quarta-feira, 30 de dezembro de 2020
Obituário 2020 (parte II)
Deve dizer-se o seguinte: Sean Connery será lembrado por muitas razões, mas a menor delas será a de ter feito os filmes do James Bond.
Eddie Gale (1941-2020)
segunda-feira, 12 de outubro de 2020
A propósito de «Tenet» ou a insustentável leveza do cinema de Christopher Nolan
Neil (Pattinson) e o Protagonista (Washington) preparam o próximo golpe, WB
Christopher Nolan (1970) é o herdeiro inglês do cinema americano de Alfred Hitchcock: os seus filmes são empolgantes, fazem uso da mais avançada tecnologia da época (embora isso são seja inteiramente verdade para AH), piscam o olho ao espectador enquanto o lançam na busca do McGuffin, enganam-no em inúmeros twists e, sobretudo, têm muito pouco para contar. Tanto em Nolan, como em Hitchcock, o cinema é entretenimento puro e duro. E pouco mais.
Chegado recentemente às salas de cinema, em período de pandemia global, causa de inúmeros adiamentos em lançamentos, produções e rodagens, eis a ponta de lança de Hollywood, Tenet, de Christopher Nolan. Há muito pouco para dizer sobre o filme, mas vamos relacioná-lo com a obra completa do inglês.
O mestre do McGuffin, ATF/AFP - Getty Images via NYT |
O James Bond negro com a mulher do bandido, WB
O plot do filme é, em tudo, idêntico aos filmes de James Bond. Estamos, portanto, a ver um filme do agente secreto 007, mas sem o famoso agente secreto. O protagonista é um negro, bem vestido e de boas maneiras, o que causa ciúme entre os brancos ricos, que veem as suas mulheres em perigo. É uma subversão à temática de Ian Fleming. Há também um paralelo com Conan Doyle, já que o protagonista conta com um ajudante a toda a prova, uma espécie de Watson que apoia e salva o agente secreto. Também a mulher-atriz surge num papel que é um remake de uma série de televisão em que Debicki se tornou famosa na Grã-Bretanha, The Night Manager (O Porteiro da Noite, 2016), uma adaptação do romance homónimo de John Le Carré. Tudo piscadelas de olho.
https://en.wikipedia.org/w/index.php?curid=4762204
De resto é o normal dos blockbusters de Hollywood, um turbilhão de product placement, muitos Mercedes, BMW e Audi, muitas roupas de marca e relógios, etc.
Tenet não difere muito da magna primeira obra de Nolan, Memento (2000), um filme contado de trás para frente, sugerindo que podemos ver o filme do final para o princípio e obter uma história linear. Em Tenet este conceito é de novo explorado, mas de forma mais subtil, porque no mesmo plano os protagonistas seguem uma ação linear e cruzam-se com os seus duplos, que seguem uma ação paralela, inversa, que ocorre no passado e vai influir o presente e o futuro. Confuso novamente? Não interessa, não há tempo para pensar nisso; deixemo-nos levar pela ação…
Christopher Nolan em rodagem em Bombaim (Mumbai), WB
Além de Memento, Tenet é uma síntese das obras anteriores de Nolan, a saber, a trilogia Batman [Batman Begins (2005),The Dark Night (2008) e The Dark Night Rises (2012)] – os bons contra os maus, ação constante e delirante sempre com muito glamour, sequestro de grupos, assaltos, batalhas urbanas ou campais, antagonistas ignóbeis e as inevitáveis perseguições de carros – Inception (2010) – realidades paralelas construídas para deleite do espectador, com muita ação e violência pelo meio e a salvação do mundo; e Interstellar (2014) – distorção do espaço tempo… E a salvação do mundo.
A rever, numa qualquer tarde de um domingo chuvoso...
O que resta de Tenet?... Entretenimento puro, para ver num ecrã de TELEVISÃO, num domingo chuvoso, respaldado num sofá confortável, com umas pantufas quentes. Com o comando na mão para voltar atrás na ação e tentar desvendar alguma lógica naquilo que desfila perante os nossos sentidos. E pensar em rever Dunkirk (2018) e Insomnia (2002).
segunda-feira, 5 de outubro de 2020
A República portuguesa faz 110 anos! Viva a República!
Edvard Munch, 1893, O grito, National Gallery of Norway, via wikipedia
Uma vez convivi com um rapaz esquizofrénico, recém diagnosticado. Disse-me que gostava de viver em monarquia, mostrando um saudosismo do tempo dos reis, das rainhas e dos príncipes numa quase alucinação só comparável aos contos de fadas. Disse-lhe logo que isso não fazia qualquer sentido, que ele tinha uma ideia errada da monarquia, e que se vivêssemos em monarquia, tudo faria para que ela acabasse, seria até candidato a matar o rei. Olhou para mim com um medo terrível nos olhos, algo que nunca tinha presenciado. Mudei de assunto, depois despedimo-nos. Nunca mais o vi. Talvez o tenha visto, talvez dos tenhamos cumprimentado, mas nunca mais conversámos.
