segunda-feira, 12 de março de 2012

Obituário – Giraud, Angelopoulos, Lanhas, Tàpies

Não tive tempo, nem oportunidade, em Fevereiro, para assinalar o óbito de algumas figuras relevantes para o Meios de Produção. São consideradas figuras relevantes as que contribuíram, com as suas personalidades, as suas obras, os seus actos ou discursos, para a formação cultural deste autor e enquanto referências culturais, políticas, ideológicas que estão na base da cultura europeia contemporânea e dos "países desenvolvidos". Mas convém esclarecer que o obituário é uma secção que se faz, antes de mais, por inspiração e desejo de homenagem. Não há, portanto, qualquer obrigação em assinalar um óbito que se considere relevante.

Esta justificação vem também a propósito do falecimento de Jean Giraud ou Moebius ocorrida no dia 11 de Março de 2012. Giraud foi uma referência no período da adolescência, especialmente com a personagem Blueberry. Considero “A mina do alemão perdido” [1972; Charlier/Giraud] uma obra prima, pela linguagem cinematográfica (que é uma constante nas aventuras desta personagem e na obra do autor), pela descrição da paisagem natural dos desertos do interior dos Estados Unidos, pela caracterização psicológica das personagens. A série foi perdendo qualidade e, entretanto, deixei de me interessar por BD, apesar de conservar uma pequena, mas preciosa colecção. A caracterização psicológica das personagens e a “interpretação da natureza humana” são, apesar de tudo, as características mais elevadas da sua obra. Não sou particularmente apreciador da obra de Moebius, prefiro Giraud. A linguagem cinematográfica desenvolvida por Giraud nas suas séries e a criação de um universo onírico, sobretudo enquanto Moebius, estão na origem dos convites que lhe endereçaram autores como Ridley Scott (Alien, 1979) e Luc Besson (Fifth Element, 1997). [Interessante, ou não fosse de Carlos Pessoa, o obituário no jornal Público sobre Giraud.]

Nome relevante na cinematografia europeia e mundial, o grego Theo Angelopoulos morreu a 24 de Janeiro de 2012, vítima de um insólito acidente, num período em que preparava o seu próximo filme. É uma perda importante, sobretudo pelo que nos mostra o seu percurso pessoal, artístico e político e a sua origem, a Grécia, o país de onde procede o ideal da democracia e a própria filosofia, agora acossado pelo capitalismo internacional especulativo, que tem dominado o poder político de quase todos os países democráticos, esmifrando/escravizando as populações mais desprotegidas, num processo que tem sido apelidado de fascismo financeiro. Tanto Portugal, como a Grécia, têm sido vítimas desta ideia e prática de capitalismo [“ou produzem mais para exportação – depois de destruírem/venderem o vosso sistema produtivo! – ou morrem”], como uma imposição de empobrecimento das populações (apresentada na Alemanha como um castigo, uma vingança). Bom, Angelopoulos era uma voz que queríamos ouvir agora… Mas acabou, ficam as suas obras, com especial relevo para “O Apicultor” (1986), “O Passo Suspenso da Cegonha” (1991), “O olhar de Ulisses” (1995), “A eternidade e um dia antes” (1998, Palma de Ouro em Cannes), e para a trilogia (incompleta) sobre a Grécia e o século XX. [Mais uma vez o obituário do jornal Público sobre Theo Angelopoulos.]


Fernando Lanhas faleceu a 4 de Fevereiro de 2012. Pintor abstraccionista e arquitecto, é considerado um dos vultos na introdução do abstraccionismo geométrico em Portugal, ainda na década de 1940. Conheci Fernando Lanhas, em 1992, quando trabalhava no jornal «O Comércio do Porto», na secção de Cultura. Fui enviado para uma reportagem no Museu de Etnologia do Porto, que era dirigido na altura por Lanhas. Foi o próprio que veio abrir a porta do museu à equipa de repórteres. O museu ficava no largo de S. João, no Porto, em frente ao Tribunal de S. João Novo, e estava encerrado. Sofrera um incêndio algum tempo antes (não me lembro se foi antes ou depois daquela reportagem), penso que não tinha luz eléctrica e chovia lá dentro. Fernando Lanhas não fez nenhuma vista guiada, simplesmente porque não podia. Mas mostrou as peças do átrio, os sarcófagos egípcios (?), por exemplo. A visita ao museu foi quase em segredo, não tinha autorização para abrir as portas, mas ele queria mostrar o estado de degradação do imóvel e o risco que corria o seu espólio, espólio etnográfico do Estado português. Colocou muitos entraves ao repórter fotográfico, que penso que era o António Fernandes. Na altura, Pedro Santana Lopes era o secretário de Estado da Cultura. O governo era de Cavaco Silva, que votou sempre, tal como hoje enquanto Presidente da República, um enorme desprezo ao sector cultural e à Cultura, no geral. A questão do Museu de Etnologia era praticamente uma questão regional e o grande erro foi esse. A cidade do Porto e as suas elites, impulsionadas por um poder local socialista e muito vistoso, queriam que o Estado promovesse o restauro do museu e a sua manutenção. Lanhas estava muito acima disso, pois defendia “apenas” o espólio nacional etnográfico, de valor incalculável, a todos os títulos, da instituição para a qual fora nomeado director. Sim, o museu devia estar no Porto porque foi aí que foi criado, mas competia ao Estado a sua preservação. O poder local e as elites portuenses viam outra coisa: uma guerra contra o centralismo de Lisboa, uma guerra regionalista alimentada por um político com ambições nacionais (Fernando Gomes, lembram-se?). No meio ficava o museu e o seu director que não conseguia convencer uns e outros a fazer o que lhes competia. Por parte do Estado, sendo Cavaco Silva primeiro-ministro, ganhou a inoperância. Aliás, há diversos relatos que referem que o espólio do Museu de Etnologia do Porto foi distribuído por outras instituições, entre elas, claro, o Museu Nacional de Etnologia de Lisboa. Não sei se isso é verdade, nem consegui saber qual a situação do museu hoje. Aliás, gostava de o visitar, se é que ainda existe. Fiquei com boas recordações de Fernando Lanhas. [E porque não, novamente, o obituário do jornal Público, até porque é o melhor que se encontra na rede?]

Não queria deixar de assinalar o falecimento de Antoni Tàpies, ocorrência a 6 de Fevereiro de 2012. Pintor catalão que muito aprecio, pude admirar de perto algumas das suas obras em exposições retrospectivas na Fundação de Serralves, penso que ainda antes do actual Museu de Arte Contemporânea de Serralves (confirmado, foi em 1991). É um autor de referência internacional.





As imagens:
  • Jean Giraud, foto sem assinatura, retirada de http://portadisquete.blogspot.com/
     
    Theo Angelopoulos, foto sem assinatura retirada de revista on-line MUBI, projecto (muito interessante, apesar de tudo) para transformar o grande ecrã em pequeno ecrã, financiado pela União Europeia, acessível em  http://mubi.com/notebook  
  • Fernando Lanhas, foto de Paulo Pimenta, jornal Público
     
  • Antoni Tàpies, Negre i roig V: A damunt vermell (Galfetti 613), serigrafia de 1978, em catálogo na Spaight Wood Galleries.

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