.
É claro que as nacionalizações assustaram muita gente, mas houve muita desinformação. O PCP procurou capitalizar as nacionalizações, acreditando que estava mesmo dado mais um passo para a Revolução Socialista. Visto em perspetiva, as nacionalizações do PREC aumentaram o setor empresarial do Estado, mas, quando comparadas com o panorama de outros países europeus, este setor ficou alinhado com os números desses países, o que é notável. (VIEGAS, 1996: 124). Ou seja, o setor público português na economia, depois das nacionalizações, não era maior do que em países como a Itália, a França, o Reino Unido, a Alemanha Federal ou a Bélgica.
Vasco Gonçalves perdeu força com as nacionalizações e, sobretudo, com o resultado das eleições para a Assembleia Constituinte, que mostrou que o PCP, com quem estava alinhado, não era força hegemónica, nem muito querida pela população ou por todos os trabalhadores. A contestação popular contra ele fez-se sentir, chegando a ser apupado quando discursava em público. Acabou por ser substituído por outro militar pouco carismático, ainda antes da mais uma tentativa golpista, no 25 de novembro de 1975.
Vasco Gonçalves tentou levar o país para uma via Socialista, que ficou inscrita na Constituição, e ainda bem, mas dentro das diretivas do Movimento das Forças Armadas, que tinha abraçado esta tendência de esquerda democrática. Na verdade, era um caminho desconhecido, que acabou por levar à divisão dos militares, arrastando o país para a tão temida social-democracia. Recordo que a partir dali, depois dos saneamentos na função pública, os governos do PS e do PSD integraram na Administração todos os partidários do Estado Novo. Ninguém se esquece que Cavaco Silva condecorou dois pides “por serviços excepcionais e relevantes prestados ao país” e ignorou um mesmo pedido feito por Salgueiro Maia. Conheça esta história AQUI no meios de produção.
Em grande parte, incompreendido, Vasco Gonçalves esforçou-se por mostrar ao povo português a realidade económica que se estava a viver. A crise fez-se sentir com mais força, com a inflação galopante a roubar os aumentos salariais concedidos. Ele bem avisou que eram precisos sacrifícios, compreensão e paciência. Mas acabou mesmo por ser afastado. Os seus admiradores fizeram-lhe justiça logo a seguir, publicando livros de homenagem. José Eduardo Moniz e Maria do Amparo fizeram-lhe um hino, "Companheiro Vasco": https://youtu.be/wKO2qgkXU20?si=18XnABDzvr4Z8dCT.
Onde ler sobre nacionalizações, corporativismo e monopólios do Estado Novo? Em:
MARTINS, Maria Belmira – Sociedades e grupos em Portugal. Lisboa: Editorial Estampa, 1973.
ROSA, Eugénio – Os trabalhadores e o custo de vida. Lisboa: Seara Nova, 1974.
BRITO, José Maria Brandão de – A industrialização portuguesa no pós-guerra (1948-1965). O condicionamento industrial. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1989.
LOPES, José da Silva – A economia portuguesa desde 1960. Lisboa: Gradiva, 1996, p. 267-288.
VIEGAS, José Manuel Leite – Nacionalizações e privatizações. Elites e cultura política na história recente de Portugal. Oeiras: Celta, 1996.
COSTA, Jorge; FAZENDA, Luís, HONÓRIO, Cecília; LOUÇÃ, Francisco; ROSAS, Fernando – Os donos de Portugal. Cem anos de poder económico (1910-2010). Porto: Edições Afrontamento, 2010.
Vamos então aos livros!
GAMA, Augusto Paulo da (org.) – Vasco Gonçalves. Discursos, conferências de imprensa, entrevistas. Introdução de J. J. Teixeira Ribeiro. Edição do organizador, maio de 1976. Capa de A. Peixoto Baptista. 5000 exemplares.
