domingo, 26 de dezembro de 2021

Os melhores álbuns de 2021 – a proposta do Meios de Produção!

Este ano vamos meter-nos nas listas, pelo menos vamos tentar… É um exercício mais ou menos fútil, mas como foi um ano em que se ouviu muita música nova, queremos e gostamos de partilhar. Nomes e títulos! Partilhar nomes e títulos. Há muita coisa que não foi ouvida ou sequer conhecida e, por isso, este é um exercício meio parvo, meio inútil, que apenas serve para nos mostrarmos… Pois! E os melhores do ano no Meios de Produção são:

 
James Brandon Lewis a partir de jblewis.com

James Brandon Lewis, com James Lewis Quartet’s Code of Being (2021) e Jesup Wagon (2021). Concordo com todas as críticas que li: James Brandon Lewis tem uma voz original e desde que assina trabalhos em nome próprio, há mais ou menos oito anos, vem confirmando o seu lugar no mundo do jazz, no saxofone (tenor), na composição e no estilo, revelando as suas variegadas influências que são determinantes para um repertório cada vez mais eclético.  

 


Code of Being
é muito bom e recomenda-se, mais próximo do free jazz, que é onde se situa o autor, mas muito melódico. É um álbum que se saboreia e delicia. Destaque também para os seus parceiros habituais, Áruan Ortiz (piano), Brad Jones (Contrabaixo) e Chad Taylor (bateria), com quem tem vindo a assinar discos memoráveis, como Molecular (2020).

Mas Brandon Lewis não ficou por aqui, neste ano da graça de 2021. Saiu também com Jesup Wagon, através do James Brandon Lewis Red Lily Quintet [Kirk Knuffke (cornetim), William Parker (contrabaixo), Chris Hoffman (violoncelo) e, de  novo, Chad Taylor]. 

 


Bem diferente do anterior Code of Being, Jesup Wagon revela as influências constantes do blues e do jazz tradicional de Nova Orleães, numa homenagem às gerações de negros que sobrevieram do sul dos Estados Unidos (re)inventando os seus caminhos, como George Washington Carver, e que estão na paisagem do tão celebrado estilo musical que por aqui também se destaca. Jesup Wagon, a carruagem botânica ou agrícola de Carver, obriga-nos a contar outra história, que não apenas a da exploração, sofrimento, dor e angústia, mas também a da perseverança, resistência e identidade da comunidade negra sulista (o álbum contém dois momentos de poesia ditos pelo saxofonista, o que vem sendo habitual em muitos dos seus álbuns). Brandon Lewis tem vindo a explorar este legado negro na sua música com resultados inquietantes, desassombrados, mas apaixonantes, como em An UnRuly Manifesto (2019) ou em Days of Freeman (2015). Os dois álbuns de 2021 de James Brandon Lewis estão obrigatoriamente entre os melhores do ano.

 

Humanization 4tet by António Júlio Duarte
Destaque também para o jazz português, que já é uma referência mundial, muito por causa da visibilidade que lhe confere essa espantosa empresa exportadora (à atenção dos economistas portugueses, que tanto gostam de resolver os problemas da economia e da sociedade portuguesas com a receita da exportação!), que é a Clean Feed. Não partilho tanto do entusiasmo da crítica nacional sobre os mais recentes lançamentos do saxofonista Rodrigo Amado [We Are Eletric (2021) – Rodrigo Amado Nothern Liberties; The Field (2021) – Rodrigo Amado Motion Trio & Alexander von Schlippenbach; Let The Free Be Men (2021) – Rodrigo Amado/Joe McPhee/Kent Kessler/Chris Corsano]. O free jazz e a música improvisada em disco é uma coisa estranha, nem sempre empática e, por vezes, irritante (...e, porém, lembra-mo-nos logo de Sun Ra e The Art Ensemble of Chicago, ou mesmo do nosso destaque inicial...). Mas ao vivo é outra história: é uma experiência única, rara e empolgante, intensa, exige atenção e descontração. 

 
 E eu sou um sortudo porque pude ver e ouvir o Humanization 4tet (que, na verdade, é um projeto do guitarrista Luís Lopes) e foi uma experiência arrebatadora, irrepetível. Fui preparado para ver um concerto de heavy metal, quer dizer, estridente, esquizofrénico, barulhento… mas não foi nada disso e foi muito, muito melhor do que isso. Destaque para a secção rítmica, a cargo dos irmãos Gonzalez, Aaron (contrabaixo) e Stefan (bateria), que acompanharam de forma irrepreensível temas do último álbum do coletivo, Belive, Belive (2020), e alguns dos três álbuns anteriores que não sei nomear.

 

Ainda dentro do jazz português (estará correta esta designação, este rótulo?), destaque para o coletivo João Lencastre’s Communion, com o álbum Unlimited Dreams (2021), num diálogo permanente entre a bateria e o piano, já que Lencastre toca bateria e compõe ao piano. Numa palavra: notável. 

 

Destaque também para o já mencionado Luís Lopes [Sinister Hypnotization (2021) – Luís Lopes Lisboa Berlin Quartet], com um trabalho mais sombrio, intrincado, assumindo referências histórico-políticas comuns às duas cidades… Ainda a propósito do free jazz e da música improvisada, às vezes o que se disse ou escreveu é exagero, outras vezes não… A música improvisada exige um domínio absoluto do instrumento e um diálogo intuitivo com os parceiros: umas vezes isso é evidente e revela uma comunhão orgânica, outras vezes nem tanto.

