domingo, 29 de maio de 2011

Gil Scott-Heron (1949-2011)

Gil Scott-Heron foi dos autores que mais me impressionou nos últimos 20 anos. Conheci-o em referências cruzadas no início da década de 1990, embora já conhecesse o poema black power “The Revolution Will Not Be Televised” (1970), que muito raramente passou em programas de autor nas rádios portuguesas (provavelmente em serviço público).


Scott-Heron, que gravou o primeiro disco em 1970, um disco de poemas ou spoken word, já depois de ter escrito alguns livros que alcançaram algum sucesso no meio underground nova-iorquino, é apontado, juntamente com outros artistas, como os The Last Poets, como o “pai” ou “inventor” do rap [actualização 02/Jun/2011: "godfather"]. Talvez algum exagero, impulsionado pelo seu timbre de voz grave, pela  declamação, mas a verdade é que o epíteto colou.


Conheci verdadeiramente a obra de Scott-Heron com o álbum “Spirits”, de 1994, um disco revelador, um reencontro com o que alguma vez pensou alcançar duas décadas antes, recentrando o seu trabalho e a sua vida. É um disco intimista, que não chamaria genial, mas que só poderia vir de um génio. Ele próprio elabora sobre a responsabilidade que o novo movimento rap e hip hop lhe atribuía, no tema “Message to the Messengers”.



Muito antes de “I’m New Here”, o seu último álbum de originais, lançado em 2010, que marcou o seu regresso dos infernos, também “Spirits” marcou, na época, um regresso das trevas: Scott-Heron não gravava desde 1984 e já estava diagnosticado como seropositivo. Este seu regresso foi mais ou menos desprezado, já que o artista contava com várias detenções por posse de droga, acabando mesmo por voltar à prisão, para um período mais longo, que terá passado em risco de vida, alegadamente por lhe recusarem a administração de anti-retrovirais.



A sua música em Portugal permanece mais ou menos desconhecida, como atestam as crónicas dos jornais de referência que acompanharam os seus concertos, em Lisboa e no Porto, a propósito do lançamento de “I’m New Here”. Aliás, basta ler os obituários de hoje, nos mesmos jornais de referência, para se perceber que os jornalistas pouco ou nada sabem sobre Scott-Heron.


Na minha interpretação, o grande drama de Scott-Heron, em permanente confronto com a sociedade norte-americana, foi o distanciamento entre a mensagem que cantava – a afirmação negra, os direitos civis, a crítica comportamental, social e política, o sentido da arte – e a sua própria vida, que se foi transformando numa espiral de drogas, prisões, vício, doença e perda de criatividade, sobretudo depois da separação do seu amigo e parceiro musical Brian Jackson, entre o início dos anos 1980 e 1994.


Entre os meus álbuns preferidos de Gil Scott-Heron, além dos dois já referidos e que são os dois últimos originais, estão “Small Talk at 125th and Lenox” (1970); “Pieces of a Man” (1971); “Free Will” (1972); “Winter in América” (1974).


Presto a minha homenagem a Scott-Heron e a tudo o que ele nos legou e que devemos saber aproveitar, desde a mensagem de esperança às contradições, desde a rebeldia à inspiração.


[O meu camarada PVO entrevistou Scott-Heron em 2010, por altura do concerto na Casa da Música, no Porto (que infelizmente não assisti). Ofereceu a entrevista aos tais jornais de referência, mas ninguém a quis. Mesmo assim pode ser lida no seu sítio on-line, AQUI. A fotografia utilizada neste postal, da autoria do PVO, veio do mesmo sítio, a quem agradeço a utilização.]

Actualização 02/Jun/2011:

recomendo vivamente a homenagem de Ish, no The Cahokian, uma brilhante introdução à poesia de Gil Scott-Heron, a quem agradeço o link:


E também a homenagem de Never Enough Rhodes, que funciona como um apontador na descoberta de Scott-Heron, com iguais agradecimentos:

http://neverenoughrhodes.blogspot.com/2011/05/peace-go-with-you-gil.html


Para os jornalistas recomendo um perfil de sete páginas da revista The New Yorker, publicada em Agosto de 2010, já depois de Gil Scott-Heron ter actuado em Portugal. Li recentemente no Público, através da correspondente do jornal, que a The New Yorker era a melhor revista do mundo... Um perfeito disparate, mas tudo bem, não vou discutir nem argumentar. Recomendo apenas o perfil de sete páginas sobre um autor que muito aprecio, apesar do que revela:

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