quinta-feira, 28 de julho de 2011

O pensamento único na Economia

No auge da crise actual (no auge? Já saímos dela? Leia-se “empréstimo do Estado português a mando do FMI/UE/BCE a juros usurários, vulgarmente apelidado de ajuda externa”) os comentadores de serviço e os políticos dos partidos que têm governado Portugal desde a instauração da Democracia insistiam – como continuam a insistir – que vivemos acima das nossas possibilidades, que temos que baixar os custos do trabalho, que temos que privatizar tudo o que se mexa (e dê lucro!), que NÃO HÁ ALTERNATIVA!





Os comentadores de serviço (onde se incluem os blogueiros da treta, os blogueiros partidários do neoliberalismo) e os políticos dos partidos que têm governado Portugal desde 1974 insistem que não há alternativa, defendem toda a cartilha do capitalismo selvagem e que essa receita é a única que vai salvar o país.

Insistem em estafados argumentos e teorias económicas desajustadas e desactualizadas, longe da realidade social e sociológica; insistem num cânone que partilham convictamente como um dogma (ou uma fé) que vai salvar o país de todos os seus males.

Não sei se essa gente acredita realmente nisso ou se fazem parte de uma estratégia nacional e mundial (europeia?) para suprimir ou anular o peso do trabalho nas relações económicas, em favor do patrão, do empresário, dos accionistas, dos especuladores, dos “mercados” especulativos, do capital especulativo e financeiro.

[Um banqueiro afirmou ontem em público que os bancos deveriam ser proibidos de emprestar dinheiro enquanto durasse a crise! Diz o presidente do BPI que os bancos não têm matéria prima, ou seja, não têm dinheiro para emprestar. Os banqueiros em Portugal pode dizer as alarvidades todas que quiserem sem ser questionados. Obviamente que o que diz Ulrich não é verdade: veja-se ESTE comunicado de imprensa do BEI/BPI com data de 10 de Fevereiro de 2011.]
Mas o que conta aqui é o PENSAMENTO ÚNICO na ECONOMIA que tem imperado em todos os fóruns públicos e privados. O pensamento único reporta-se ao “Estado mínimo”, quanto menos Estado na economia, melhor para a economia (talvez queiram dizer, mas não o fazem: melhor para o capital).

O pensamento único pode ser entendido como capitalismo selvagem/neoliberalismo/submissão dos interesses do Estado ao capital especulativo e financeiro/desregulação financeira/ desregulação dos direitos do Trabalho. Mas isto é só a minha interpretação.

Quem se atrever a discordar deste pensamento único é imediatamente encostado ao lote dos esquerdistas (como se isso fosse realmente um insulto nos tempos que correm!), dos utópicos, dos que querem prolongar “este viver acima das possibilidades”; quem se atrever a discordar desse pensamento único económico perde qualquer hipótese de discussão séria e intelectualmente honesta, simplesmente porque o pensamento único rejeita liminarmente outra ou outras vias ou hipóteses.

[Quem tem notado este pensamento único, há muitos anos, é o economista Eugénio Rosa, doutorando no ISCTE, quem tem lutado contra ventos e marés para desconstruir as comunicações apressadas dos comentadores de serviço e dos políticos do costume.]

Mas é tão gritante a supremacia do pensamento único na Economia, que no início do ano diversos cientistas, professores universitários e outras personalidades portuguesas alertaram a Fundação para a Ciência e Tecnologia para esta realidade perigosa, mas dominante.

Este grupo de mais 80 personalidades escreveu uma carta ao presidente da FCT apelando ao “pluralismo e abertura interdisciplinar na investigação sobre economia”. Referem que “a renovação de que o pensamento económico urgentemente carece passa efectivamente pela abertura dos estudos sobre a economia a diferentes correntes teóricas da Economia e a diversas perspectivas disciplinares”, criticando a FCT por “sistematicamente [ter] isolado o campo da Economia e promovido uma unicidade empobrecedora dos estudos nesta área, hostilizando a diversidade e subordinando o único critério justo – o da qualidade – ao da lealdade ao cânone teórico da sua preferência”. Dizem mesmo que muitos projectos de investigação apresentados ao financiamento da FCT, no âmbito da área de investigação em “Economia e Gestão”, são rejeitados “com base em julgamentos sumários exclusivamente baseados na não conformidade com as normas da economia neoclássica”. Esses mesmos projectos, afirmam, acabam por ser submetidos a outros painéis da FCT ou a programas quadros da UE e são considerados “excelentes”.

