sexta-feira, 31 de maio de 2024

50 anos/50 livros – 25 de Abril1974/2024 - Ary dos Santos - Poesia (xvi)

José Carlos Ary dos Santos - Poesia

 

 

SANTOS, Ary – Vinte Anos de Poesia. Lisboa: Círculo de Leitores, julho de 1984. 3.ª edição, 3000 exemplares.

 

José Carlos Ary dos Santos (1937-1984) foi um poeta tornado conhecido por ter escritos os versos de quatro canções que venceram o Festival da Canção, o grande espetáculo televisivo e familiar em Portugal, desde a primeira edição, em 1964. Escreveu centenas de canções para dezenas de cantores, entre eles Amália Rodrigues e Carlos do Carmo. Declamador de grande nível, gravou vários discos. Antes de tudo, Ary dos Santos era um poeta. Este Vinte Anos de Poesia é uma compilação que suponho que tenha sido realizada pelo próprio, pouco antes de morrer, de cirrose hepática, em janeiro de 1984. Reúne excertos de alguns dos seus livros, o primeiro A Liturgia do Sangue (1963); Tempo da Lenda das Amendoeiras (1964, completo); Adereços, Endereços (1965); Insofrimento in Sofrimento (1969); Fotosgrafias (1970); Resumo (1972); O Sangue das Palavras (1979). Militante comunista e homossexual assumido deixou os seus bens ao Partido Comunista Português.

 

Queixas e imprecações de um condenado à morte

 

Por existir me cegam,
Me estrangulam,
Me julgam,
Me condenam,
Me esfacelam.
Por me sonhar em vez de ser me insultam,
Por não dormir me culpam
E me dão o silêncio por carrasco
E a solidão por cela.
Por lhes falar, proíbem-me as palavras,
Por lhes doer, censuram-me o desejo
E marcam-me o destino a vergastadas
Pois não ousam morder o meu corpo de beijos.

Passo a passo os encontro no caminho
Que os deuses e o sangue me traçaram.
E, negando-me, bebem do meu vinho
E roubam um lugar na minha cama
E comem deste pão que as minhas mãos infames amassaram.
Com angústia e com lama.

Passo a passo os encontro no caminho.
Mas eu sigo sozinho!
Dono dos ventos que me arremessaram,
Senhor dos tempos que me destruíram,
Herói dos homens que me derrubaram,
Macho das coisas que me possuíram.

Andando entre eles invento as passadas
Que hão-de em triunfo conduzir-me à morte
E as horas que sei que me estão contadas,
Deslumbram-me e correm, sem que isso me importe.

Sou eu que passeio as correntes e as asas
Por sobre as cidades que vou destruindo,
Sou eu o incêndio que lhes devora as casas,
O ladrão que entra quando estão dormindo.

Sou eu quem de noite lhes perturba o sono,
Lhes frustra o amor, lhes aperta a garganta.
Sou eu que os enforco numa corda de sonho
Que apodrece e cai mal o sol se levanta.

Sou eu quem de dia lhes cicia o tédio,
O tédio que pensam, que bebem e comem,
O tédio de serem sem nenhum remédio
A perfeita imagem do que for um homem.

Sou eu que partindo aos poucos lhes deixo
Uma herança de pragas e animais nocivos.
Sou eu que morrendo lhes segredo o horror
de serem inúteis e ficarem vivos.

 

Sou eu que me chamo nas vozes que oiço,
Sou eu quem se ri nos dentes que ranjo,
Sou eu quem me corto a mim mesmo o pescoço,
Sou eu que sou doido, sou eu que sou anjo.


sexta-feira, 17 de maio de 2024

50 anos/50 livros – 25 de Abril 1974/2024 - Alexandre O'Neill - Poesia (xv)

 Alexandre O'Neill - Poesia


Alexandre O'Neill (1924-1986) foi um poeta português surrealista e concretista, com edição desde 1948. Está na fundação do Grupo Surrealista de Lisboa, nesse mesmo ano. De origem "burguesa", O'Neill trabalhou como escriturário na administração corporativa do Estado, mas tornou-se publicista em 1959. Escreveu habitualmente em jornais e revistas de Lisboa até à década de 1980. Individualista e boémio, não pertenceu a partidos ou movimentos políticos, embora fosse "oposicionista". Foi várias vezes incomodado pela PIDE, que o impediu de sair do país, na década de 1950.



