quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Obituário 2020 (parte II)

Sean Connery (1930-2020)

https://www.vanityfair.com/hollywood/2020/10/sean-connery-dies

Deve dizer-se o seguinte: Sean Connery será lembrado por muitas razões, mas a menor delas será a de ter feito os filmes do James Bond.

 

Cruzeiro Seixas (1920-2020)

Foto de Nelson Garrido/Jornal Público

 

Gonçalo Ribeiro Teles (1922-2020)

Desenho de GRT, via TimeOut
 

Diego Maradona (1960-2020)

A morte de Maradona fez-me recordar o período em que seguia mais ou menos de perto o futebol das ligas europeias e os mundiais. Aqui no Meios de Produção o futebol não é apreciado tanto como um desporto, mas como fenómeno de alienação de massas, que tem a particularidade de unir um povo em torno de uma equipa de jovens milionários com poucas habilitações, mas com enormes egos. O futebol revela-se como uma válvula de escape à contestação contra os políticos, carestia de vida e desigualdades, unindo adeptos, sobretudo em torno das seleções nacionais, em apoio a um objetivo comumente aceite, que é a vitória sobre o adversário (normalmente um adversário que representa um país mais rico) e a conquista de um troféu, que não tem outra importância que não seja um imaginado prestígio nacional e internacional. Por exemplo, na Europa, uma união de países ricos, a Seleção Portuguesa de Futebol, é uma equipa temida que figura entre as cinco primeiras nos rankings das melhores seleções… Mas Portugal é um país pobre, se comparado com a vizinha Espanha ou com os países que lideram a União Europeia, França e Alemanha. A vitória das equipas portuguesas e/ou da seleção sobre as suas congéneres europeias é sempre celebrada como uma vitória dos ricos contra os pobres, dos menos desenvolvidos contra os desenvolvidos. 

 

Quando Portugal concorreu à organização do Campeonato da Europa de Futebol, em 2004, a FIFA “impôs” (assim nos foi dito) a construção de dez novos estádios de futebol, desígnio que os portugueses acordaram sem discussão, desviando dinheiro do erário público, que devia ter sido aplicado em infraestruturas, construção de hospitais e escolas. A maior parte dos novos estádios foram usados uma vez e depois ficaram sem futebol, sem equipas e sem público. E os maiores estádios foram entregues aos melhores clubes a preço de saldo… O que ganhámos com isso? Anos depois vi os brasileiros fazerem exatamente a mesma coisa, desviar dinheiro público para a construção de estádios de futebol!

 

A morte de Maradona fez-me lembrar tudo isso, a desigualdade vista por um outro prisma, a incompetência, a ausência de debate, a incompreensão e a estupidez. E, no entanto… há coisas maravilhosas no futebol…

 

Nunca fui um adepto de Maradona. As primeiras coisas que vi dele foram simplesmente violência: o incrível jogo da final da Taça do Rei em Espanha, em 1984, em que o argentino pontapeou futebolistas e técnicos como nunca se vira na televisão em direto (nunca percebera bem aquela explosão de violência, até ver alguns documentários sobre a sua vida). Depois foi a “mão de Deus” num jogo do Mundial do México de 1986, contra a Inglaterra, e logo a seguir uma jogada individual em que deixa para trás seis adversários e marca golo. Depois, a vitória da Argentina contra a Itália, no Mundial de 1990, em Nápoles, a cidade onde jogava e era venerado, o que o levou à final. E nesse mesmo jogo da final, o céu e o inferno: primeiro, o hino argentino assobiado do princípio ao fim com Maradona a chamar alto e bom som, para que todos percebessem, “hijos de puta”; depois um jogo miserável para ambos os lados e um árbitro parcial a marcar um penalti inexistente contra a Argentina, resolvendo uma final que deveria ter ido a penaltis. Se não altura não gostava de Maradona, algumas das suas lágrimas também foram minhas.

 

E depois tudo o resto, o vício, as suspensões, o final de carreira, os desvarios, a obesidade, mais lágrimas, e os documentários… Maradona, um herói picaresco. Um talentoso que não passou o teste da fama; um imenso futebolista que veio da sarjeta e para ela voltou; ascensão e queda de um mito do futebol… E por aí fora.

Se gasto tantas palavras para falar de uma figura mais ou menos desprezível, mas também meritória, é porque Diego Armando Maradona é um exemplo daquilo que a humanidade produz constantemente: seres talentosos que são justamente venerados para logo a seguir serem esmagados.

 

Recomendo estes três documentários para se perceber melhor o mito (por ordem de importância decrescente). Lembro que todos eles foram realizados com Maradona vivo:

 

Maradona by Kusturica (2008), de Emir Kusturica – Às vezes parece uma competição de egos, ou uma luta entre a superioridade moral, cultural, intelectual. de um contra o outro. Mas também não é nada disso, é um belíssimo filme de um realizador de cinema que sabe o que é que está a fazer, ainda que também se esteja a autopromover. Vale bem a pena e gosto especialmente do momento com Manu Chao, excerto que mostro em cima.

Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=iHOc0Hs3dYg

 

Diego Maradona (2019), de Asif Kapadia – O filme mais importante para se compreender Maradona, focado nos seis anos que passou em Nápoles. Para compreensão do mito e como se autodestruiu. Até ao momento, o filme mais recente. Certamente muitos outros se seguirão. A voz de Maradona passa por todo o filme, mas o que vemos são apenas imagens de arquivo, a maior parte delas em vídeo VHS.

Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=Pmm7r4ynyIQ

 

Maradona, Un gamin en or (2007), de Jean-Christophe Rosé – Segue a vida do jogador de futebol, desde o Boca Juniores até ao Nápoles, passando pelo Barcelona e pela fratura do tornozelo (o que explica a violência da final da Taça do Rei). Algumas destas imagens são usadas também no filme de Kapadia. Produção do canal Arte.

Filme: https://www.arte.tv/fr/videos/034047-000-A/maradona-un-gamin-en-or/

 

Eduardo Lourenço (1923-2020)

http://www.eduardolourenco.com/index.html
 

Harold Budd (1936-2020)

Foto de Masao Nakagami, via wikipedia
 

John Le Carré (1931-2020)

Foto de David Montgomery/Getty/HarperCollins (1985), via Newsweek

Kim Ki-duk (1960-2020)

Fotograma de Spring, Summer, Fall and Winter... And Spring (2003)

Kim Ki-duk é um estupor! Mas será mesmo? Os seus filmes mostram cenas brutais de humilhação feminina e maus tratos a animais. Chegou a ser processado por várias mulheres que o acusaram de abusos sexuais. Mas os seus filmes também são de uma beleza rara, como Primavera, Verão, Outono, Inverno… E Primavera (2003), Breath (2007), ou mesmo The Bow (2005), onde o cenário é um barco a navegar. A realização de uma retrospetiva completa da sua obra que, decerto, alguém estará a pensar fazer, seria um festival de violência, humilhação, submissão, choque e provocação. Mas também de emancipação, crescimento e estética rara. Vi vários filmes dele, infelizmente nenhum em cinema. Penso que os únicos que estrearam em Portugal, fora dos festivais, foram aqueles três mencionados. Houve um outro realizador sul coreano de nome Kim Ki-duk, nascido em 1934, que realizou mais de 60 filmes (!). Mas dele ninguém se lembra.

 

Eddie Gale (1941-2020)

[Actualização 06/03/2021; via https://eddiegale.com/]

 

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