E agora é o Conselho Científico das Ciências Sociais e Humanidades, presidido por José Mattoso, que no seu relatório intercalar vem recomendar à FCT “o pluralismo dos temas de investigação e o pluralismo de paradigmas e de metodologias de análise”. O relatório – que pode ser lido na íntegra AQUI – identifica um “fenómeno de moda” na questão do pluralismo de temas e uma redução de pluralismo na Economia, ciência social em que “as opções políticas interferem com os critérios científicos”. O documento aponta a popularização do termo “o pensamento único, para traduzir o afunilamento e ausência de pluralismo que tem afectado nas últimas três décadas a investigação nesta área científica, com consequências negativas evidentes sobre o respectivo progresso”.

Parecendo que não, a FCT fez alguma coisa: mudou o presidente do painel de avaliação de projectos (e financiamento) na área de “Economia e Gestão”. Não sei se isso vai mudar alguma coisa nas avaliações, mas o novo presidente é certamente alguém que pensa “fora da caixa”. Assista à sua recomendação de leituras, nesta interessante e original rubrica da Universidade de Coimbra, acessível no youtube.

Entretanto, nem de propósito, a revista Exame/Expresso divulgou a lista dos mais ricos de Portugal. Nada de novo, excepto que as suas fortunas, que representam mais de 10 por cento do PIB português, aumentaram quase 18 por cento, em 2010! Estamos em crise, lembram-se? Que nos diz o pensamento único da Economia sobre isto?

[a fotografia – os cinco maiores banqueiros portugueses – é do Diário Económico e terá sido tirada ontem num fórum em Lisboa dedicado às instituições que estes senhores representam; o logo foi retirado site da FCT; a carta enviada ao presidente da FCT, em Janeiro, é um dos anexos do relatório intercalar do CCCHS divulgado no início deste mês]

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Jorge Lima Barreto (1949-2011)


Telectu ao vivo na RTP em 1985, num dos programas do Júlio Isidro.

Tive a sorte de ver os Telectu ao vivo num concerto no Pinguim Café, no início dos anos 1990, no Porto. Já conhecia o trabalho do Lima Barreto e do Victor Rua e foi um grande concerto. Nesta fase os Telectu gravavam diversos discos por ano. Sim, chegavam às dezenas. E posso afirmar que fazem falta ao panorama musical nacional. Jorge Lima Barreto morreu no dia 9 de Julho de 2011.


link da notícia do Público:

O currículo de  Lima Barreto pode ser encontrado AQUI, na Meloteca.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Defesa do serviço público de informação silenciada em Portugal

O debate em defesa do serviço público de rádio e televisão e serviço público de agência noticiosa em Portugal, organizado pelo Sindicato de Jornalistas, na quarta-feira à tarde (06/07/2011), em Lisboa, parece ter sido ignorado pelos órgãos de comunicação social e também não são visíveis reacções ou discussões sobre o tema na internet (refiro-me aquele espaço da internet que não necessita de inscrição do utilizador).

Aparentemente, os jornalistas e o público (a base da opinião pública) estão alheados ou anestesiados face às intenções do actual governo em acabar com os serviços públicos mencionados.

On-line, os jornais diários de referência – Jornal de Notícias, Público, Diário de Notícias, Correio da Manhã, i, Expresso (não consegui aceder ao Sol, talvez por ser sexta-feira) – não fazem qualquer referência ao debate, o que poderá significar que para estes órgãos de informação o serviço público de rádio e televisão e serviço de agência noticiosa não tem importância, não é relevante. Pode até significar outra coisa, por exemplo, o silenciamento do Sindicato de Jornalistas, que organizou o debate. No fundo, o serviço de agenda dos órgãos de informação, que normalmente é composto por editores e chefias, sejam eles quais forem, não atribuem importância ao assunto, pelo que não deve ser divulgado nas suas páginas. Penso que isto é significativo.