Não deixa de ser surpreendente que José Joaquim Teixeira Ribeiro, o autor da introdução desta obra, vice-primeiro-ministro do V governo provisório e professor catedrático de Direito na Universidade de Coimbra, tenha defendido nesse texto que "a democracia não é compatível com a plena liberdade política". Estava equivocado, como sabemos. Defende-se, citando duas obras anteriores a 1945, de Julien Benda e Bénès. A ideia é que tinha sido a democracia que deu o poder ao partido nacional socialistas em 1933, na Alemanha. Na verdade, não foi a democracia que deu o poder a Hitler, mas o presidente Hindenburg, com uma série de tramóias pelo meio. A ideia do professor de Direito é que não se podia dar espaço político a partidos antidemocráticos em democracia. É espantoso porque parecia seguir a cartilha leninista, interpretando a queda de Vasco Gonçalves como um golpe das forças da reação. Mas a compilação de textos mostra outra coisa. Mostra de Vasco Gonçalves começava como um político moderado, que estava a tentar governar um país moldado por 48 anos de um "fascismo à portuguesa", e que, na sucessão de acontecimentos, torna-se mais radical, enveredando pela via revolucionária, a caminho do Socialismo. Mas não deixa de ter um discurso transparente, compreensível e honesto. Não surpreende, por isso, que depois de deposto não abraçou a causa política, ao contrário de outros. Muito útil como fonte.
AAVV – Companheiro Vasco. Porto: Editorial Inova, setembro de 1977. Coleção Retrato em Movimento n.º 1. Ilustrado. Direção gráfica de Armando Alves.
Este é um livro de homenagem. A Editorial Inova publicou anúncios na imprensa a pedir depoimentos para homenagear em livro o antigo primeiro-ministro, Vasco Gonçalves, entretanto promovido a general. [É pouco provável, mas é o que escrevem na badana.] E obteve um conjunto considerável de respostas. Entre os depoentes estão nomes como: Alice Vieira, Armando Castro, Arnaldo Pereira, Bernardo Santareno, César Príncipe, Eduardo Prado Coelho, Fernando Luso Soares, Francisco Pereira de Moura, Hélder Macedo, Urbano Tavares Rodrigues, Victor de Sá, Virgínia Moura, Mário Murteira, João Medina, Jorge Lima Barreto, José Ary dos Santos, José Gomes Ferreira, José Saramago, José Viale Moutinho, Luís Filipe Costa, Luiz Francisco Rebello, Manuel Sérgio, Maria Alzira Seixo, Óscar Lopes, Papiniano Carlos, Ruy Luís Gomes. Contém ainda reproduções de quadros, cartazes, pinturas, desenhos e murais de Armando Alves, José Rodrigues, João Abel Manta, Vespeira, João Hogan, Querubim Lapa, Virgílio, Cipriano Dourado, Gil Teixeira Lopes, Rogério Ribeiro, Alberto Carneiro. O melhor, no entanto, são os poemas escritos em homenagem a Vasco Gonçalves, por: António Ramos Rosa, Armando Silva Carvalho, Casimiro de Brito, E. M. de Melo e Castro, Egito Gonçalves, Eugénio de Andrade, Gastão Cruz, J. J. Letria, Maria Teresa Horta. O volume inclui também uma longa entrevista a Vasco Gonçalves, por Carlos Coutinho, que inclui diversos documentos e discursos, e uma nota biográfica que inclui toda a carreira militar, incluindo louvores e condecorações.
sábado, 20 de abril de 2024
50 anos/50 livros – 25 de Abril 1974/2024 - Cinema (vii)
Cinema
Muita coisa mudou no cinema português com a instauração do regime democrático. Desde logo o acesso aos filmes que o regime do Estado Novo proibiu. Entraram nas salas de cinema muito bons filmes, de autores consagrados, mas também muita porcaria. "Toda a nudez será castigada": começaram então a aparecer as "pornochanchadas" com enorme sucesso de público. O cinema português teve um novo fôlego, depois do sucesso do Cinema Novo, mas a qualidade daquilo que se contava nem sempre era a melhor. Podemos, no entanto, afirmar que o cinema português também viveu a sua revolução.
GEADA, Eduardo – O imperialismo e o fascismo no cinema. Lisboa: Moraes Editores, maio de 1977. Colecção Temas & Problemas, série: Teatro/Cinema. Tiragem: 3000 exemplares.