 
 

Num registo mais suave e convencional, mas nem por isso menos eclético e inventivo, destaque para Garfo [Garfo (2021)], quarteto composto pelos vinteanistas Bernardo Tinoco (saxofone tenor), João Almeida (trompete), João Fragoso (contrabaixo) e João Sousa (bateria, um bocadinho mais velho). O quarteto, muito competente e promissor, tem origem na escola de jazz do Hot Clube de Lisboa, que reúne em volta de José Eduardo jovens músicos entre os 12 e os 17 anos. A fixar.
 

Saúda-se o regresso do coletivo LUME (Lisbon Undergrond Music Ensemble), com um disco muito divertido e bem esgalhado, Las Californias (2021). A orquestra de 15 elementos é um projeto dirigido por Marco Barroso (piano), que também assina as composições. E o que têm em comum todos estes lançamentos (mais ou menos) nacionais? Sim, acertou: a Clean Feed!

 

Lisbon Underground Music Ensemble (LUME), dirigidos por Marco Barroso

Mas também se saúda o regresso dos “pesos pesados” com álbuns fabulosos. Veja só o leque: Brad Mehldau & Orpheus Chamber Orchestra [Variations on a Melancholy Theme (2021) – variações entre o jazz e a música sinfónica]; Dave Holland [Another Land (2021)]; Esperanza Spalding [Songwrights Aphotecary Lab (2021)]; Marc Ribot’s Ceramic Dog [Hope (2021)]; Floating Points com Pharoah Sanders e a London Symphony Orchestra [Promises (2021) – Lindo! Lindo!]; e John Zorn. 

 

 
John Zorn via facebook

Com John Zorn é preciso dizer duas ou três palavras: dos 9 álbuns [sim, 9, pelo menos que eu conseguisse identificar e ouvir, sem contar com os dois volumes de oito discos das John Zorn's Bagatelles (2021) que ainda vou ouvindo, talvez por muitos anos] que editou este ano como compositor e músico devo dizer que são todos muito diferentes e são todos muito bons e podem perfeitamente estar entre os melhores do ano em qualquer lista (Meditations On the Tarot; Heaven and Earth Magick; Chaos Magick; Nostradamus; The Death of Satan; Gnosis; The Inner Light; Parables; e Teresa de Ávila, todos de 2021). Estamos perante formações, músicos e músicas ou géneros musicais muito diferentes, mas a qualidade das composições continua a surpreender. Recomendo qualquer um, mas destacaria talvez, apenas para amostra, Parables (2021) – três guitarristas: Bill Frisell, Gyan Riley, Julian Lage e uma sonoridade que não é bem jazz, mas também não é folk, nem blues, nem canção… Música zorniana! 

[Atualização: Ainda não tínhamos fechado este mega postal e lá saía neste mês de dezembro mais um álbum de John Zorn (New Massada Quartet)! A ouvir com atenção já em 2022!]

 

Uma palavra para os híbridos (Marc Ribot, também?), quer dizer, é jazz mas também não é bem jazz porque recorre a sons gravados e sintetizados ou porque atravessa outros estilos e géneros, mas é música moderna cativante e intrigante: Theon Cross [Intra-I (2021)], Sons of Kemet [Black to the Future (2021)] e Garage a Trois [Calm Down Cologne (2021) – é isso, por aqui o funk tem que estar representado e é um regresso há muito esperado!].

 



 

Muito apreciados também: Michael Feinberg [Hard Times (2021)]; Nikolaj Hess [Spacelab & Strings (2021)]; Ethan Iverson & Umbria Jazz Orchestra [Bud Powell in the 21st Century (2021)]; Fabio Leal & Antropojazz [Fábio Leal & Antopojazz (2021)]; Sam Pilnick [Sam Pilnick's Nonet Project – The Adler Suite (2021) – espantosa obra!]; William Parker [Mayan Space Station (2021)].

 

Num outro registo, pop rock e afins, não podemos deixar de assinalar o último álbum de originais de Prince, gravado em 2010 [Welcome 2 America (2021) - a crítica foi condescendente, mas por aqui parece um regresso à década de 1990, à melhor década de Prince]; Anni diFranco [Revolutionary Love – muito bom mesmo]; Black Midi [Cavalcade (2021)]; Chet Faker [Hotel Surrender (2021)]; Bloto [Kwasy i zasady (2021) – um objeto estranho, que se entranha, apresentado como jazz, mas que talvez não o seja]; Bonnie ‘Prince’ Billy com Matt Sweeney [Superwolves (2021)]; Idles [Crawler (2021)]; Lana Del Rey [Chemtrails Over the Country Club (2021) – lançou também Blue Banisters (2021), que ainda não ouvi]; St. Vincent [Daddy’s Home (2021)]; Sault [Nine (2021)]; The Oh Sees [Panther Rotate (2020) – Ok!, Ok!, é de 2020, mas foi lançado em dezembro e só foi apreciado este ano: é um álbum conceptual que consiste nas sobras do anterior Protean Threat (2020), na heteronomia Osees – e que sobras!]; The Baggios [Tupã-Rá (2021) – um álbum festivo a lembrar muito dos anos 1970 no Brasil e aquela vaga baiana]; Liniker [Indigo Borboleta Anil (2021) – agora a solo, em nome próprio, revelando passo seguro].