O'NEILL, Alexandre – Tomai lá do O'Neill! Uma antologia. Lisboa: Círculo de Leitores, dezembro de 1986. Seleção de poemas e prefácio de Antonio Tabucchi. Fotografia intexto e da sobrecapa de Alexandre Delgado O'Neill. Sobrecapa e arranjo gráfico de Luiz Duran. 


A edição de Tomai lá do O'Neill! foi um acontecimento literário nacional e um sucesso de vendas da editora Círculo de Leitores. A editora, apenas aberta aos sócios, decidira publicar uma antologia de escritos de Alexandre O'Neill, prontamente aceite pelo poeta que, no entanto, deixou a escolha dos poemas entregue ao amigo escritor e seu tradutor, Antonio Tabucchi (1943-2012). A obra contém poemas de O'Neill entre 1951 e 1986, apresentados de forma cronológica, dos mais recentes para os mais antigos. É uma edição luxuosa, numerada, de capa dura, com sobrecapa, papel couchê e fotografias do seu filho Alexandre Delgado O'Neill. O sucesso editorial surgiu como uma homenagem ao poeta que tinha falecido pouco antes da edição do livro. 

 

LEGO

 
Está tudo conformado
ao triste proprietário.
Mecânicas ovelhas,
na erva de plástico,
têm pastor de pilhas
e cão pré-fabricado.
Flores marginam esse
às peças-soltas prado.
Eléctricas abelhas,
obreiras sem contrato,
daquele herbário extraem
um mel supermercado.
A malhada, no estábulo,
quase manga de alpaca
(é A VACA, sabias?),
dá leite engarrafado.
No céu (para colorir)
a nuvem, pontual,
aguarda a vez de ser
chovida no nabal,
enquanto o Sol dardeja
na eira proverbial.
Já tudo afeiçoado
ao bom do proprietário
(ervas, bichos, moral),
ele conta com os seus
e espera sempre em Deus.

(«- Deste corda ao pardal?»).
 

10-iv-74


(p. 67)

domingo, 12 de maio de 2024

50 anos/50 livros – 25 de Abril 1974/2024 - Energia Nuclear (xiv)

 Energia Nuclear


A chegada da Democracia, com a Revolução de Abril, trouxe um mundo de esperança em todos os sectores. Os poucos físicos e engenheiros nucleares em Portugal acharam que Portugal podia tornar-se independente e mais democrático através da instalação de centrais de energia nuclear, como aconteceu com a vizinha Espanha. Na verdade, uma miragem que tinha nascido ainda nos anos 1960 alegadamente porque tínhamos muito urânio no subsolo. A fileira do nuclear implica um enorme investimento público, não só em infraestruturas e tecnologia, como em capital humano. Se fosse essa a opção do Estado português durante o Estado Novo ou dos novos governos democráticos, arriscávamos a ter um país ainda mais desigual, porque as décadas de fascismo tinham tornado Portugal num Estado atrasado e profundamente carenciado de serviços públicos e infraestruturas básicas, como o abastecimento de energia, água e saneamento, habitação, sistema de saúde e educação. Estava tudo por fazer! Se optássemos pela energia nuclear, podíamos passar a ter centrais nucleares ao lados de bairros de lata! Por outro lado, a energia nuclear é uma energia cara e altamente perigosa, poluente, que necessita de investimento permanente. A sua perigosidade tem-se tornado evidente com os desastres dos últimos anos. Se houvesse uma catástrofe em Portugal, o país, que é pequeno, podia ficar irremediavelmente comprometido e com ele a nossa existência enquanto povo. Aliás, esse risco é iminente, pois se houver uma catástrofe em Espanha, para onde é que acham que vai a radiação?


ANÓNIMO – O suicídio nuclear português. Lisboa: Socicultur, Divulgação Cultural, outubro de 1977. Capa: Abel Agostinho.


O suicídio nuclear português é um livro panfletário contra a instalação do nuclear em Portugal, que já dava como certa na zona de Peniche, na Praia d'El Rei, em Ferrel. Faz parte de um conjunto de ações e iniciativas contra a central nuclear, que "começou" no dia 15 de março de 1976, quando a população de Ferrel marchou sobre o local das prospeções, no lugar do Moinho Velho. A contestação espalhou-se pelo país e só terminou em 1982, quando o projeto do nuclear foi abandonado. O livro reúne testemunhos contra o nuclear, apresenta uma lista de acidentes ocorridos em centrais, entre 1945 e 1975, e faz um resumo, através de notícias de imprensa, de todo o processo do nuclear até à grande manifestação de Ferrel. Nota-se que o livro é uma obra coletiva da Socicultur, por isso anónima, ninguém assume a autoria, mas aparece na página de rosto com os seguintes nomes: Afonso Cautela, Costeau, Nigel Hawkes, Michel Bousquet, Pierre Clermont, Charles Noël Martin. Na verdade, alguém retirou a opinião de alguns destes nomes sobre o nuclear e meteu-os no livro. A melhor parte da obra, apesar do tom panfletário, é a reconstituição do plano do nuclear, através de notícias da imprensa e de artigos de opinião, desde, pelo menos, 1966.