Eduardo Geada é um realizador português, crítico, professor universitário e ensaísta. Em O imperialismo e o fascismo no cinema apresenta uma visão talvez pouco comum para época que era a interpretação da indústria americana do cinema como uma forma de império cultural sobre a cultura dos outros países "ocidentalizados". Isto hoje é um dado assente, uma evidência, ainda que 99% dos espectadores de cinema (e filmes online) não percebam que estão a ser aculturados por uma visão americanizada da sociedade. O livro de Eduardo Geada apresenta três importantes capítulos referente à 2.ª parte da obra: Cap. V – O cinema durante o fascismo; Cap. VI – A distribuição e a exibição; e Cap. VII – Abril e a revolução desejada. Estando já algo datada, é uma obra importante, com dados únicos sobre a distribuição cinematográfica. Apresenta, por exemplo, as razões por que o regime político do Estado Novo entendeu que, em Portugal, os filmes estrangeiros deveriam ser legendados e não dobrados, ao contrário da política adotada em Espanha e Itália.
quinta-feira, 18 de abril de 2024
50 anos/50 livros – 25 de Abril 1974/2024 - José Vilhena (vi)
José Vilhena
José Vilhena (1927-2015) era um marginal, estava à margem de todas as correntes oposicionistas ao Estado Novo e, no entanto, era um opositor ao Estado Novo. Estava sozinho, mas não era um opositor estritamente político. Vilhena denunciava através do cartoon a (falsa) moralidade do regime, mas também escrevia livros satíricos. Ninguém o levava muito a sério, mas o regime não queria que o lessem. Vilhena não desarmava e seguia os mais incríveis estratagemas para os conseguir editar. Encaixa perfeitamente na estirpe de autores como Luís Pacheco, que tratámos aqui no meios de produção. Rui Zink presta-lhe uma justa homenagem num trabalho científico.
ZINK, Rui – O humor de bolso de José Vilhena. Oeiras: Celta Editora, janeiro 2001. Capa: Mário Vaz e Celta Editora a partir de uma imagem de José Vilhena.
A obra, de pouco mais de 100 páginas, reproduz a tese de
mestrado de Rui Zink, defendida na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas na
Universidade Nova de Lisboa, em 1989. O autor aborda a produção bibliográfica
do cartoonista José Vilhena, entre 1960 e 1974, ou seja, os 52 livros de humor satírico
que o autor publicou durante o Estado Novo, dos quais três são livros de
cartoons. A opção do professor universitário deixou de lado as revistas, que
eram muito mais numerosas e populares. O humor de Vilhena é brejeiro, sexista,
e explorava a brechas que a “moral oficial” do regime defendia e proclamava,
procurando escapar à censura, num constante jogo de edição-distribuição-apreensão.
José Vilhena tinha, pelo menos, 29 títulos na lista de livros proibidos.
domingo, 14 de abril de 2024
50 anos/50 livros – 25 de Abril 1974/2024 - Maria de Lourdes Pintasilgo (v)
Maria de Lourdes Pintasilgo
Maria de Lourdes Pintasilgo (1930-2004), um nome, uma afirmação. Mulher. Católica. Será lembrada por ter sido a primeira mulher a chefiar um governo em Portugal, primeira-ministra de Portugal, portanto. O que é absolutamente notável num país onde as mulheres só alcançaram o direito de igualdade com o 25 de abril de 1974. Infelizmente não foi votada para o cargo, foi nomeada. Nunca mais houve outra primeira-ministra, nem haverá tão cedo, o que diz muito de nós, portugueses.
PINTASILGO, Maria de Lourdes – Sulcos do nosso querer comum. Porto: Edições Afrontamento, 1980. 7000 exemplares, n.º de edição: 175. Prefácio de Eduardo Lourenço. Organização de Fátima Grácio, Isabel T. Teixeira, José Gonzalez, Manuela Oliveira, Margarida Losa, Marília Vieira, Ricardo Lima e Teresa Vasconcelos.
Conforme se lê na capa do livro, trata-se de uma compilação de recortes de entrevistas concedidas durante o V Governo Constitucional (1 de agosto de 1979 – 3 de janeiro de 1980), onde a governante aborda múltiplas questões com que o país se confrontava, na sua chegada ao grupo dos regimes democráticos constitucionais. Estava tudo por fazer, enquanto as forças da direita e da esquerda procuravam moldar o futuro das instituições. Visto à distância, a escolha de uma mulher católica conservadora para chefiar um curto governo transitório – fora procuradora da Câmara Corporativa do Estado Novo e trabalhou no maior conglomerado monopolista nacional, o Grupo CUF – foi positivo para Portugal. Porque era uma moderada e democrática.