 

E para o fim desta longa lista – não ouvi ainda o último de Caetano Veloso, que tem muito boas críticas em Portugal, como habitualmente –, o grande destaque da música urbana moderna, mundial, claro, vai para Juçara Marçal, com Delta Estácio Blues (2021) e toda aquela trupe (paulista) que a acompanha. É de facto uma obra brilhante que vem revelando os possíveis novos caminhos do coletivo Metá Metá, já anteriormente revelados por Kiko Dinucci, com o fabuloso Rastilho (2020). Para ouvir e voltar a ouvir.

 
Juçara Marçal via maisum

Resumo:

1. James Brandon Lewis - Code of Being

2. James Brandon Lewis - Jesup Wagon

3. Juçara Marçal - Delta Estácio Blues

4. João Lencastre's Communion - Unlimited Dreams

5. Sam Pilnick's Nonet Project - The Adler Suite

6. Floating Points with Pharoah Sanders & The London Symphony Orchestra - Promises

7. John Zorn - (à escolha) Meditations On the Tarot; Heaven and Earth Magick; Chaos Magick; Nostradamus; The Death of Satan; Gnosis; The Inner Light; Parables; Teresa de Ávila

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Para ouvir os melhores do ano conforme a ordem apresentada no texto, copie os links ou procure no spotify.
 
 
Jazz
 
https://jamesbrandonlewis.bandcamp.com/album/code-of-being-2

https://jamesbrandonlewis.bandcamp.com/album/jesup-wagon

https://joaolencastre.bandcamp.com/album/unlimited-dreams

https://cleanfeedrecords.bandcamp.com/album/sinister-hypnotization

https://cleanfeedrecords.bandcamp.com/album/garfo

https://cleanfeedrecords.bandcamp.com/album/las-californias

https://bradmehldau.bandcamp.com/album/variations-on-a-melancholy-theme

https://daveholland.bandcamp.com/album/another-land

https://songwrightsapothecarylab.com/

https://marcribot.bandcamp.com/album/hope

https://floatingpoints.bandcamp.com/album/promises

https://johnzornresource.com/parables

https://theoncross.bandcamp.com/album/intra-i-2

https://sonsofkemetmusic.bandcamp.com/album/black-to-the-future

https://garageatrois.bandcamp.com/album/calm-down-cologne
 
https://www.freshsoundrecords.com/michael-feinberg-albums/54502-hard-times-digipack.html

https://sunnysiderecords.bandcamp.com/album/spacelab-strings

https://sunnysiderecords.bandcamp.com/album/bud-powell-in-the-21st-century

(Fábio Leal & Antropojazz) spotify

https://sampilnick.bandcamp.com/album/the-adler-suite

https://williamparker.bandcamp.com/album/mayan-space-station

Pop Rock e Afins

(Prince) spotify

https://anidifranco.bandcamp.com/album/revolutionary-love

https://bmblackmidi.bandcamp.com/album/cavalcade

(Chet Faker) spotify

https://bloto.bandcamp.com/album/kwasy-i-zasady

https://mattsweeneybonnieprincebilly.bandcamp.com/album/superwolves

https://idlesband.bandcamp.com/album/crawler

(Lana Del Rey) spotify

https://stvincent.bandcamp.com/album/daddys-home

(Sault) spotify

https://ohsees.bandcamp.com/album/panther-rotate

(The Baggios) spotify

(Liniker) spotify

https://jucaramarcal.bandcamp.com/album/delta-est-cio-blues

 
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Há muita coisa que por aqui não se ouviu simplesmente porque não foi possível, não há tempo, paciência, curiosidade, disponibilidade, informação e por aí fora. Mas há algumas coisas que gostaria de conhecer melhor, que fui apanhando pelas listas que por aí pairam ou em críticas de jornais:
 
Arlo Parks – Collapse into sunbeams (2021)
Julius Eastman – Vol. 1; Femenine (2021)
Injury Reserve – By the Time I Get to Phoenix (2021)
Tems - If Orange Was A Place (2021)
Tyler, The Creator – Call me if you get lost (2021)
Marianne Faithful & Warren Ellis – She walks in beauty (2021)
Black Country, New Road – For the first time (2021)
Dino D'Santiago – Badiu (2021)
The Weather Station - Ignorance (2021)

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E depois há listas para todos os gostos:
http://opiumhum.blogspot.com/2021/12/my-40-favorite-records-of-2021.html
http://spychedelicsally.blogspot.com/2021/12/best-albums-of-year-2021.html
www.npr.org – A lista dos 50 álbuns e 50 canções mais cativante e ao mesmo tempo decepcionante! – siga aqui – https://www.npr.org/2021/12/01/1054318397/the-50-best-albums-of-2021-page-1
Aguardamos ainda a lista do hominis canidae (https://www.hominiscanidae.org/) [atualização: https://www.hominiscanidae.org/2021/12/25-discos-legais-que-voce-deveria-ter.html]
E depois também há as listas do Blitz e do jornal Público. Estas, do Público, são muito interessantes, são feitas por cada um dos críticos mas também são um desencanto. Lembram-nos que há cinema, mas não há público; há livros, mas não há leitores; há televisão, mas só meia dúzia de "monstros" transnacionais dominam os gostos e as escolhas mundiais, com os realizadores de cinema a "venderem-se" ao digital e ao pequeno ecrã; e depois a música, que vai desde o pequeno estúdio montado no quarto de banho, às grandes produções milionárias realizadas para uma audiência global, enquanto a crítica segue a sua busca incessante por uma qualquer novidade que deseja transformar num êxito universal...