Chegada a Lisboa de Maria Ana de Áustria, em 1708, gravura alemã, via wikipedia
Seria incapaz de matar alguém. Mas não suportaria que vivêssemos em monarquia. Não há nada de especial nisso. Nunca vivi em monarquia, mas conheço um pouco da história de Portugal para não desejar viver em monarquia. Podia-se dizer que a monarquia se vai modernizando, que os seus agentes também, que hoje até seria uma boa solução para o país, mais económica. Mas isso não me serve. Sejamos todos egoístas: se fosse eu o rei ou o príncipe, não me importaria que vivêssemos em monarquia.
Busto da República, barro, não assinada, coleção particular
A República em Portugal e no resto do mundo tem uma coisa que a monarquia nunca terá: qualquer um, dentro das regras, pode ser o presidente. Eu posso ser o presidente, o meu filho(a), o meu neto(a) podem ser presidentes da República. Mas nunca seriamos reis ou rainhas. Esta realidade, por mais distante que nos pareça, está sempre muito mais próxima de nós do que alguma vez a minha família vier a ter linhagem real. Continuo a considerar actuais os princípios da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade, Fraternidade. Estes princípios nunca serão alcançados em monarquia.
José Relvas proclama a República, em 1910, perante um país indiferente e analfabeto. Joshua Benoliel, via wikipedia |
O ditador a discursar na Assembleia Nacional, sobre a adesão à NATO, em 1940. via DN |
Medalha comemorativa das 1.ª eleições presidenciais livres; por Baltazar, numerada, coleção particular |
sexta-feira, 25 de setembro de 2020
Obituário 2020 (parte I)
Há uma hipótese absurda (ou nem tanto), por andarmos a homenagear os mortos que de alguma forma contribuíram para a formação do Meios de Produção: a de chegar a um ponto em que eles morrem todos e depois já não haver ninguém para homenagear… Esta hipótese só não é assim tão absurda porque quem é vivo está sempre a aprender, a conhecer coisas novas e, por isso, haverá sempre modelos a destacar no futuro. Na minha terra dizia-se que só não aprende quem é “burro velho” (apesar do animal não ter culpa nenhuma).
Pois então voltamos a mais um conjunto de homenagens aos falecidos neste terrível ano de 2020, o ano da pandemia, o ano do vírus SARS-CoV-2, o ano do aumento da mortalidade mundial. É um exercício mais ou menos fútil, que gostamos de fazer porque, por causa disto ou daquilo, gostamos da vida dos mortos. Memória, homenagem, lembrança, influência, exemplo, esperança… Tudo isso e muito mais. Lembra-nos que somos mortais e que a vida é um acaso. Falar da morte é falar da vida.
John Baldessari 1933-2020
Conheci a obra de John Baldessari no final da década de 1990, no Porto, não me lembro bem onde, talvez na Galeria Pedro Oliveira... Ou em Serralves. Seja como for, vale bem a pena conhecer e viver as suas obras. Esta curta metragem, A brief history of John Baldessari, narrada por Tom Waits, é uma excelente introdução à personalidade e trabalho de Baldessari. Courtesy of John Baldessari Estate.
George Steiner 1929-2020
via Jornal Tornado, não assinada |
Kirk Douglas 1916-2020
foto de promoção (film still), cerca de 1955
McCoy Tyner 1938-2020
https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=503071
Max von Sydow 1929-2020
Em O sétimo Selo (1957), de Ingmar Bergman
Pedro Barroso 1950-2020
via facebook Pedro Barroso
Manu Dibango 1933-2020
Agence France Press/Getty Images via NYT
Mécia de Sena 1920-2020
Mécia por Fernando Lemos, Fundação Calouste Gulbenkian
Mécia representa o amor incondicional. Ou a prisão. A sua dedicação ao marido, Jorge de Sena, é incansável, por vezes a roçar o insuportável. Mas admirável. Não foi certamente por causa de Mécia que a obra de Sena não foi esquecida, mas o seu contributo é assinalável, embora possa vir a ser um obstáculo para biógrafos e historiadores da literatura, porque a organização (e publicação até à data) da obra de Jorge de Sena é um trabalho exclusivo de Mécia. A sua morte não passou despercebida em Portugal, nem no meio literário, mas o labor na proteção da imagem do marido foi certamente uma motivação forte para muitos se esquecerem dela.
Krzysztof Penderecky 1933-2020
https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=4350632
Bill Withers 1938-2020
Gilles Petard/Redferns/Getty Images
Noronha da Costa 1942-2020
Gilles Petard/Redferns/Getty Images
Objecto 67, via wikipedia
Objecto 67, via wikipedia
Lee Konitz 1927-2020
Konitz, entre Miles Davis e Gerry Mulligan, 1949; NYT: Popsie Randolph/Michael Ochs Archives, via Getty Images
Filipe Duarte 1973-2020
via Comunidade Cultura e Arte |
Tony Allen 1940-2020
Little Richard 1932-2020
Richard com os Beatles, via thebeatles.com
Michel Piccoli 1925-2020
Piccoli em La Belle Noiseuse (1991), de Jacques Rivette, com Emanuelle Béart
José Cutileiro 1934-2020
via Rádio Campanário, via Observador |
Habituei-me a seguir José Cutileiro no papel de analista de política internacional, sobretudo na rádio. Uma visão muito desempoeirada e até bem longe dos seguidistas e americanistas da nossa praça. Mais tarde, acabei por habituar-me a ler os obituários que escrevia há décadas no semanário Expresso, naquele estilo de colagem de orações e complementos quase até à exaustão. Um exercício às vezes difícil, quando se procura o sujeito-predicado-complemento originais. Ainda assim muito apreciável, não só pelos biografados, como pela visão arredada da normalidade noticiosa, do mainstream. Parece que também foi diplomata, mas sobre isso não se conhece nada de assinalável (mas posso estar enganado!).