Seja como for, é preocupante este alheamento/silenciamento/desinteresse face a uma série de serviços básicos na área da informação, que são inerentes às sociedades democráticas contemporâneas, e que são objecto de acompanhamento sistemático, por parte dos poderes e do público, nos chamados países desenvolvidos (ou em vias desenvolvimento).

Deixo o link da notícia do debate publicada no sitio do Sindicato de Jornalistas, que faz a síntese do acontecimento.

Apanhei também, através da RTP e da SIC, os primeiros parágrafos da notícia da Agência Lusa, que foi o único órgão de informação a cobrir o acontecimento. A notícia da Lusa, integral, pode ser lida no site Meios & Publicidade, aqui.

CONVIDO TODOS OS LEITORES DO MEIOS DE PRODUÇÃO A UTILIZAREM A CAIXA DE COMENTÁRIOS PARA DIZER O QUE PENSAM SOBRE OS SERVIÇOS PÚBLICOS DE INFORMAÇÃO E SOBRE AS INTENÇÕES DO GOVERNO.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Grandes músicas portuguesas de 2010

Quis escrever sobre as músicas portuguesas que me ficaram no ouvido em 2010. Depois fiquei sem tempo e não pude escrever. Mas continuam grandes músicas, mesmo para este início de Verão de 2011. São elas:

Os golpes
Os Golpes são uma banda citadina a lembrar o Ribatejo, ou uma banda da cidade a lembrar o campo. Visualmente. São os genuínos descendentes dos Heróis do Mar, o grupo do Pedro Aires Magalhães (e Rui Pregal da Cunha) nos miseráveis anos 80. Já agora, não percebi se Os Golpes são de esquerda ou de direita, ou se não são nada disso! Mas parecem pop genuína!

Orelha Negra
Parece-me que esta música já andava a correr no fim de 2009, mas explodiu na rádio, sobretudo no serviço público, em 2010, mantendo quase uma rotina em 2011. Surge como um daqueles momentos de energia vital que nos predispõe a continuar o dia sem mandar encontrões em ninguém. Orelha Negra é um projecto só de canções, ou temas unitários, com uma forte componente visual, aliás, muito apurada. Estão a oferecer uma compilação dos seus temas unitários, em formato de álbum, com capa e tudo, a “Orelha Negra Mixtape”, que pode ser encontrada AQUI.

B. Fachada
B. Fachada é um campeão. Lança-nos constantemente na expectativa de saber como será o próximo álbum. O álbum de 2010 (o primeiro, “Há Festa na Moradia”, o outro chama-se “É pra meninos”, também muito bom) – mostrando a evidência da falta de uma boa produção –, é obra de um grande compositor. Claro que quem produz música como o B. Fachada não tem tempo para cuidar do visual, por isso não há vídeos, só gravações pirata. "Há Festa na Moradia" pode ser encontrado AQUI, no myspace do autor.

Virgem Suta
Gosto dela pá, não só por vir do interior alentejano, como pela música arrojada que faz! Apesar da alegria contagiante, tenho que pautar para perceber o pop esfuziante que da Virgem Suta brota, pá! Chegou em 2009, explodiu em 2010, continua a andar em 2011.

António Zambujo
Para mim o grande nome de 2010, ano em que António Zambujo lançou um álbum magnífico chamado “Guia”. A verdade é que não conhecia Zambujo, talvez por ser cantor enredado nesse nacional-cancionetismo chamado Fado, que tem produzido cantores medianos mas muito vistos@s, qual último reduto da indústria portuguesa de produtores musicais. Caetano Veloso, que o viu no Rio de Janeiro na primeira fila, não se cansou de o elogiar; Zambujo vai coleccionando fãs por todos os países desenvolvidos onde tem actuado, cantando duetos com nomes consagrados, exibindo as suas apaixonadas interpretações. A primeira vez que o ouvi, por acaso, na rádio de serviço público, fiquei espantado com a imensa qualidade e originalidade que jorrava da aparelhagem sonora e que me colava aos lábios um longo sorriso de satisfação.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

António Jorge Branco (1937-2011)

Conheci o António Jorge Branco em 1991/92, no Porto. Foi o meu professor de radiojornalismo na ESJ. Era de facto muito exigente, conforme testemunhou hoje no serviço público de rádio Adelino Gomes, recordando o criador do estilo jornalístico da TSF [ouvir em baixo].


