No auge da crise actual (no auge? Já saímos dela? Leia-se “empréstimo do Estado português a mando do FMI/UE/BCE a juros usurários, vulgarmente apelidado de ajuda externa”) os comentadores de serviço e os políticos dos partidos que têm governado Portugal desde a instauração da Democracia insistiam – como continuam a insistir – que vivemos acima das nossas possibilidades, que temos que baixar os custos do trabalho, que temos que privatizar tudo o que se mexa (e dê lucro!), que NÃO HÁ ALTERNATIVA!
Os comentadores de serviço (onde se incluem os blogueiros da treta, os blogueiros partidários do neoliberalismo) e os políticos dos partidos que têm governado Portugal desde 1974 insistem que não há alternativa, defendem toda a cartilha do capitalismo selvagem e que essa receita é a única que vai salvar o país.
Insistem em estafados argumentos e teorias económicas desajustadas e desactualizadas, longe da realidade social e sociológica; insistem num cânone que partilham convictamente como um dogma (ou uma fé) que vai salvar o país de todos os seus males.
Não sei se essa gente acredita realmente nisso ou se fazem parte de uma estratégia nacional e mundial (europeia?) para suprimir ou anular o peso do trabalho nas relações económicas, em favor do patrão, do empresário, dos accionistas, dos especuladores, dos “mercados” especulativos, do capital especulativo e financeiro.
[Um banqueiro afirmou ontem em público que os bancos deveriam ser proibidos de emprestar dinheiro enquanto durasse a crise! Diz o presidente do BPI que os bancos não têm matéria prima, ou seja, não têm dinheiro para emprestar. Os banqueiros em Portugal pode dizer as alarvidades todas que quiserem sem ser questionados. Obviamente que o que diz Ulrich não é verdade: veja-se ESTE comunicado de imprensa do BEI/BPI com data de 10 de Fevereiro de 2011.]
Mas o que conta aqui é o PENSAMENTO ÚNICO na ECONOMIA que tem imperado em todos os fóruns públicos e privados. O pensamento único reporta-se ao “Estado mínimo”, quanto menos Estado na economia, melhor para a economia (talvez queiram dizer, mas não o fazem: melhor para o capital).
O pensamento único pode ser entendido como capitalismo selvagem/neoliberalismo/submissão dos interesses do Estado ao capital especulativo e financeiro/desregulação financeira/ desregulação dos direitos do Trabalho. Mas isto é só a minha interpretação.
Quem se atrever a discordar deste pensamento único é imediatamente encostado ao lote dos esquerdistas (como se isso fosse realmente um insulto nos tempos que correm!), dos utópicos, dos que querem prolongar “este viver acima das possibilidades”; quem se atrever a discordar desse pensamento único económico perde qualquer hipótese de discussão séria e intelectualmente honesta, simplesmente porque o pensamento único rejeita liminarmente outra ou outras vias ou hipóteses.
[Quem tem notado este pensamento único, há muitos anos, é o economista Eugénio Rosa, doutorando no ISCTE, quem tem lutado contra ventos e marés para desconstruir as comunicações apressadas dos comentadores de serviço e dos políticos do costume.]
Mas é tão gritante a supremacia do pensamento único na Economia, que no início do ano diversos cientistas, professores universitários e outras personalidades portuguesas alertaram a Fundação para a Ciência e Tecnologia para esta realidade perigosa, mas dominante.
Este grupo de mais 80 personalidades escreveu uma carta ao presidente da FCT apelando ao “pluralismo e abertura interdisciplinar na investigação sobre economia”. Referem que “a renovação de que o pensamento económico urgentemente carece passa efectivamente pela abertura dos estudos sobre a economia a diferentes correntes teóricas da Economia e a diversas perspectivas disciplinares”, criticando a FCT por “sistematicamente [ter] isolado o campo da Economia e promovido uma unicidade empobrecedora dos estudos nesta área, hostilizando a diversidade e subordinando o único critério justo – o da qualidade – ao da lealdade ao cânone teórico da sua preferência”. Dizem mesmo que muitos projectos de investigação apresentados ao financiamento da FCT, no âmbito da área de investigação em “Economia e Gestão”, são rejeitados “com base em julgamentos sumários exclusivamente baseados na não conformidade com as normas da economia neoclássica”. Esses mesmos projectos, afirmam, acabam por ser submetidos a outros painéis da FCT ou a programas quadros da UE e são considerados “excelentes”.
E agora é o Conselho Científico das Ciências Sociais e Humanidades, presidido por José Mattoso, que no seu relatório intercalar vem recomendar à FCT “o pluralismo dos temas de investigação e o pluralismo de paradigmas e de metodologias de análise”. O relatório – que pode ser lido na íntegra AQUI – identifica um “fenómeno de moda” na questão do pluralismo de temas e uma redução de pluralismo na Economia, ciência social em que “as opções políticas interferem com os critérios científicos”. O documento aponta a popularização do termo “o pensamento único, para traduzir o afunilamento e ausência de pluralismo que tem afectado nas últimas três décadas a investigação nesta área científica, com consequências negativas evidentes sobre o respectivo progresso”.
Parecendo que não, a FCT fez alguma coisa: mudou o presidente do painel de avaliação de projectos (e financiamento) na área de “Economia e Gestão”. Não sei se isso vai mudar alguma coisa nas avaliações, mas o novo presidente é certamente alguém que pensa “fora da caixa”. Assista à sua recomendação de leituras, nesta interessante e original rubrica da Universidade de Coimbra, acessível no youtube.
Entretanto, nem de propósito, a revista Exame/Expresso divulgou a lista dos mais ricos de Portugal. Nada de novo, excepto que as suas fortunas, que representam mais de 10 por cento do PIB português, aumentaram quase 18 por cento, em 2010! Estamos em crise, lembram-se? Que nos diz o pensamento único da Economia sobre isto?
[a fotografia – os cinco maiores banqueiros portugueses – é do Diário Económico e terá sido tirada ontem num fórum em Lisboa dedicado às instituições que estes senhores representam; o logo foi retirado site da FCT; a carta enviada ao presidente da FCT, em Janeiro, é um dos anexos do relatório intercalar do CCCHS divulgado no início deste mês]