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(O postal é muito grande?! Temos pena!)

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

O eucalipto e os portugueses – Da série Verdades Inconsequentes I

O Eucalyptus Globulus a dominar a paisagem
 

O eucalipto existe em Portugal desde há um século e meio. Não é, por isso, uma espécie nova, é uma espécie portuguesa, uma espécie nacional. Hoje, existem mais exemplares de Eucalyptus Globulus plantados em território nacional do que na Austrália, de onde são originários. Só não temos Koalas. 

 
Eucalyptus Globulus sempre em pano de fundo

O eucalipto já foi uma espécie exótica, introduzida para fins ornamentais e, depois, para usos específicos, como a drenagem de zonas húmidas e pântanos, sobretudo, para combater a malária. Hoje, é a espécie florestal predominante em Portugal e tem um uso industrial: serve como matéria-prima para a indústria da pasta de papel, uma indústria altamente poluente e consumidora de recursos hídricos, gerando, dessa forma, um rendimento para um setor de pequenas empresas de exploração florestal e para um conjunto imenso de famílias, pequenos proprietários de terrenos florestais, onde estão plantados milhões de eucaliptos. 

 

Amostra da verdadeira floresta portuguesa
 

Mas o eucalipto também serve para sustentar uma indústria mais ou menos primitiva de combate a incêndios florestais. Uma indústria subsidiada pelo Estado, que consiste em centenas de corporações de bombeiros voluntários municipais, que se dedicam à prevenção e combate a incêndios florestais. No fundo, dedicam-se à proteção de uma matéria-prima valiosa. Muitos bombeiros são proprietários de terrenos florestais onde estão plantados eucaliptos. 

 

Saiam da frente que lá vem mais um copo de água para apagar um incêndio!
 

A floresta portuguesa, por isso, é largamente representada por eucaliptais, e os portugueses adaptaram-se a isso, convivem bem com o eucalipto e tornaram-no na árvore nacional.

 

Paisagem florestal portuguesa: acácias nas bermas, eucaliptos no miolo

Se quiser saber mais:


https://visao.sapo.pt/visao_verde/ambiente/2013-10-10-eucaliptugal-o-ecocidio-da-floresta-nacionalf752575/


http://raiz-iifp.pt/o-principe-dos-eucaliptos/


https://www.agroportal.pt/oe-2021-forca-aerea-mantem-gastos-de-e49-milhoes-no-combate-aos-incendios-florestais/


https://www.agroportal.pt/incendios-proprietarios-florestais-exigem-saber-custo-beneficio-no-combate/


https://quercus.pt/2021/03/03/quanto-custa-a-prevencao-dos-incendios-florestais-em-portugal/


Baptista, Fernando Oliveira. A política agrária do Estado Novo. Porto: Edições Afrontamento, 1993.


Potts, Brad. M. et al. Exploration of the Eucalytus Globulus gene pool. In Eucalyptus in a Changing World, Borralho, N., et al. Proc. of IUFRO Conf., Aveiro 11-15 outubro 2004.


Radich, Maria Carlos; Baptista, Fernando Oliveira. Floresta e Sociedade: Um percurso (1875-2005). In Silva Lusitana 13(2):143 - 157, 2005.
 

Silva, Joaquim Sande (Coord.). Pinhais e eucaliptais – A floresta cultivada. Árvores e florestas de Portugal, vol. 04. Lisboa: Público, Comunicação Social, Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, Liga para a Proteção da Natureza, 2007.

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Assista à morte lenta de um rio! Jacintos no rio Vouga (parte II)

 

E agora um desafio: o rio Vouga asfixia e morre lentamente à frente dos nossos olhos. O que fazer? 

 

Quem passa na ponte de Cacia (EN 109) – e milhares passam por ela todos os dias! – não pode fingir que não vê nada. E o que vê? Vê que a praga de jacintos-d’água tomou conta do rio. E agora? Vamos deixar que o rio morra? Podemos fazer alguma coisa? 

 

Quando o manto de jacintos-d’água cobre toda a superfície de um rio, como se vê no vídeo, que foi captado em Angeja, junto ao Parque do Areal, as espécies que vivem na água morrem todas porque não conseguem respirar; morrem os peixes que vivem ali; os que vão desovar a montante, não conseguem passar e morrem ali ou desovam onde podem e os seus ovos acabam por asfixiar ou ser comidos por outras espécies a que normalmente estavam imunes; acontece o mesmo com as enguias, com as lampreias; ou com as espécies de flora indígena que ficam sem espaço para se reproduzir, porque toda a superfície do rio está invadida pelos jacintos; ou com as lontras, que deixam de ter alimento e acabam por morrer ou procurar outros cursos de água; ou com muitas aves, que se alimentavam do peixe do rio e agora deixam de ter alimento e têm que procurar outros lugares…

 

Quando dermos conta, já não há nada no rio…

 


O que fazer? Há uma universidade pública em Aveiro [https://www.ua.pt/pt/curso/484] que tem um curso muito afamado dedicado ao Ambiente. Será que eles ensinam os jovens engenheiros do Ambiente a fazer alguma coisa perante atentados ambientais? Ou ensinam apenas que estas pragas de espécies invasoras matam tudo à sua volta? Podiam ensinar a fazer alguma coisa, por exemplo, o que fazer num caso como este, em que vemos um rio a morrer lentamente. 