MOURA, Domingos; CARVALHO, Frederico; ROSA, Rui Namorado; FORTE, Alfeu Fernandes; CARAÇA, João Manuel Gaspar; REDOL, António Mota; BARRETO, João; MARTINS, João F.; RODRIGUES, M. – O que é a energia nuclear, oportunidade em Portugal. Lisboa: Moraes Editores, novembro 1978. Colecção Temas e Problemas, Série: Documentos.


Esta é uma obra de divulgação, escrita por especialistas, conhecedores de todo o processo do nuclear que até à data era desenvolvido por alguns países considerados avançados. Supostamente, o interesse do nuclear em Portugal surgiu por causa das nossas reservas de urânio, tal como  hoje sucede com o lítio, em Montalegre. Explicam os autores, nas conclusões, que o urânio existente não é suficiente para fazer funcionar uma ou duas centrais nucleares e que tornar-nos-íamos importadores de urânio, além de continuarmos a ser importadores das outras fontes de energia que continuarão a ser consumidas. Por outro lado, uma central como a que se pretendia construir, iria estar muito tempo parada, com custo elevados. Mais ainda: ficaríamos dependentes das empresas internacionais fornecedoras de materiais de manutenção, matérias-primas e também de mão de obra especializada. Os autores criticam a simplificação de argumentos daqueles que estão contra, por causa da poluição e da segurança, como os que estão a favor.

quarta-feira, 1 de maio de 2024

50 anos/50 livros – 25 de Abril 1974/2024 - Sindicatos (xiii)

 Sindicatos (em mil palavras)

 

Os sindicatos e as associações de classe são uma das consequências da Revolução Industrial e têm um papel muito importante na regulação e regulamentação dos direitos dos trabalhadores, como contraponto ao poder do patronato e também do Estado que, historicamente, defende primeiramente as empresas e o lucro delas.

 

Nas sociedades avançadas, no norte da Europa, como os neoliberais gostam de evidenciar, os sindicatos têm um papel fundamental na regulação das relações entre o trabalhador e a empresa e entre o trabalhador, a empresa e a sociedade. Os sindicatos têm uma função primordial, na defesa do trabalho com direitos e salários mínimos, e são aceites com toda a naturalidade, como uma das organizações da sociedade que contribuem para a melhoria das condições de vida dos seus sócios e da sociedade no seu conjunto. Em algumas profissões a sindicalização é obrigatória, como acontece nos Estados Unidos, por exemplo.

 

Em Portugal, a situação é bastante diferente e está relacionada com a nossa História, a chegada tardia da Democracia, e a forma como os trabalhadores foram sempre subalternizados perante as empresas, com a ajuda do Estado. De forma muito incipiente, os sindicatos e as associações de classe formaram-se no nosso país, em meados do século XIX, acompanhando as correntes ideológicas que se alastravam por toda a Europa industrializada, como forma de combater o liberalismo e o capitalismo. Os abusos das empresas e do capital tornava impossível as condições de vida do operariado e de outras profissões, nas cidades e no campo.

 

Ganhavam forças as correntes ideológicas socialistas, republicanas, anarquistas e revolucionárias. Em Portugal, o anarco-sindicalismo, moderado, primeiro, revolucionário, depois, era a corrente sindical mais comum, no final da Monarquia e durante os 16 anos da República. Os republicanos combateram duramente os sindicalistas e o movimento operário.

 

A partir de 1912, sempre que havia uma greve, o governo enviava a Guarda Nacional Republicana, às vezes o Exército, para obrigar os grevistas a trabalhar e proteger a fábrica. E, frequentemente, dispersava as concentrações à bastonada e a tiro, prendendo e chegando a matar alguns grevistas. Por isso, quando chegou o Estado Novo, a partir de 1928, o movimento sindical estava enfraquecido. Os trabalhadores sindicalizados eram despedidos e acabavam por emigrar, além de que no final da Grande Guerra de 1914-18, o desemprego e o nível de vida subiram consideravelmente.