Maria Velho da Costa 1938-2020
à direita, com Maria Teresa Horta e Isabel Barreno, foto de José Horta, via Ypslon, Público
Sempre gostei de Maria Velho da Costa, de quem tenho até vários livros. E sempre gostei muito desta foto (inédita, quando publicada no Público). A batalha destas mulheres pela liberdade de expressão, pela liberdade de ser mulher, foi impressionante e mostra bem o atraso do nosso país. Quando escreveram Novas Cartas Portuguesas (1972) – tenho um exemplar original, todo a desfazer-se, comprado pelo meu pai ainda antes da apreensão – sabiam bem o que estavam a fazer e o que iria originar na sociedade portuguesa. Nesta altura, a mulher era um objeto pertencente ao homem, pai, marido ou patrão; não votava, não tinha opinião, servia para estar em casa, cuidar dos filhos e acompanhar o sucesso do marido. Esta visão perpassou todo o regime ditatorial português, política oficial desde 1933. Foi neste ambiente que estas mulheres cresceram, foi este ambiente que estas mulheres desafiaram através da escrita. E conseguiram. A obra literária de Maria Velho da Costa, em parte aprofundando a temática de Novas Cartas Portuguesas, é meritória e merece ser lida.
Christo 1935-2020
https://christojeanneclaude.net/
Jimmy Cobb 1929-2020
via drummerworld.com, não assinada
Alfredo Tropa 1939-2020
via facebook Academia Portuguesa de Cinema |
Ennio Morricone 1928-2020
via Vulture.com
Luis Filipe Costa 1936-2020
via Jornal i, não assinada |
Alan Parker 1944-2020
Martyn Goodacre/Getty Images, via El Pais
Não sendo um grande realizador com uma obra notável na história do Cinema, lembro-me de quase todos os filmes que vi dele, com grande prazer. Infelizmente nunca vi nenhum filme de Alan Parker numa sala de cinema.
Joaquim Veríssimo Serrão 1925-2020
via a viagem dos argonautas, não assinada
Joaquim Veríssimo Serrão é um historiador fora do seu tempo e não é uma referência na historiografia nacional. Conforme diz Luís Reis Torgal, parafraseando Gasset, cada historiador é a sua circunstância e Serrão ficou agarrado à sua. Homem do regime ditatorial, amigo de Marcelo Caetano, nunca se libertou do facto de à data da revolução de 1974 ocupar o cargo de reitor da Universidade de Lisboa, já depois das convulsões de 1969 que culminaram com espancamentos, prisões de estudantes e posterior envio para a frente de guerra, nas colónias africanas. Serrão esteve em França, na década de 1950, como leitor de português no consulado de Toulose, mas, ao contrário de muitos historiadores, intelectuais e artistas que estiveram em França, como Victor de Sá, Joel Serrão (com quem colaborou no Dicionário da História de Portugal), Victorino Magalhães Godinho, não terá contactado com os historiadores da Nova História. E isso parece refletir-se na sua obra magna, uma História de Portugal em 19 volumes, inteiramente escrita por si. Com todo o mérito e demérito, esta obra é a sua visão do mundo, que é um mundo avesso à interdisciplinariedade.
Fernanda Lapa 1943-2020
via semanário Expresso, não assinada
Waldemar Bastos 1954-2020
foto de promoção de Waldemar Bastos, via FMM-Sines, 2007 |
E. M. de Melo e Castro 1932-2020
Origem das imagens dos poemas visuais: https://pt.wikipedia.org/w/index.php?curid=5148216; Best net leilões e http://mnunesponte.blogspot.com
Gary Peacock 1935-2020
Roberto Masoti, ECM Records
Vicente Jorge Silva 1945-2020
Pedro Nunes, semanário Expresso
Diana Rigg 1938-2020
Pedro Nunes, semanário Expresso
via DN, não assinada
Ruth Bader Ginsburg 1933
Ruven Afanador, via Elle Magazine
Juliette Gréco 1927-2020
JM Lubrano, via rfi.fr
É impressionante o número de pessoas neste mega-postal-obituário que conviveram de perto com Miles Davis: Gréco, McCoy Tyner, Jimmy Cobb, Lee Konitz, Gary Peacock... Foi uma geração que se perdeu... Como todas! Não falando sequer na ligação entre Gréco e Piccoli. É o nosso mundo, a nossa cultura e as nossas vidas que se degradam lentamente, perante o desfilar impiedoso do tempo. Falar da morte é falar da vida. Estamos todos bem: até sempre!
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