As greves são uma consequência das sociedades contemporâneas, que é o mesmo que dizer que são uma consequência da Revolução Industrial [não vou explicar este conceito agora, mas pode perceber melhor a afirmação
aqui,
aqui e
aqui].
As greves surgem como um sucedâneo do capitalismo fabril. A invenção e evolução da máquina a vapor permitiu mecanizar determinadas indústrias e baixar os preços no consumidor; permitiu o desenvolvimento de indústrias a jusante (o caso da extracção de carvão), oferecendo trabalho certo, mas com baixas remunerações e muitas horas no emprego (muitas não pagas).
[à esq. foto não creditada in Cordeiro, José Manuel Lopes (2010), História do Porto, Desafio à República, Cidade Inconformada e Rebelde, Lisboa: QuidNovi; Distribuição com o Jornal de Notícias; à dir. imagem da Companhia Fabril do Norte, não assinada, Associação Empresarial de Portugal, in Carvalho, Manuel Jorge Pereira (2010), História do Porto, Prenúncios de Mudança, do 31 de Janeiro ao Regicício, Lisboa: QuidNovi, Distribuição com o Jornal de Notícias.]
O incremento da indústria em Portugal, também responsável por melhores vias de comunicação, provocou uma migração do campo para a cidade; em Portugal, no século XIX, o número de pessoas que acorrem às cidades é muito elevado. Os trabalhadores rurais, pobres, analfabetos, fogem do duro trabalho no campo, em busca de uma vida melhor; no campo, a terra que trabalham não lhes pertence e ainda têm que pagar o seu uso. Mas as cidades não têm capacidade para alojar estes milhares de trabalhadores, que se vão instalando onde podem; no Porto, nas “ilhas”, nos “prédios esguios” do centro histórico; em Lisboa, nas vilas e pátios, depois nos bairros de lata. Trabalham de sol a sol, sem condições, a troco de salários muito baixos, que não lhes permite mais do que pagar a “renda da casa” e alguma comida. Vivem em aglomerados insalubres, onde a mortalidade (tal como a natalidade) é muito elevada.
As primeiras leis do trabalho em Portugal surgem ainda no século XIX, no período da monarquia constitucional; mas a dificuldade em cumpri-las é notória, originando um rasto de agitação que culmina na implantação da República, em 5 de Outubro de 1910. Entre 1852 e 1910 registam-se mais de 550 greves.
[Desfile do 1.º de Maio, Portugal Pittoresco e Ilustrado, I, 1903 in Roque, João; Torgal, Luís Reis (Coord.) (1993), O Liberalismo, in Mattoso, José (Dir.), História de Portugal, Lisboa: Editorial Estampa.]
Quando se decidia uma greve, parava tudo! Não havia pré-avisos, nem piquetes, nem fura-greves. Parava tudo e só se retomava o trabalho quando as reivindicações fossem cumpridas. Os patrões, em reacção, promoviam os “lock outs”, ou seja, encerravam a fábrica antes de os trabalhadores decidirem a greve e ocuparem as instalações. A diferença era que os patrões tinham as forças da autoridade do seu lado, que muitas vezes corriam os grevistas à bastonada.
[Operária conserveira encaixotando latas de conserva numa fábrica do sul do País, anos 1940, foto não assinada, Indústria Portuguesa, Out. 1946, in Rosas, Fernando (Coord.) (1994), O Estado Novo, in Mattoso, José (Dir.), História de Portugal, Lisboa: Editorial Estampa.]
Em data que não consigo precisar, mas já no Estado Novo, quando a greve era proibida [como muitos neoliberais ainda hoje defendem; o melhor era chamar-lhes fascistas], as trabalhadoras conserveiras de Matosinhos realizaram longas jornadas reivindicativas, paralisando as fábricas, mesmo que fossem violentamente reprimidas. Uma greve de mulheres era praticamente inédita no início do século XX, para mais na indústria conserveira, em que só os soldadores (de latas de conserva) estavam habituados a greves. Que reclamavam estas mulheres? Luvas! Apenas luvas! É que eram elas que tinham que preparar o peixe que vinha do mar mergulhado em gelo; ao fim de umas horas já não sentiam as mãos. Os patrões, primeiro reprimiram, depois acabaram por ceder! Parece um absurdo! [Lamento não nomear a fonte, mas assim que a tiver, indico]
[GNR dispersa concentração de operárias grevistas no Barreiro, 1943, foto não assinada, retirada de senseikaratemaster.blogspot.com, mas também disponível em O Estado Novo, ver legenda anterior.]
O Estado Novo proibiu as greves, mas nem assim os trabalhadores deixaram de as fazer e isto ao longo de mais de 40 anos. Foram sempre greves muito duras, reprimidas violentamente pela polícia e guarda republicana. E mesmo assim, os trabalhadores portugueses, os nossos avós e bisavós, não deixaram de as fazer.
Hoje, os “jornalistas” do regime já sentenciaram que os trabalhadores portugueses não devem fazer greve. A vice-directora de informação do serviço público de televisão, numa entrevista a Jerónimo de Sousa na semana passada insistiu diversas vezes com o entrevistado: “para que é que serve esta greve geral?” recusando ouvir explicações. Se acha que exagero, compare
esta entrevista com
esta; a incomodidade e enfado comparados com a condescendência e simpatia.
O debate de ontem na RTP1,
num programa que costuma servir para defender o estado das coisas, foi anunciado, na semana passada, como uma discussão sob o tema “Vale a pena fazer greve?”. Alguém se deve ter apercebido da parvoíce do tema e cessou a divulgação, acabando o programa por ser realizado com o título “Greve Geral – Os ganhos e a perda”, um título que não compromete, mas também não diz nada. Não aprecio o programa, mas acompanhei-o e recomendo-o.
Se as gerações actuais não aderirem à greve… Que terão a dizer dos seus avós e bisavós, que faziam greve quando ela era proibida? O que terão a ensinar aos seus filhos?
O meu comentador “preferido” na televisão,
o único que sigo, no seu jeito paternalista e defensor do
status quo (a simplicidade com que fala nos mercados…) e do principal partido da oposição (que um dia será governo – a evolução da continuidade!) disse a mesma coisa que os “esclarecidos” jornalistas do serviço público! Acha que a greve vai ser muito participada, mas também que não vale de nada porque temos que seguir esta política (em favor do capital e do sector financeiro, contra os trabalhadores, assalariados, pequenos empresários e comerciantes, agricultores). Mas o comentador dominical também não deve nada aos seus antepassados, afinal, o seu pai foi ministro e governador de Salazar.
Portanto, quarta-feira dia 24 de Novembro de 2010:
Adira à greve – contra a “política dos mercados”, contra os ataques aos trabalhadores, às pequenas e médias empresas, ao sector produtivo português; contra as políticas impostas por Bruxelas em favor da Alemanha e da França, contra o abaixamento dos salários, contra a “precarização” do emprego, contra os partidos do poder que não sabem governar Portugal.
Adira à greve – pela defesa de uma sociedade melhor, mais justa e equilibrada, por uma política europeia e mundial que coloque o trabalho e os valores sociais no centro da discussão política.
Por isso, não vá às compras, não vá passear para o shopping e hipermercado; solidarize-se com os trabalhadores, com os pensionistas e com a juventude que vai herdar esta sociedade e este estado de coisas.
Se quiser ainda mais razões para aderir à greve, pode encontrá-las
aqui.