segunda-feira, 12 de outubro de 2020

A propósito de «Tenet» ou a insustentável leveza do cinema de Christopher Nolan

Neil (Pattinson) e o Protagonista (Washington) preparam o próximo golpe, WB
Christopher Nolan (1970) é o herdeiro inglês do cinema americano de Alfred Hitchcock: os seus filmes são empolgantes, fazem uso da mais avançada tecnologia da época (embora isso são seja inteiramente verdade para AH), piscam o olho ao espectador enquanto o lançam na busca do McGuffin, enganam-no em inúmeros twists e, sobretudo, têm muito pouco para contar. Tanto em Nolan, como em Hitchcock, o cinema é entretenimento puro e duro. E pouco mais.

Chegado recentemente às salas de cinema, em período de pandemia global, causa de inúmeros adiamentos em lançamentos, produções e rodagens, eis a ponta de lança de Hollywood, Tenet, de Christopher Nolan. Há muito pouco para dizer sobre o filme, mas vamos relacioná-lo com a obra completa do inglês.

O mestre do McGuffin, ATF/AFP - Getty Images via NYT
«Tenet» é uma palavra que não quer dizer nada, mas serve o propósito do filme; é uma capicua – pode ser lida de trás para frente e vice-versa, pode ser lida da mesma forma nos dois sentidos. É uma palavra sem significado, relacionada apenas com o McGuffin do filme, realidades paralelas; a nossa realidade, que decorre do presente para o futuro e a do filme, que decorre do presente para um passado alternativo e daí para um futuro alternativo. Confuso? Não interessa! Enquanto tenta compreender alguma lógica nesta premissa, vão desfilando pelo ecrã algumas explosões, muitas lutas e tiros, perseguições de carros e mais qualquer coisa de extraordinário que prende a sua atenção. Não vale a pena tentar compreender a lógica das realidades paralelas propostas, são apenas o motivo para toda a parafernália que pretende despertar os nossos sentidos. E Nolan simplifica. O protagonista (John David Washington) – e a palavra aqui não é gratuita – tem apenas uma missão que todos nós conseguimos compreender facilmente: pretende salvar o mundo! E para isso tem de eliminar o mau da fita (Kenneth Branagh), contando com a ajuda do parceiro (Robert Pattinson), devolvendo a serenidade e o filho à mulher do bandido (Elizabeth Debicki).

O James Bond negro com a mulher do bandido, WB
O plot do filme é, em tudo, idêntico aos filmes de James Bond. Estamos, portanto, a ver um filme do agente secreto 007, mas sem o famoso agente secreto. O protagonista é um negro, bem vestido e de boas maneiras, o que causa ciúme entre os brancos ricos, que veem as suas mulheres em perigo. É uma subversão à temática de Ian Fleming. Há também um paralelo com Conan Doyle, já que o protagonista conta com um ajudante a toda a prova, uma espécie de Watson que apoia e salva o agente secreto. Também a mulher-atriz surge num papel que é um remake de uma série de televisão em que Debicki se tornou famosa na Grã-Bretanha, The Night Manager (O Porteiro da Noite, 2016), uma adaptação do romance homónimo de John Le Carré. Tudo piscadelas de olho. 

https://en.wikipedia.org/w/index.php?curid=4762204

De resto é o normal dos blockbusters de Hollywood, um turbilhão de product placement, muitos Mercedes, BMW e Audi, muitas roupas de marca e relógios, etc. 


Tenet não difere muito da magna primeira obra de Nolan, Memento (2000), um filme contado de trás para frente, sugerindo que podemos ver o filme do final para o princípio e obter uma história linear. Em Tenet este conceito é de novo explorado, mas de forma mais subtil, porque no mesmo plano os protagonistas seguem uma ação linear e cruzam-se com os seus duplos, que seguem uma ação paralela, inversa, que ocorre no passado e vai influir o presente e o futuro. Confuso novamente? Não interessa, não há tempo para pensar nisso; deixemo-nos levar pela ação…

Christopher Nolan em rodagem em Bombaim (Mumbai), WB
Além de Memento, Tenet é uma síntese das obras anteriores de Nolan, a saber, a trilogia Batman [Batman Begins (2005),The Dark Night (2008) e The Dark Night Rises (2012)] – os bons contra os maus, ação constante e delirante sempre com muito glamour, sequestro de grupos, assaltos, batalhas urbanas ou campais, antagonistas ignóbeis e as inevitáveis perseguições de carros – Inception (2010) – realidades paralelas construídas para deleite do espectador, com muita ação e violência pelo meio e a salvação do mundo; e Interstellar (2014) – distorção do espaço tempo… E a salvação do mundo.

A rever, numa qualquer tarde de um domingo chuvoso...
O que resta de Tenet?... Entretenimento puro, para ver num ecrã de TELEVISÃO, num domingo chuvoso, respaldado num sofá confortável, com umas pantufas quentes. Com o comando na mão para voltar atrás na ação e tentar desvendar alguma lógica naquilo que desfila perante os nossos sentidos. E pensar em rever Dunkirk (2018) e Insomnia (2002).

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