AJB ajudou a fundar a cooperativa de jornalistas que está na origem da TSF – Rádio Jornal, que me lembre a primeira rádio em Portugal a emitir noticiários de meia em meia hora e que marcou definitivamente o panorama jornalístico português na década de 1990, nos anos em que Cavaco Silva foi primeiro-ministro. Ao contrário dos tempos actuais, onde se nota uma forte concentração da propriedade dos meios de comunicação social, naquela época os jornalistas eram destemidos: chegavam a acordar os ministros logo pela manhã, para os confrontar com o facto noticioso. Hoje isso já não é possível, quando muito telefonam pela manhãzinha aos ensonados assessores de imprensa para os confrontar com o facto noticioso!


Lembro-me perfeitamente da primeira matéria que nos dava no atelier de Rádio: a revista de imprensa. “Vocês espalham os jornais sobre a mesa, depois sobem no helicóptero e começam a pairar sobre as primeiras páginas; recolhem os destaques, as notícias comuns e tentam apanhar mais algumas que saltem à vista. Depois pousam o helicóptero e fazem a revista de imprensa!”, dizia AJB aos seus alunos.


Ensinou-me também a pontualidade na rádio. Não deixava entrar nenhum aluno no estúdio depois da hora certa! E marcava falta! Era obrigatório ouvirmos o noticiário, debatermos e depois, partindo dos jornais ou da matéria noticiosa registada, fazermos o nosso próprio noticiário, procurando um discurso natural, coerente, redondo [circular], coloquial e pausado, de forma a dar ênfase a determinado facto ou matéria, quando se justificasse, mas sempre dirigido ao ouvinte, a um ouvinte. Muitas vezes, enquanto preparávamos as notícias, telefonava para Lisboa, para a redacção da TSF, para “desancar” ou elogiar o jornalista que ouvíramos antes. Percebia-se que muitos deles não atendiam as chamadas, o que deixava furioso.


Foi um bom professor. Chumbou-me por faltas! Gostava muito do meu trabalho, nunca ralhou comigo, mas como eu tinha a tendência para chegar uns segundos depois da hora, fechava-me a porta na cara! E mesmo prometendo-me uma boa nota, o que cumpriu, obrigou-me a nova matrícula para completar os créditos em falta. Ensinou-me a importância da pontualidade do jornalista (que muito espanto causa hoje nas fontes, tão habituados aos atrasos e à arrogância dos jornalistas), na busca pelo momento que faz a diferença. O jornalista que chega atrasado só vê o filme pela metade.


Lembro-me bem do AJB, apesar de não o ver (e ouvir) há muitos anos e da nossa diferença de idades. Lembro-me da sua sagacidade, do 2CV vermelho que usava para atravessar o Marão (dava formação em Vila Real), dos cigarros com ponteira, da boémia ao piano na Ribeira (que quase não frequentei), da conversa inteligente e dos seus ralhetes. Foi um bom professor. Era irmão do JMB [José Mário Branco].


[Algumas peças de António Jorge Branco podem ser ouvidas AQUI, na TSF, pessoalmente não acho que sejam os seus melhores trabalhos; como disse Fernando Alves, AJB foi sobretudo um formador, um formador de gerações. A imagem de AJB foi retirada do netlog do jornalista.]


Testemunhos de Adelino Gomes e João Paulo Guerra, a partir do minuto 8.

Mais informação sobre AJB pode ser encontrada aqui, no sítio do Sindicato de Jornalistas.