segunda-feira, 16 de maio de 2011

Pia fininho, senão levas no focinho! II (EDP SUCKS!)

“Não vamos por aí!”

            Fiquei de pagar uma factura da EDP, mas esqueci-me, deixei passar o prazo em mais de cinco dias. Azar. Peguei no papel e lá fui eu à Loja do Cidadão. Não conheço mais nenhum posto de pagamento de facturas em atraso, esses agentes que não se sabe bem onde estão, as pay shops, como agora se intitulam, fazendo o serviço que competia aos balcões das empresas. Servem para carregar o passe de autocarro, as portagens das auto-estradas que não deviam ter portagens, carregar o telemóvel e, pelos vistos, até servem café!
            Mas antes passei nos Correios (CTT) porque tinha que enviar uma carta e perguntei se ali podia pagar a factura em atraso.
            – “Às vezes dá, deixe-me ver a factura”, disse o funcionário, prestável. Mas já não dava, já tinha passado uma semana desde a data limite. Explicou-me o funcionário dos CTT que agora podia recorrer aos agentes autorizados, às papelarias, avisando-me logo que aquela do outro lado da rua – onde se pode carregar o passe, o telemóvel e pagar portagens – não permitia o pagamento.
            – “Na Loja do Cidadão, então?”, perguntei eu. – “Ou então na Loja do Cidadão”, respondeu o funcionário.
            E lá fui eu à Loja do Cidadão, dirigindo-me à paragem do autocarro. A viagem não foi longa. Lá chegado, depois de subir a escada rolante e sorrir para a câmara de vigilância apontada a todos os que ali passam, procurei no mapa da entrada o balcão da EDP, que ficava no outro extremo da Loja.
            Percorri os corredores reparando que nem estavam muito cheios. Praticamente só o balcão da Segurança Social é que tinha fila. Interessante: os balcões para pagamento estão praticamente vazios; os balcões para recebimento estão bem cheios.

            Será que isso reflecte Portugal como um país onde todos querem viver à conta do Estado, ou não há emprego para as dezenas de pessoas e famílias que desesperam por trabalho e rendimentos do trabalho? No início do século XXI, os políticos de direita afirmam taxativamente que ninguém quer trabalhar; muitas pessoas, pouco esclarecidas, dizem a mesma coisa. O que uns e outros se recusam a ouvir ou a reconhecer, é que os empregadores oferecem salários baixíssimos, para mais de 40 horas por semana (o que impede a procura de melhor emprego e é ilegal, sem pagamento de horas extraordinárias) e parte desses salários são pagos de forma não declarada às Finanças e Segurança Social, o que impede os trabalhadores de auferirem uma série de direitos. Outros empregadores oferecem salários baixíssimos a troco de recibo verde, o que significa que até 40 por cento do que se recebe tem que ir obrigatoriamente para a Segurança Social. Este panorama devia fazer reflectir muitas cabeças bem pensantes, até porque muitos desses empregos indiferenciados vão para jovens licenciados, altamente qualificados, que um mercado de trabalho como o nosso não consegue absorver. E depois, muitos desses jovens licenciados ou mestres sujeitam-se a trabalhar em condições miseráveis nessas empresas, com a esperança de conseguir melhorar a sua situação, o que nunca sucederá. Estamos numa época em que um licenciado, se tiver sorte, consegue trabalhar na caixa de um supermercado, auferindo o salário mínimo, trabalhando mais de 40 horas por semana.