PINTASILGO, Maria de Lourdes – As minhas respostas. Em diálogo com Eduardo Prado Coelho, Jaime Nogueira Pinto, João Carlos Espada. Lisboa: Publicações Dom Quixote, dezembro de 1985. Coleção Participar, n.º 26.
Trata-se de mais uma obra em que Maria de Lourdes Pintasilgo se dá a conhecer e às suas escolhas políticas e sociais. As minhas respostas serviria para lançar Pintasilgo às eleições presidenciais de 1986, onde concorreu contra Francisco Salgado Zenha, Ângelo Veloso, Freitas do Amaral e Mário Soares, que as venceu à segunda volta. Em 87 foi eleita para o Parlamento Europeu integrada nas listas do PS. A engenheira químico-industrial demonstra no livro que tem um pensamento próprio, independente, acutilante e muito atento às grandes questões do Estado democrático e social, aos direitos humanos e ao desenvolvimento económico e social de um país muito atrasado. Não sendo de todo surpreendente, demonstra ser muito atenta às transformações.
segunda-feira, 8 de abril de 2024
50 anos/50 livros – 25 de Abril 1974/2024 - Comunistas (iv)
Comunistas
O Partido Comunista Português não tem o exclusivo da palavra "comunista", nem sequer o termo serve unicamente para designar os comunistas soviéticos, cubanos, chineses ou quaisquer outros. Quando, em 1848, Marx e Engels lançaram o Manifesto do Partido Comunista procuravam lançar um único partido, ou movimento, anticapitalista, porque entendiam, através de uma análise aos movimentos históricos, traduzidos em "luta de classes", que os regimes da época deveriam ser substituídos por uma ditadura do proletariado, alcançada através de uma revolução que transformasse a sociedade capitalista numa sociedade socialista. Quando se deu a Revolução Russa, em 1917, muitos acreditaram que aquele era o modelo de sociedade que melhor distribuía a riqueza e o bem estar social. E assim pareceu até à guerra civil, em último caso, até à morte de Lenine. Mas muitos comunistas puderam experimentar, mais tarde, como era viver na União Soviética e nos países da esfera soviética e não vieram nada satisfeitos. Nunca abandonaram o ideal comunista, mas rejeitaram o modelo soviético. Portugal nunca esteve perto dessas experiências (não se confunda a "nossa" Revolução com outras), mas teve e tem gente experiente e inteligente que soube e sabe pensar pela sua cabeça.
FERREIRA; Francisco – 26 anos na União Soviética – Notas de exílio do «Chico da C.U.F.». Lisboa: Edições Afrodite, julho de 1977. 6200 exemplares. Prefácio de José Augusto Seabra. Colecção Documentos. Dedicatória: "A Maria, valorosa companheira, e a quantas mulheres defendem a vida dos seus, dedico este livro".
Francisco Augusto Ferreira foi um operário da C.U.F., que viveu no bairro operário da empresa, no Barreiro, aderiu ao Partido Comunista Português e, depois de várias ações subversivas, viveu mais de duas décadas exilado com a família em Moscovo. Acabou por viajar para Havana, para visitar a filha e os netos, e conseguiu escapar tanto ao PCP como ao PCUS. Escreve no livro que a URSS vivia uma "tragédia" provocada pelos quadros do partido, que traíram a revolução de 1917. Afirmou que "Os governantes do Kremlim converteram o Exército Vermelho em exército de ocupação e opressão de povos." (p. 331) José Augusto Seabra escreve no prefácio que o Chico escreveu dezenas de cartas ao PCP, com quem mantinha contacto direto com Álvaro Cunhal, e às autoridades soviéticas, para que o deixassem ir para Portugal, onde seria mais útil na luta contra o fascismo. Como não tinha cidadania, o PCP dizia que o caso era com as autoridades soviéticas e estas diziam que o caso era com o PCP. Parte do seu espólio está no Arquivo Ephemera.