 

Segundo o Decreto-lei n.º 565/99, de 21 dezembro, que regula a introdução de espécies invasoras, as entidades responsáveis pela fiscalização, instrução de processos e decisão sobre que fazer cabe ao ICNF, Inspecção-Geral do Ambiente, direcções regionais do ambiente, direcções regionais de agricultura, Direcção-Geral das Florestas, Direcção-Geral de Veterinária, Direcção-Geral das Pescas e Aquicultura, Instituto de Investigação das Pescas e do Mar, Guarda Nacional Republicana e demais autoridades policiais (esta lei já deve ter sido atualizada, porque as coimas ainda estão em escudos, mas não sou especialista). Está-se mesmo a ver, não é? Com tantas competências repartidas, quem é que podemos alertar, como se ainda ninguém tivesse visto? Todos?

 


O mais fácil, pelas suas funções, é a GNR e o SEPNA - Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente. Sendo uma força policial, tem um sistema relativamente simples para se apresentar uma queixa. Ok, feito. A queixa foi aceite e aguardamos pelas consequências. 

 

E o ICNF - Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas? Puff! Não tenho o dia todo para procurar uma página online para deixar uma queixa… Descobri, no entanto, que o site do ICNF está em reformulação (há anos?) e convive com dois sistemas distintos, um modernaço que não serve para nada e outro antigo que já não fornece formulários; e então se quisermos fazer uma queixa sobre Ambiente, o ICNF manda-nos para… a GNR!

 


Quanto à Inspeção geral do Ambiente, aparentemente não existe; existe uma coisa chamada de inspeção ambiental pertencente à IGAMAOT, a sigla de Inspeção-geral dos Ministérios do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia e da Agricultura e do Mar, portanto, junta competências de vários ministérios. Deve funcionar muito bem… Bom, mas lá encontrámos um formulário online para deixarmos uma queixa ou uma reclamação: feito, com fotografia, coordenadas e tudo! A IGAMAOT é um órgão com funções de polícia criminal, mas não sei se gostam muito de sair dos gabinetes, porque a maior parte das suas competências é de auto-fiscalização e promoção de estratégias de prevenção e defesa ambiental. E a praga dos Jacintos é um crime sem criminoso! Mas a verdade é que pode atuar junto das autoridades regionais e instá-las a agir, pois isso faz parte das suas competências. Uma das funções da IGAMAOT é “assegurar a gestão e consolidação dos sistemas de análise de risco de cariz ambiental, como ferramenta de planeamento e apoio da sua atividade inspetiva”. Onde estão esses sistemas de análise e por que não são tornados públicos? Estão no site da IGAMAOT? Ah, pois! [Veja se encontra: https://www.igamaot.gov.pt/quem-somos/mensagem-do-inspetor-geral/]


Vejam bem, há poucas soluções neste momento. Aquilo que tem sido feito ao longo dos últimos anos, onde a praga dos jacintos-d’água tem sido cada vez mais visível, é… nada! Sim, nada! A estratégia é esperar que venha muita chuva, esperar que a barragem a montante, de Ribeiradio, em Paradela do Vouga (entregue a privados, claro!), abra as comportas e os jacintos sejam empurrados para o mar. Melhor dizendo, para a Ria de Aveiro, onde a salinidade das águas se encarrega de acabar com a planta. A outra solução é cara e demorada: abrir um concurso público para contratar uma empresa que leve uma barca ou draga para o rio e comece a recolher a planta e depois destruí-la. Até o concurso público estar concluído pode já não haver jacintos à vista… 

 

É verdade que se podia recorrer a meios e fundos próprios, da Administração Pública ou da Administração Regional (CCDRC, por exemplo), fundos de emergência. Mas isso nunca irá acontecer, porque uma situação como esta nunca fará parte das prioridades destas instituições e se investissem dinheiro a fazer essas limpezas para o rio Vouga, tinham também que fazer para o Águeda, para o Mondego, para o Lis, para muitos outros. É claro que quem pensa assim é míope, vê muito mal, pois, se a grande atividade económica que o centro do país tem vindo a promover é o turismo, depois tentem explicar aos turistas que os rios estão mortos porque nada fizemos para os salvar.

 


E agora o que fazer? Uma parte já está: as autoridades públicas têm conhecimento desta situação porque foram avisadas. E depois? Não tenho resposta ou não quero dá-la. Mas suspeito que vamos continuar a assistir à morte lenta do rio Vouga. 

 

Lembram-se que existe uma coisa chamada Região de Aveiro, que andou a distribuir uns cartazes didáticos com os animaizinhos que vivem na Ria e nos rios que ali vão desaguar? Ainda vão mudar os cartazes para: “As espécies que HABITARAM neste ecossistema.”

 

Veja como estava o rio Vouga em 2019 e veja como está agora, em 2021: 

Rio Vouga em Angeja, 2019; foto meiosdeproducao.blogspot.com.

