50 anos/50 livros – 25 de Abril 1974/2024 - Constituição da República (xi)
Constituição da República
As Forças Armadas Portuguesas representam o poder de soberania
do Estado e têm a capacidade de atribuir e manter o poder político nas
instituições próprias, sejam elas de que tipo forem. Isso mesmo é verificável através da História, quando realizaram o golpe de Estado de 28 de maio de 1926,
instaurando uma ditadura militar; quando garantiram a permanência de uma
ditadura fascista, liderada por um conservador católico, durante 48 anos; ou
quando depuseram essa mesma ditadura, no dia 25 de abril de 1974.
O que fazer a seguir com o poder político, devem ter perguntado
os militares, cujo principal objetivo seria acabar com a guerra nas colónias, uma
guerra de guerrilha de baixa intensidade, que não estava a correr nada bem.
Junta de Salvação Nacional (25/04/1974-15/05/1974) via wikipedia
Desde a Revolução do 25 de Abril, até à eleição para a Assembleia
Constituinte passou um ano. Um período muito longo, mas de tal forma agitado e
intenso que pareceu mais curto. Precisamente, a agitação desses tempos deveu-se, em parte,
às lutas internas entre os militares que não tinham uma ideia precisa de como
exercer o poder e como o moldar para o futuro do país. Houve golpes de direita
reacionária, com apoio militar; houve respostas da esquerda política, com apoio
militar; e seguiu-se um caminho, mais ou menos velado e tácito, mais ou menos compreendido
pela população inculta, de prosseguir para uma revolução socialista, na direção
de uma sociedade sem classes, liderada por uma aliança entre o Povo e o MFA –
Movimento das Forças Armadas.
Cartaz de João Abel Manta via parlamento.pt
Os militares da Revolução tinham prometido entregar o poder
político aos partidos, que, entretanto, se foram formando e alinhando. O
resultado das eleições para Assembleia Constituinte trouxe a primeira
surpresa: os partidos moderados, entre o socialismo e a social democracia, ganharam as eleições,
reunindo o maior número de deputados, enquanto as forças progressistas de
esquerda mostraram não ter tanta capacidade de influência junto das massas
populares, como demonstravam no seio das Forças Armadas.
O resultado dos trabalhos da Assembleia Constituinte, a
Constituição da República Portuguesa, votada e aprovada no dia 2 de abril de
1976, veio demonstrar isso mesmo. É um texto de compromisso entre uma via
democrática pluralista, que defende a economia de mercado, capitalista, e uma
via que defende um Estado socialista, com controlo dos meios de produção, através
de uma economia planificada. Ambas as vias em confronto garantem os direitos
individuais e o pluralismo democrático.
Esta luta política ficou demonstrada no
preâmbulo da Constituição. Vejamos:
“A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando
a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos
profundos, derrubou o regime fascista.” Esta assunção é errada. A resistência estava
limitada a pequenos grupos políticos e o denominador comum era o conformismo,
até porque os portugueses tinham os direitos políticos diminuídos desde 1926. Por
exemplo, a informação era censurada desde 1926; as mulheres, por regra, nunca tinham tido direitos políticos. Acredito
que os “sentimentos profundos” mencionados devem querer referir-se ao apoio
popular no golpe de Estado.
Bicha para votar na eleição da Constituinte (25/04/1975) - foto DN via Museu do Aljube
“A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo
português de defender a independência nacional, de garantir os direitos
fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da
democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir
caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo
português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais
fraterno.” Este 4.º parágrafo do preâmbulo refere que o povo português pretende
uma sociedade socialista, através da decisão da Assembleia Constituinte, mas
esse propósito nunca foi sufragado. Em primeiro lugar, porque os portugueses não
sabiam o que era uma sociedade socialista, e se entendermos a vontade do povo
através do voto, os partidos da esquerda progressista que defendiam o modelo socialista,
saíram claramente perdedores na representatividade da Assembleia.
Todavia, o propósito de construir um país mais livre, mais
justo e mais fraterno é perfeitamente atual e certamente comungado por todos os
partidos naquele período, mesmo pelo partido que votou contra a provação da lei
fundamental. Quanto à representatividade partidária de hoje, já não temos tanta
certeza.
PORTUGAL – Constituição da República Portuguesa.
Coimbra: Atlântida Editora, abril de 1976.
Este é o texto original da Constituição da República
Portuguesa, aprovado na Assembleia Constituinte de 2 de abril de 1976. É o
texto legal fundamental que garante um quadro de direitos, liberdades e
garantias dos cidadãos. Define a orgânica e o funcionamento dos órgãos de
soberania e mantém na esfera do Estado um lugar especial para os militares,
através da manutenção do Conselho da Revolução. É difícil interpretar a
existência deste órgão militar, que acabou por ser substituído, em 1982, pelo
Conselho de Estado, um órgão consultivo do Presidente da República de
constituição civil. É possível que tenha sido um garante para que os partidos
políticos mantivessem o caminho para uma sociedade socialista. Não foi nada
disso o que aconteceu, abraçámos definitivamente o capitalismo e o
neoliberalismo, até porque a adesão à CEE assim o exigia. E, como se podia
prever, aumentámos as desigualdades económicas e sociais, mesmo que todos os
indicadores de referência tenham melhorado. Uma parte importante da política
económica são as nacionalizações. Consideradas “conquistas irreversíveis das
classes trabalhadoras”, acabaram por ser revertidas em “reprivatizações”,
autorizadas através de lei-quadro, aprovada por maioria absoluta, na alteração
constitucional de 1989, e completamente omissas nas alterações constitucionais a
partir de 1997. Bem que nos fariam falta hoje algumas nacionalizações nos
sectores essenciais para a nossa soberania económica e social.
CALDEIRA, Reinaldo; SILVA, Maria do Céu (comp.) –
Constituição Política da República Portuguesa. Projetos, votações e posição dos
partidos. Amadora: Livraria Bertrand, abril de 1976. Capa de José Cândido.
Esta é uma edição enciclopédica de mais de 850 páginas, que
reúne texto o fundamental aprovado, as propostas dos partidos, a discussão
política e o resultado das votações, ponto por ponto, a lista dos deputados eleitos,
as posições partidárias, as declarações de voto, o regimento da Assembleia
Constituinte e o 2.º pacto MFA-Partidos. Apresenta também a lista dos 65
deputados que não cumpriram o mandato. Os partidos que apresentaram projeto de
constituição foram o PS, o PPD, o PCP, o CDS, o MDP/CDE e a UDP. O único
deputado da ADIM – Associação para a Defesa dos Interesses de Macau não
apresentou projeto. É verdade que esta informação está (quase toda) online, mas
aqui está toda compilada, com acesso fácil e pode ser consultada à luz da vela.
Para estudiosos.
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