 

O Estado Novo tornou a sindicalização obrigatória em 1939, mas nem todos se tornavam sócios dos sindicatos. É que os sindicatos fascistas, designados “sindicatos nacionais”, não tinham poder reivindicativo, as direções destas entidades eram eleitas entre candidatos considerados “idóneos”, e depois ainda tinham de ser homologadas pelo governo. Os sindicatos do Estado Novo tinham-se tornado em sindicatos do regime, corporativos, “falsos sindicatos”, porque o governo negociava as condições laborais com as empresas e depois chamava as direções sindicais para assinar os acordos coletivos.

via https://www.cgtp.pt/

A partir da década de 1960, que também coincide com o início da Guerra Colonial/Libertação, as direções sindicais começaram a ser infiltradas por membros da oposição, muitos deles comunistas. Quando chegou o 25 de Abril de 1974, o movimento sindical aliou-se ao Partido Comunista Português fazendo parte de uma frente revolucionária que esperava uma enorme movimentação popular de forma a instaurar uma sociedade socialista e, por fim, uma “ditadura do proletariado”. No entanto, nas primeiras eleições livres, em 1975, eleições para a Assembleia Constituinte, que tinha a função de escrever a Constituição Democrática, o PCP não foi além de 12,4% dos votos e gorou-se a possibilidade de instaurar um regime socialista em Portugal.
UGT via https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=58426473

Logo a seguir, no mesmo ano, o movimento sindical procurou a unicidade sindical, quer dizer, uma única central sindical que agregasse todos os sindicatos na Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses - Intersindical Nacional. Mas o Partido Socialista não deixou e apoiou outra central sindical, a União Geral dos Trabalhadores, dividindo a influência dos sindicatos. Ficámos, pois, com duas centrais sindicais, ambas com assento na Concertação Social, que é o órgão onde se reúnem os patrões, os sindicatos e o governo, para discutirem periodicamente as questões laborais, como a Lei do Trabalho, os acordos coletivos de trabalho (que abrangem todos os trabalhadores de determinado sector, mesmo que não sejam sindicalizados), os aumentos salariais, a melhoria das condições de trabalho, etc.
Movimento dos Coletes Amarelos em Verneuil Grand, França, por Carmelo DG via https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=75945855

Nos últimos anos têm surgido sindicatos que não estão inscritos por nenhuma das centrais sindicais, imitando um movimento internacional e europeu, realizando ações de protesto, muitas vezes anárquicas ou impossíveis de atender, paralisando setores económicos, como já aconteceu em Portugal, na Educação, com as greves dos professores, ou nos transportes, com os condutores de matérias perigosas, ou com os portos, como as greves dos estivadores, entre outros setores e profissões.

 

O que se espera alcançar nos estados democráticos, que são estados liberais e capitalistas, é uma justa e melhor repartição da riqueza, de forma a diminuir as desigualdades e melhorar a vida dos seus cidadãos que são, ou foram, trabalhadores, portanto, contribuíram para a subsistência das empresas e da Segurança Social, e contribuem para relações económicas saudáveis e estáveis.

 

Mas percebe-se bem, e cada vez mais, a influência das ideologias neoliberais e populistas nas nossas sociedades democráticas, quando começam a impor uma novilíngua, um novo vocabulário quando se querem referir ao Trabalho e aos trabalhadores. Chamar colaborador a um trabalhador é, em si, uma declaração de intenções: o colaborador colabora para o lucro do patrão, enquanto o trabalhador trabalha para obter o seu ordenado e com isso manter a empresa lucrativa de forma a manter o seu posto de trabalho. Por isso existe uma lei do trabalho e não uma lei da colaboração. A luta sindical será permanente enquanto as nossas sociedades democráticas estiverem organizadas em função da subsistência das famílias através do Trabalho.

 

PEDRO, Edmundo – 45 anos de luta pela democracia sindical. 18 de janeiro de 1934-18 de janeiro de 1979. Reflexões de um militante. Lisboa: Fundação José Fontana, janeiro de 1979. 1.ª edição 9000 exemplares. "Desta obra foi feita uma tiragem especial de 1000 exemplares autografados pelo autor."