FREITAS, Gina - Portugueses na URSS. Lisboa: Editorial Caminho, novembro de 1977. 10 000 exemplares. Capa e arranjo gráfico de José Araújo.
Gina Freitas explica na introdução que as entrevistas, realizadas a pretexto do 60.º aniversário da Revolução de Outubro de 1917, ocorreram nos primeiros meses de 1975, com o objetivo de serem publicadas na imprensa. Esse projeto ficou pelo caminho, mas a autora entendeu que o devia retomar, de forma a mostrar, "através da opinião de portugueses de diversas profissões e várias camadas sociais", um "mais objetivo e correto conhecimento de um país que tanto se procura caluniar, umas vezes por parcialismo de sujeitos inventivos e ignorantes, outros por evidente má fé". Na verdade, o livro, que é um objeto curioso, não tem nenhum depoimento de quem tenha de facto vivido na União Soviética. São apenas relatos e impressões de viagens que os entrevistados fizeram ao "mais proscrito" dos países. O volume contém um texto da Comissão Nacional das Comemorações do 60.º Aniversário da Revolução de Outubro. Lista dos entrevistados: António Vitorino d'Almeida, Vicente Campinas, Carlos Carvalho, Mário Vieira de Carvalho, Mário Castrim, Eduardo Prado Coelho, Ramiro Correia, Maria Velho da Costa, Blasco Hugo Fernandes, José Gomes Ferreira, Fernando Lopes Graça, Silva Graça, Vasco Pinto Leite, Fernanda Mestrinho, Armando Myre-Dores, Luís Francisco Rebello, Urbano Tavares Rodrigues.
MIGUEL, Francisco – Uma vida na revolução. Porto: Inova, fevereiro de 1977. Coleção Os Comunistas, n.º 2. Prefácio de Margarida Tengarrinha.
Francisco Miguel faz a sua autobiografia, onde nos conta a sua vida de revolucionário comunista, uma militância iniciada muito antes de se perceber sequer que a ditadura fascista ia durar tanto tempo. Natural de Baleizão, filho de camponeses, conterrâneo e camarada de partido de Catarina Eufémia, iniciou a luta contra o fascismo aos 20 anos, em 1929. Esteve preso 21 anos e dois meses. Esteve duas vezes no Tarrafal, onde conheceu Bento Gonçalves. Foi o último preso político a ser libertado do "campo da morte lenta". Francisco Miguel deixa-nos um retrato, contado na primeira pessoa, da resistência ao fascismo, da vida na clandestinidade e do amor ao partido. Mostra-nos um Portugal retrógrado e atrasado, revela-nos as arbitrariedades da polícia política, do sistema judicial e do serviço prisional. Um Portugal que não deixa saudades. Francisco Miguel foi, justamente, deputado à Assembleia Constituinte eleito pelo circulo de Beja.
RATES, J. Carlos – A Rússia dos Sovietes. Lisboa: Seara Nova, fevereiro de 1976. 4200 exemplares. Capa de Henrique Ruivo. Coleção Biblioteca Socialista Portuguesa. Prefácio de César Oliveira.
José Carlos Rates foi o primeiro secretário-geral do Partido Comunista Português, fundado em 1921. Visitou a Rússia Soviética em 1924 e apressou-se a escrever este livro, onde divulgava os ideais do marxismo (e do leninismo) e as conquista da Revolução de Outubro. Explica César Oliveira que o marxismo entrou muito tardiamente em Portugal – o Manifesto do Partido Comunista foi publicado em 1872 – e isso reflete-se no discurso de Rates. Ou seja, o livro está dividido em três partes, a primeira, onde expõe o marxismo com muitas debilidades; a segunda, onde descreve os acontecimentos da Revolução, com dados biográficos de alguns protagonistas; e a terceira, onde aponta as grandes conquistas alcançadas, ao nível social e cultural, com dados estatísticos, entre 1917 e 1924. O livro cumpriu os seus objetivos e ajudou a implantar em Portugal os ideais comunistas e o PCP. César Oliveira diz que A Rússia dos Sovietes é uma peça fundamental que deve ser entendida no contexto da época. Mesmo que Rates tenha acabado como acabou.
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