Rio Vouga, em Angeja, 2021; foto meiosdeproducao.blogspot.com

Veja o que se disse em 2019:

https://meiosdeproducao.blogspot.com/2019/11/originario-da-amazonia-e-introduzido-em.html

terça-feira, 13 de julho de 2021

O twitter tem medo de quê? A propósito de uma Imagem censurada no twitter

Afinal, o twitter censurou o quê? Um abraço amoroso entre um leopardo e um bambi ou outra coisa qualquer? Por exemplo, uma alusão à desigualdade do poder entre o empresário e o trabalhador? A fotografia não tem sexo, não tem sangue, revela um ato... que pode significar muitas coisas, mas pelo que mostra não viola nenhuma regra do twitter. Revela apenas ironia, talvez sarcasmo e algum cinismo. Mas também revela uma realidade política-ideológica que começou por ser combatida massivamente no país que originou o twitter. Políticamente correto? Autoritarismo e reacionarismo? O twitter tem medo de quê? A fotografia chegou-me pelo meu camarada FM (@FilintoM) e de tão gasta, tão usada e provavelmente tão velha, já não tinha já qualidade nenhuma e foi certamente tirada de um qualquer programa sobre a vida selvagem em África, que todos temos vindo a destruir. Já deve ter sido usada e abusada milhares de vezes pela internet com outras tantas legendas diferentes. E depois chega ao meu twitter, que é muito pouco visto e pobrezinho... e aparece um avisozinho a dizer "Nós não podemos te mostrar tudo! Ocultamos automaticamente fotos com possível conteúdo sensível ou impróprio". Resta saber o que é sensível ou impróprio para o twitter e para os censores do twitter: se uma amizade improvável (e falsa, claro!) ou uma legenda certeira que nem um tiro no alvo. 

 

Meios de Produção luta por uma internet livre!

 

Este exemplar foi retirado da internet através de uma busca no google com a foto do twitter
 

After all, what did twitter censor? A loving embrace between a leopard and a bambi or something else? For example, an allusion to the inequality of power between the entrepreneur and the worker? The photograph has no sex, no blood, it reveals an act... which can mean many things, but from what it shows, it doesn't violate any twitter rules. It reveals only irony, sarcasm, some cynicism. But it also reveals a political-ideological reality that began by being massively fought in the country that originated twitter. Politically correct? Authoritarianism and reactionaryism? What is twitter afraid of? The photo came to me from my buddy FM (@FilintoM) and it was so worn, so used and probably so old, it was no longer of any quality and was certainly taken from some program about wildlife in Africa we all have been destroying. It must have been used and reused thousands of times over the internet with so many different subtitles. And then it comes to my twitter, which is very little seen and... a little warning appears saying "We can't show you everything! We automatically hide photos with possible sensitive or inappropriate content". It remains to be seen what is sensitive or inappropriate for twitter and for twitter censors: whether an unlikely friendship or a caption that is as accurate as a shot at the target. 


Meios de Produção fights for a free internet!

(the caption: “You don't need a union because everyone here is a family”)

 

segunda-feira, 12 de julho de 2021

Coisas boas que nos chegam da Inglaterra: Jungle!

Da Inglaterra só vêm coisas boas... (herrrp, gurp, cof cof, burp...) Engasguei-me!... Enfim, às vezes! Como os Jungle! Que estão prestes a lançar um novo álbum e, como já é um hábito deste projeto inglês, se quiserem, deste duo inglês, um novo álbum é um exemplo de colaboração interdisciplinar: música, dança, vídeo. Um primeiro exemplar chegou ainda em março [Keep moving: https://youtu.be/7-lWzQd_xeQ, com um tutorial de dança, pelos bailarinos que acompanham os Jungle, muito interessante, muito fashion, que pode ser visto aqui: https://youtu.be/UqGd9CizakE]. Depois, no início de junho, nova experiência, ou seja, nova música, novo vídeo, novas danças [Talk about it: https://youtu.be/gC4t39f0URI]. E agora, em julho, antes do álbum, que sai em agosto, Romeo, que é o que se mostra aqui no meios de produção. Música fresca, para o verão! Para um verão possível... ou imaginado.

segunda-feira, 17 de maio de 2021

Pedro Lains (1959-2021)

Foto de perfil em goodreads

Nunca o conheci pessoalmente mas habituei-me a ler os seus trabalhos de história económica, que valeram muito para os meus próprios textos científicos. Ainda hoje o tenho como referência e, certamente, continuarei a ter. Lembro que Pierre Bourdieu (O poder simbólico, 2011, 57-72) escreveu que o conjunto de referências que devemos evidenciar no nosso discurso científico não será necessariamente o mais recente. Devemos citar aqueles que realmente influenciam as nossas reflexões, porque são esses que nos enquadram enquanto cientistas (sociais) e enquanto autores de um pensamento estruturado. A busca constante pela novidade, que tem sido imposta pela intelligentsia científica, leva a becos sem saída, a uma dispersão inútil de conhecimento e a uma desestruturação do conhecimento e da investigação. Por isso mesmo, Pedro Lains tem sido uma referência na histórica económica portuguesa. 

 

O contacto mais próximo com o autor foi através do twitter e da sua página pessoal (https://pedrolains.typepad.com/pedrolains/2020/12/index.html). Nunca escondeu estar doente, pelo contrário, até mostrava o seu esforço para reagir à doença, que nunca chegou a nomear. (Re)leu em novembro passado Identificação de um país - Ensaio sobre a fundação de Portugal 1096-1325 (José Mattoso, 1985) e revelou as suas reflexões sobre Portugal e os Portugueses. Depois disso foi tirando notas para um novo livro (A construção de um País - título provisório, em homenagem a Mattoso), sobre as revoluções em Portugal desde 1820. A última entrada na sua página pessoal foi em dezembro de 2020. 