Edmundo Pedro (1918-2018) foi um revolucionário comunista que, desde muito cedo, aos 15 anos, combateu a ditadura fascista e participou em inúmeras ações contra o regime. Esteve preso várias vezes, chegando a ser enviado para o Tarrafal. Nessa altura, a sua militância no PCP foi suspensa por dois anos, por "indisciplina", por ter tentado fugir sem autorização do partido. Conviveu de perto com José de Sousa, Francisco Paula de Oliveira/Pavel e Bento Gonçalves. Defende, neste livro, a unidade sindical, quer dizer, a liberdade de os sócios dos sindicatos escolherem a sua própria tendência sindical, ao contrário do que defendia o PCP e a CGTP, que advogavam a unicidade, ou seja, uma única central sindical que agregasse todos os sindicatos portugueses. "(...) Não é difícil reconhecer que o fator decisivo de influência da CGTP/IN no seio dos trabalhadores (...) reside, essencialmente, na sua poderosa estrutura, que dá a muitos trabalhadores uma ideia, talvez enganadora, da sua força. De facto, o que interessa aos trabalhadores, na sua esmagadora maioria, não são as ideias políticas, muitas vezes ignoradas, dos dirigentes sindicais. Os trabalhadores não vão para os sindicatos por razões políticas. Não se inscrevem para apoiar projetos políticos, sejam eles quais forem. Acorrem aos sindicatos sempre que percebem que estes os defendem, que são uma garantia para a imposição dos seus direitos. Afastam-se, pelo contrário, quando se dão conta que a ação não visa essa finalidade." (p. 139)

 



VILANOVA, João – 1977/78 – Sindicalismo em Portugal. Perspectivas futuras/Pacto social. Lisboa: Assírio e Alvim, 1977. Coleção Forças do Tempo, n.º 4.


Este é um livro muito interessante por diversas razões. Começa logo pela editora, que nos habituámos como uma referência na edição literária, mas aqui, em 77, a editar um livro sobre sindicalismo e muito próximo da CGTP. Todavia, embora pareça um simples "panfleto" da central sindical, é muito mais do que isso porque dá espaço a todas as tendências sindicais daquele tempo, incluindo os "sindicatos de direita", como refere, que são os sindicatos bancários, afetos ao PPD. O livro inclui entrevistas com Joaquim Venâncio, Álvaro Rana, Kalidás Barreto, Arlindo Ribeiro e Emídio Santana. Faz também, em traços gerais, uma curta história da transição dos sindicatos corporativos para o sindicalismo democrático. Mesmo defendendo os interesses da CGTP-IN e certamente patrocinado pela central sindical, apresenta uma variedade de tendências que o torna num estudo importante.

 



DUARTE, José teófilo (desenhos); CASTRIM, Mário (texto) – História da Intersindical, Vol. I. Lisboa: Edições Alavanca, setembro de 1978. 5000 exemplares. 2.ª edição. Coleção Edições Alavanca n.º 9.


Uma singela edição de 12 páginas ilustradas para contar uma versão da história do sindicalismo português, com a chancela da CGTP-IN. Assinam José Teófilo Duarte e Mário Castrim. Uma curiosidade.

 



CARVALHO, Camilo; ANTUNES, J. Cavalheira; FERREIRA, Serafim (coords.) – Sabotagem económica. «Dossier» Banco Espírito Santo. Trabalho coletivo das comissões de delegados sindicais do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa. Lisboa: Diabril Editora, abril de 1975. 1.ª edição. Coleção Universidade do Povo, política 3. Capa de Dorindo Carvalho. Dedicatória: "A todos os trabalhadores portugueses como mais uma alavanca para o processo revolucionário iniciado com o 25 de Abril de 1974 pelo glorioso movimento das Forças Armadas." Ilustrado.


Livro panfletário e anticapitalista. Faz a denúncia das movimentações financeiras dos próprios administradores do banco, com dados supostamente confidenciais. A tese é que o Banco de Portugal injetou milhões de contos na banca privada, que foram levantados e distribuídos pelos administradores, suas famílias e empresas e retirados do mercado nacional e, em parte, para financiar o golpe reacionário de 11 de março de 1975. É uma publicação típica do PREC (Processo Revolucionário Em Curso). Tem dados relevantes (mas, por verificar) e um capítulo onde os três coordenadores estabelecem um diálogo sobre a situação da banca privada e o seu futuro. A Editora Diabril foi constituída no início de 1975 por Orlando Neves e Serafim Ferreira na forma de sociedade anónima, mas em completo "espírito cooperativo", explicou o  também coordenador deste livro no programa literário da RTP, Com todas as letras, apresentado por Eduardo Prado Coelho.