             Mas vamos ao balcão da EDP.
        Lá o encontrei, só com duas pessoas à minha frente, ainda no corredor da Loja do Cidadão, junto a um pequeno balcão como agora se vêem nos bancos. Procurei a senha de atendimento, mas não encontrei. Perguntei à jovem, bonita, que estava de pé a dar indicações aos clientes.
            – “Não temos senha, sou eu que atendo”, respondeu. Estranhei. Esperei um pouco. Os funcionários, todos jovens e bonitos, estavam muito bem vestidos, com uns fatinhos cinza clarinho. Lá dentro, vários terminais vazios, talvez dez, e um grupo de quatro jovens raparigas amontoadas num único terminal conversando em voz baixa.
            Entretanto, é atendido uma pessoa à minha frente e comecei a ouvir a conversa, qualquer coisa do tipo: – “…Tem depois aqui a máquina, mas só funciona com dinheiro e só com quantia certa…”
            Tentava perceber o que se dizia, quando um jovem de cabelo claro, bem aparado, me chamou, sentado desde o seu terminal, quase de costas para o grupo de raparigas. Expliquei-lhe que deixei passar o prazo da factura da EDP e que queria liquidá-la. Respondeu-me:
            – “Aqui não fazemos pagamentos, mas tem lá fora na esquina o Café Pião que processa os nossos pagamentos. Aqui só fazemos contratos”. Fiquei incrédulo. Então tenho que ir ao café, um estabelecimento que vende café, para pagar uma factura da luz?
            – “Não vamos por aí”, dizia entre dentes o funcionário. Então como é que posso liquidar a factura sem ir ao café? O jovem, contrariado, lá explicou que tinha ali a máquina onde podia fazer o pagamento, mas só em dinheiro e quantia certa.
            – “Dinheiro certo?”, questionava, desanimado. E haveria outra forma?
         – “Posso fazer uma nova emissão da factura, se ainda não recebeu o aviso de falta de pagamento, com um novo código para pagar no multibanco”, explicou, quase sem se perceber.
            – “Então é isso que quero”, respondi. – “Pode sentar-se”, disse.
            Comentei com o jovem funcionário que não fazia sentido enviar-me para o café quando me desloquei expressamente ao balcão da EDP para efectuar um pagamento.
            – “Não vamos por aí. Pode escrever uma cartinha e dizer o que tem a dizer”, avançou, sem olhar para mim. Insisti que não fazia muito sentido, afinal eu sou o consumidor e o acesso aos serviços, mesmo liquidações fora de prazo, deve ser facultado e facilitado aos consumidores. Enquanto ele continuava a digitar o teclado, comentei sobre o grupo de funcionárias, desocupadas, que continuavam a conversar baixinho. Tentei perguntar se eram estagiárias.
            – “Não vamos por aí”, voltou o jovem funcionário, sem olhar para mim, impedindo-me de continuar, falando em simultâneo.
            Aquele “não vamos por aí” estava a irritar-me solenemente.
        – “São as ordens que temos, e nós só temos que cumprir as ordens, se quiser pode escrever uma cartinha a expor as suas razões. Só estou a tentar resolver o seu problema”, terminou, sem olhar para mim.
            Descansei um pouco. Afinal, o jovem de cabelo esbranquiçado, bem aparado, com o seu elegante fatinho cinzento, estava a prestar-me um favor: liquidar uma factura da EDP atrasada, sem ter que ir ao Café Pião. Tentei meter conversa:
            – “Não podemos aceitar tudo o que nos dizem. Percebo o ponto de vista da empresa, facilitar o vosso trabalho, melhorando a imagem da empresa, levando as filas dos pagamentos para fora da Loja do Cidadão. Mas…”. Voltou a interromper-me com aquele “não vamos por aí”.
            Desta vez impus-me:
           – “Percebo que esteja mal disposto, afinal andamos todos muito mal dispostos…” Voltou a interromper, sem olhar para mim.
         – “Está enganado, estou muito bem disposto, estou muito bem disposto. Estou só a tentar resolver o seu problema”.
            Calei-me. Entretanto, de uma porta ao fundo da loja, saiu outro funcionário, talvez o gerente, em mangas de camisa, dirigindo-se ao pequeno balcão que estava atrás de mim, socorrendo a jovem bonita que estava a deixar amontoar clientes no corredor da Loja do Cidadão. Ficaram os dois de pé a dizer que os pagamentos de facturas da EDP eram no Café Pião.