 

Historiador e professor universitário, foi dos poucos que se levantaram contra a troika (FMI-CE-BCE, 2011-2014), contra a narrativa da inevitabilidade e contra os jornalistas e "fazedores de opinião" que deram sempre cobertura ao governo de direita e ao discurso da Alemanha de Merkel e Schauble. Deixo aqui a minha homenagem.

 

(Não sei como interpretar isto, mas fez uma espécie de autobiografia para a APHES numa altura em que já se encontrava doente. Pode ler aqui, com o título de Memórias académicas: https://pedrolains.typepad.com/pedrolains/2020/07/mem%C3%B3rias-acad%C3%A9micas.html)

[atualização 12/07/2021: referência atualizada de Pierre Bourdieu, O poder simbólico, 2011, Edições 70, quando antes estava a edição de 1989 da Difel]

segunda-feira, 8 de março de 2021

Annie Clark (a.k.a. St. Vincent) de regresso em versão pós-Berlim

 

St. Vincent (a.k.a. Annie Clark) de regresso com novo álbum, a sair dia 14 de maio. Promete! 
Veja o teaser aqui https://youtu.be/cE-hSxtA5kI
E acompanhe tudo aqui https://ilovestvincent.com/
 
[Actualização 21/08/2021]:  IRRESISTÍVEL!


sábado, 6 de março de 2021

O PCP faz 100 anos! Viva o PCP!

A minha homenagem e agradecimento ao PCP por estes 100 anos de luta! O PCP é um partido fundamental na resistência e oposição ao fascismo e autoritarismo do Estado Novo. É um partido fundamental na consolidação da democracia em Portugal, no respeito pela Constituição da República e com um desempenho da maior relevância no poder local democrático. O PCP é um partido fundamental na defesa da liberdade democrática e muito lhe devemos. Os detractores gostam de lembrar o PREC (Processo Revolucionário em Curso - 1974-1975) como se fosse um processo negativo; os partidos de direita e extrema direita gostam de reescrever a história alegando que a verdadeira revolução democrática foi o 25 de novembro de 1975... Mas perguntem-lhes qual foi o papel do PCP nessa data... Porque se fosse como eles gostam de contar a história...


Há muitas coisas que não me cativam no PCP: o internacionalismo; o conservadorismo (até mesmo um certo reaccionarismo em alguns valores e acções); o desprezo por alguns direitos individuais, como o casamento homossexual, a afirmação dos LGBT e o direito à eutanásia; o absurdo da defesa das touradas; a defesa de algumas indústrias que não respeitam a concorrência e valores ambientais, apenas porque querem defender o trabalho, sem perceberem que há mesmo trabalhos ou actividades que devem acabar; a forma como hipotecou a progressão dos valores ambientais na sociedade portuguesa, anexando desde muito cedo a marca "Verdes"; o apoio declarado a ditaduras antidemocráticas; e mais meia dúzia de coisitas... 

 

E gostava de lembrar que quem governa Portugal e os Portugueses desde 1976 é o Partido Socialista, o Partido Social Democrata e o Centro Democrático e Social. É este centrão, com um pé na esquerda e outro na direita, que mantém o poder nestas últimas quatro décadas. E foi também com a ajuda ou a oposição do PCP, e de outros partidos democráticos, que se criou um modelo de sociedade bastante avançado, que possibilitou enormes avanços sociais e económicos. 

 

Mas o perigo ronda, porque esses ganhos têm vindo gradualmente a desaparecer, desde que aquele centrão foi entregando a nossa soberania à União Europeia. Aquele centrão – PS, PSD e CDS – foi entregando fatias da nossa soberania a troco de dinheiro e favores políticos e pessoais. Vemos hoje o aumento das desigualdades e da dependência económica face ao capitalismo financeiro; vemos o aumentando da pobreza, da injustiça e da insegurança. Por que é que Portugal não cresce economicamente e vê a sua evolução sócio-económica degradar-se? Já reflectiram sobre isto? A culpa é dos comunistas, não é?

 

[As imagens dos símbolos antigos do PCP foram retirados deste interessante e extenso dossier que pode ser encontrado aqui: https://www.pcp.pt/centenario. A última imagem é o cartaz de comemoração do centenário. Parabéns ao PCP!]

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Luta Livre - Sushi era no Japão (2021)

Absolutamente imperdível o novíssimo álbum do novíssimo projeto de Luís Varatojo, Luta Livre (no bandcamp)! Recomendo, para já, "Sushi no Japão" (ainda sem videoclip), que merece ser ouvida muitas vezes. Reconheceríamos Lisboa hoje? Ou aquilo foi só uma geração que passou? E o som? E o som?

 

[Act.: 17/03/2021]: Afinal havia outro!


terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

"Vá lá!, Vá Lá!" Então, e ficamos assim Gimba?

Esta vem um bocadinho tarde, mais ou menos dois anos... Mas parece mesmo que foi ontem. Ou o ontem é que parece que foi hoje. Bom, fica a justa homenagem! E ânimo!

 

Trago um bom conselho
Para a gente que aqui está
São duas palavrinhas
E quais são elas?

Vá lá!!
 
Vá lá, Portugal, portugueses
Mais um ano, doze meses
Não saimos do lugar...
Vá lá, nobre povo, Zé Povinho
Não há pão e não há vinho
E o que há vai acabar!
 