CUF, Comissão Coordenadora Intercomissões de Trabalhadores do Grupo – O capital monopolista conspira assim!. Lisboa: Seara Nova, novembro 1977. 2.ª edição. capa de Henrique Ruivo.

 

Este livro é um objeto estranho. Trata-se, dizem os autores, da publicação de provas de uma conspiração do grande capital monopolista que pretendia o regresso ao 24 de abril. As "provas" foram encontradas em gabinetes e em arquivos pertencentes aos capitalistas Mello, quando os trabalhadores ocuparam as instalações da E.G.F. – Empresa Geral de Fomento, no edifício sede da CUF (Companhia União Fabril), em 19 de abril de 1975. Na verdade, é muito mais do que isso. Trata-se de planos de preparação de um campanha de marketing político para reagir à vaga de nacionalizações e ocupações de empresas, de forma a garantir o funcionamento da economia e a manutenção das suas empresas, presume-se, num sistema político democrático. É natural que estes empresários, que beneficiavam de um regime monopolista, não quisessem perder tudo, e preparavam uma campanha de negociações com a Junta de Salvação Nacional, com partidos políticos, com comissões de trabalhadores, através de uma associação privada sem fins lucrativos chamada MDE/S - Movimento Dinamizador Empresa /Sociedade. Inclusivamente, diziam que iam lançar medidas de construção de habitação social algo inovadoras, que querem dizer duas coisas: a) existia efetivamente um problema habitacional no Portugal do Estado Novo; b) os detentores do capital monopolista podiam ter contribuído para resolver o problema habitacional, quando beneficiavam desses monopólios, mas nada fizeram e só agora, em pleno PREC, é que se lembraram que deviam atuar. Os documentos revelados são até algo enternecedores: chegam a apresentar uma sondagem sobre as eleições eleitorais para a Assembleia Constituinte, em abril de 1975, em que os resultados estão muito próximos do que de facto aconteceu.

 



 AAVV – O caso dos 17 da Têxtil Manuel Gonçalves. Um documento para a história da luta dos trabalhadores. Porto: edição de autor, junho de 1976. "Trabalho coletivo dos trabalhadores ameaçados de despedimento pela Administração da Têxtil Manuel Gonçalves, S.A.R.L." Dedicatória: "Dedicamos este livro a todos os Trabalhadores Revolucionários que lutam contra a recuperação capitalista".


Trata-se de mais uma obra escrita por trabalhadores anticapitalistas que procuravam combater "os processos que, a partir do Verão de 1975, o grande Capital utilizou para fazer uma recuperação das posições que havia progressivamente perdido após o 25 de Abril de 1974". Durante o Estado Novo, a empresa tinha cerca de 3170 trabalhadores e um volume de negócios de 1 milhão de contos/ano, 70% destinado a exportação. Tinha três unidades fabris na zona de Famalicão e estava entre as dez maiores exportadoras nacionais. Não tinha cantina, refeitórios ou creches. Oferecia más condições de trabalho aos operários, a maioria mulheres. No entanto, tinha um prédio mobilado na Póvoa do Varzim para os quadros superiores passarem férias; tinha uma coutada de caça no Alentejo com 2350 hectares. Os administradores tinham carros luxuosos, um avião e barcos de recreio. Em resumo: era um grupo económico muito rentável, que baseava a sua produção em baixos salários. E então chegou o 25 de Abril de 1974!

 

TEODORO, António – Sobre as qualificações escolares e profissionais dos trabalhadores portugueses. Lisboa: Seara Nova, maio de 1977. 4200 exemplares. Coleção Cadernos Seara Nova.

 

Durante muitos anos António Teodoro foi o rosto dos sindicatos de professores, enquanto secretário-geral da Fenprof – Federação Nacional dos Professores (1983-1994). Em 1977, publicou este pequeno ensaio exploratório onde procurava conhecer as habilitações dos trabalhadores portugueses. O que se sabe desses tempos é que a herança deixada pelo Estado Novo era muito pesada: 1/4 da população analfabeta em 1970, a mais elevada taxa de analfabetismo da Europa. O estudo, aliás, faz uma panorâmica da "política educativa do fascismo" e centra-se bastante na alfabetização da população. Mas as conclusões, não estando comprometidas, são de outro tempo: "Para salvaguardar a independência – dizia o presidente Ho Chi Minh – e fazer do nosso país uma nação forte e próspera, cada vietnamita deve conhecer os seus direitos e deveres, estar apto a participar na edificação do país e, em primeiro lugar, saber ler e escrever na sua língua nacional" (p. 44).