            Estava verdadeiramente irritado. A minha vontade era esmurrar o jovem à minha frente da próxima vez que ele dissesse “não vamos por aí”.
            Podia fazer outra coisa, queixar-me do atendimento, pedir o livro de reclamações. Mas isso não adiantaria nada: não tinha testemunhas, e estava contra o jovem elegante, a bela balconista, o gerente e as quatro estagiárias ou alternadeiras que se amontoavam no fundo da dependência. O livro de reclamações, um direito do consumidor, pouco serve para situações deste género, porque tem que se fazer prova do relato.
           Finalmente, o funcionário estendeu o braço sobre a impressora que estava ao seu lado. E assim ficou durante mais de 30 segundos. Era como se estivesse a dizer que estávamos perto do fim, já não tínhamos que continuar este frente a frente. E lá saiu o papel, quase em silêncio. Estendeu-mo, finalmente mirando-me nos olhos:
            – “Agora já pode fazer o pagamento no multibanco, já não precisa de ir ao café”.
           Olhei para ele e desisti.
            – “Então, agradeço e boa tarde”
            – “Boa tarde”, respondeu.
          Sai dali bem rápido. Desci as escadas rolantes, virei à esquerda, dei alguns passos, entrei no primeiro multibanco e fiz o pagamento.
Fotomontagem sobre publicidade da EDP, com o presidente da empresa; retirada de coagret.wordpress.com, Coordenadora de Afectad@s Pelas Grandes Barragens e Transvases – Secção Portuguesa
             Continuei irritado. Tudo bem, já passou. Então um puto, certamente licenciado por uma universidade portuguesa, que se vira para mim e que diz que não há nada a fazer, só temos que aceitar ordens e cumpri-las e é assim que deve ser, mesmo que o procedimento seja absurdo… É este o mundo que ele quer e é este o mundo em que ele vive. Para ele é indiferente viver em democracia, em liberdade, ou sob um regime fascista. Isso não tem importância, ele só tem é que ter um (baixo) salário e viver. É alguém que não pode esperar muito mais. Vive e viverá sempre num manto de mesquinhez, aspirando uma promoção que nunca chegará, procurando tecer intrigas com as colegas, de forma a nunca ser ultrapassado.
            Podia fazer considerações sobre a sua sexualidade, e como isso condicionaria a sua forma de pensar, pela leitura superficial que fiz do jovem funcionário, mas isso não interessa, porque ele não deixaria de ser o que é: um simples lacaio ao dispor das chefias, capatazes e da grande empresa, refém de um mercado de trabalho precário, servindo de mão-de-obra barata numa empresa que opera em regime de monopólio. Entristece ver que são estes os jovens individualistas que os portugueses conseguem formar. Nada de novo, neste mundo ocidental, neoliberalista; vamos assistindo à emergência do fascismo social, que lentamente ajudamos a construir, como alerta Boaventura Sousa Santos.

            A empresa, a EDP…
        A empresa continua a dar lucros astronómicos aos accionistas ou não funcionasse em regime de monopólio de Estado, por muito que tentem dizer que estamos num mercado aberto chamado Mibel. Pois, pois, eu gostava de ter outro fornecedor de electricidade, como é que isso é possível? Não é! Experimente mudar de fornecedora de electricidade e depois diga qualquer coisa. Mas veja bem, o empréstimo que a troika FMI/BCE/CE nos quer conceder, eufemisticamente apelidado pela comunicação social portuguesa de “ajuda externa”, impõe a alienação da golden share que o Estado ainda detém na EDP, abrindo o lote de accionistas ao mundo, aos especuladores mundiais que apenas têm no horizonte o lucro. E quando os novos accionistas aumentarem o preço da electricidade e começarem a despedir os seus funcionários para maximizar o lucro, o jovem elegante do “não vamos por aí”, vai mesmo, e até poderá ser dos primeiros a iniciar as pilhagens, quando não houver dinheiro para comer. Porque é essa a resposta que ele tem para tudo isto.

1 comentário:

Maria Bell disse...

Um caso sério de escravatura mental.
Bom saber que ha quem ainda resista a este estado de coisas.
Abraço solidário