Vá lá, estivadores e leiloeiros
Espantalhos, sinaleiros
É inútil esbracejar...
Vá lá, marinheiros de água doce
Era bom mas acabou-se
‘Tá na hora, vai fechar!
 
Vá lá, patos bravos barrigudos
Sem vergonha e sem canudos
A aldrabar a construção...
Vá lá, novos ricos triunfantes
Em vivendas de emigrante
Baluarte da nação!
 
Vá lá, batalhão de Chico Espertos
Esses olhos bem abertos
Que o país é para roubar...
Vá lá, devedores e caloteiros
Agarrados ao dinheiro
‘Tá na hora de pagar!
 
Vá lá, rapazinhos da gravata
De atitude burocrata
E a fortuna do papá...
Vá lá, raparigas graduadas
Liberais, emancipadas
Do melhor que para aí há!
 
Vá lá, jogadores, viciados
Prostitutas e drogados
Quem vos traz o alvará?
Vá lá, traficantes, criminosos
Delinquentes, mafiosos
É agora, ‘bora lá!
 
Vá lá, monarquia arruinada
Sempre bem alcoolizada
Com uma cruz a abençoar...
Vá lá, burguesia toda airosa
Que essa vida cor de rosa
Está em vias de ir ao ar!
 
Vá lá, Herculanos, Saramagos
Escritores aziagos
Quem assina a petição?
Vá lá, geração iluminada
Treinadores de bancada
Onde é que está a solução?
 
Já sabemos bem
Que a vida aqui está má
Com a morte ali ao fundo
Ai, Mãe, a sorte onde andará?
Só resta sermos nós a dar a volta
Assim, não dá
Por isso, pessoal, vá lá!!
 
Vá lá, carneirada cibernética
A doença é genética
Agarrados digitais...
Vá lá, manada de aluados
Cidadãos neutralizados
Pelas redes sociais!
 
Vá lá, estudantina abrutalhada
Malcriada, mal formada
Nota 20 a vomitar...
Vá lá, especialistas em calão
Calinada e palavrão
Vamos, toca a trabalhar!
 
Vá lá, madames em topless
Da massagem anti-stress
E dieta natural...
Vá lá, brigada do pilates
Yôga e outros disparates
Que é que diz o mapa astral?...
 
Vá lá, reformados, pensionistas
O governo tem artistas
Pagos p'ra vos enganar...
Vá lá, moribundos, acamados
Incapazes, entrevados
Vamos, toca a levantar!
 
Já sabemos bem
Que a vida aqui está má
Com a morte ali ao fundo
Ai, Mãe, a sorte onde andará?
Só resta sermos nós a dar a volta
Assim, não dá
Por isso, Portugal, vá lá!!
 
Vá lá, moderníssimos fadistas
A elite dos artistas
Do melhor que há no país...
Vá lá, costureiros e roqueiros
Dos modelos estrangeiros
E da coca no nariz!
 
Vá lá, capitães e generais
Mais as tias de Cascais
Na orgia do cifrão...
Vá lá, ministros, deputados
Com os bolsos recheados
Façam a revolução!
 
Vá lá, navegantes, triste fado
As glórias do passado
Não vos deixam navegar...
Vá lá, saudosistas praticantes
Isto está pior que dantes
Vade retro, Salazar!
 
Vá lá, Portugal, olha p'ra ti
Há quem diga por aí
Sem a guerra não há paz...
Vá lá, Portugal, nação valente
Que o futuro é um presente
E é para a frente e não para trás!

Vá lá!!

(Letra e música: Gimba. In Ponto G, 2018)

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Carlos do Carmo (1939-2021)

Quando ouvi este tema pela primeira vez era puto e não gostava de fado. Ainda hoje não aprecio muito a "canção nacional" (aprecie-se a ironia!). Mas, depois, mais tarde, bem mais tarde, quando tomei conta dos discos da família ouvi de novo este tema, "Por morrer uma andorinha". E fiquei rendido! É preciso explicar o seguinte: esta versão que me tolheu é de 1970, editada em 1973, e tem uma orquestração fabulosa, um naipe de cordas que obrigam a puxar pela entoação, o que torna a canção mais lenta, mais pausada, com várias nuances. Diga-se que não serão todos os intérpretes capazes de cantar como Carlos do Carmo e, por isso, a sustentar uma versão tão arrastada. Continuo a gostar muito de "Por morrer uma andorinha". Carlos do Carmo deixa saudades, embora não aprecie fado, nem propriamente a figura pública, o intérprete. Carlos do Carmo sempre fez parte da paisagem cultural. E quando acaba, isso nota-se.

 

A Universal, que deve ser a editora detentora dos direitos de edição da obra de Carlos do Carmo, anda a colocar no YouTube, desde há alguns anos, temas emblemáticos do intérprete, ilustradas com as capas dos discos, LP e singles. 

 

Deixo outras versões de "Por morrer uma andorinha":

 

https://www.youtube.com/watch?v=7MatSHp2yNs

https://www.youtube.com/watch?v=KUxJMvtx054

estas, de 1978, aparentemente iguais mas em discos diferentes, um fado típico, com duas guitarras em dueto (uma delas de António Chainho, por sinal), uma viola e uma viola baixo, mais rápida;

 

https://www.youtube.com/watch?v=HxCifjkpnAc

E esta, de 2013, um dueto com Camané, cantado de forma bem diferente, também com uma orquestração bem diferente, apesar do som convencional guitarra-viola. Um encontro de gerações.