quarta-feira, 13 de outubro de 2010
Ace in the Hole
Quando os mineiros chilenos foram descobertos, vivos, a cerca de 700 metros de profundidade, há cerca de dois meses, lembrei-me imediatamente do filme de Billy Wilder, Ace in the Hole (1951). [Segundo a wikipedia, o título para Portugal é "O Grande Carnaval"; para o Brasil é "A Montanha dos Sete Abutres"]
O filme de Wilder é uma sátira ao jornalismo sensacionalista, que continua perfeitamente actual, meio século depois de ter sido lançado. Um jornalista caído em desgraça, interpretado por Kirk Douglas, depois de uma carreira de sucesso nas grandes cidades americanas, procura uma “caxa”, um grande furo, para voltar à ribalta, para voltar a ser notado pelos jornais de expansão nacional.
Descobre então um “caçador de tesouros” preso numa gruta, vítima de uma derrocada. Em vez de o libertar de imediato, vai prolongando o seu salvamento, atraindo sobre si, o único interlocutor da vítima, as atenções de todo o país, que vibra sobre a iminência da morte do homem preso. Quando finalmente percebe que é tarde demais, que já não é possível salvar o homem, tenta redimir-se, mas nesta altura todos os que fizeram o circo em volta da iminência da morte já abandonaram o local, desprezando todo o espectáculo entretanto criado.
O paralelismo com os mineiros chilenos é irresistível. Mais de 30 homens presos no subsolo, a 700 metros de profundidade; à superfície, dezenas de repórteres de televisão de todo o mundo, acompanhando em directo uma inédita tentativa de salvamento; familiares e companheiros em desespero; e o presidente da república do país, que em última instância é o responsável pela segurança do mineiros, como garante do cumprimento das regras de segurança da indústria extractiva no Chile.
Desta vez, a realidade está a ultrapassar a ficção; nesta altura já saíram da mina 17 mineiros; faltam ainda alguns, mas tudo corre como planeado.
Esperemos que saia daqui também alguma lição para a indústria extractiva a nível mundial (isto depois do derrame de petróleo da plataforma da BP no Golfo do México; do derrame de lamas de alumínio na Hungria) e para a indústria da informação (que sofre uma crescente tendência para se transfigurar em indústria do efémero e do entretenimento, quando dela se espera um papel relevante na formação de opinião pública das sociedades democráticas).
[imagens retiradas de www.jeffpidgeon.com/ e oglobo.globo.com]
terça-feira, 5 de outubro de 2010
República, Estado Novo e Democracia
A República Portuguesa faz hoje 100 anos, foi implantada há 100 anos. É frequente ouvir-se falar, mesmo por historiadores, que estamos a festejar a implantação da 1.ª (I) República, contando que ouve uma 2.ª (II) República e que nos encontramos na 3.ª (III) República.
Pode ser confortável arrumar o nosso século XX desta forma, mas não é a mais correcta.
A República Portuguesa foi implantada no dia 5 de Outubro de 1910; procede o regicídio (1908) e um período de monarquia constitucional (1820-1910), regido por oito soberanos e que manteve liberdade e crescimento de imprensa, mostrando-se incapaz ou relutante em alterar a estrutura da sociedade proveniente da Idade Média, claramente estratificada em nobreza, clero e povo, mas agora com novas classes actuantes a surgir. [Correcção: a prática da liberdade de imprensa, entre 1820 e 1890, é relativa, houve períodos de maior ou menor liberdade. Os anos anteriores ao regicídio foram de grande repressão; os ardinas, por exemplo, só podiam pregar o título e o preço do jornal, chegando a haver palavras proibidas. Sobre a relutância ou incapacidade em alterar a estrutura da sociedade, ela foi sendo mudada e moldada pela ascensão da burguesia, pelo capitalismo e pelo advento do operariado. Foi um período muito rico e agitado da nossa história, que não é fácil traduzir em poucas linhas, permanecendo ainda hoje um terreno fértil para o debate e para o conhecimento.]
A República durou 16 anos, até ao golpe militar de 1926. Em 1933 é promulgada uma nova Constituição, que dá início ao Estado Novo, um regime autoritário, de tendência totalitária, até 1945, e que durou até 1974, altura em que surge um novo golpe militar, instaurando a Democracia, o regime em que nos encontramos, já depois da adesão do país a uma comunidade interestadual, a que hoje chamamos União Europeia, em 1985.
Comodamente, muitos chamam 1.ª (I) República aos 16 anos que precedem o golpe militar de 1926; 2.ª (II) República ao Estado Novo; e 3.ª (III) República ao regime democrático. O mais correcto seria designar-se estes três estádios por República, Estado Novo e Democracia.
O Estado Novo não foi um regime republicano; foi um regime fascista, de partido único, como os regimes totalitários europeus até ao fim da II Guerra Mundial, que exercia um forte controlo sobre as liberdades públicas e privadas, sem liberdade de imprensa, sem liberdade de associação, em que a capacidade eleitoral só era concedida a quem se comprometesse com o regime. O Estado Novo não foi uma república, apesar do texto constitucional a promover como tal. Conforme a lei fundamental, quem deveria ter o poder político era o Presidente da Republica, mas quem na verdade o detinha era o presidente do conselho que, inclusivamente, escolhia quem deveria ser o presidente. Marcelo Rebelo de Sousa diz que a Constituição de 1933 era uma constituição semântica, “intencionalmente construída para legitimar uma prática bem determinada”.
A questão coloca-se, portanto, na identificação de Portugal como um Estado republicano, desde 1910 até hoje. E o que fazer aos 48 anos de fascismo, se preferirem, aos 48 anos de autoritarismo? Não houve certamente republicanismo nesse período. A solução é prática, tal como se adoptou aquela numeração para a nossa evolução política nos últimos 100 anos: República, Estado Novo e Democracia.
Festejamos hoje a implantação da República; no dia 25 de Abril de 2011 havemos de festejar a implantação da Democracia, que marca o fim do Estado Novo, sobre o qual não teremos nenhum pretexto para assinalar a implantação. Devemos, sim, estudar esse período das trevas para percebermos como éramos e no que nos tornámos.
Fontes e bibliografia:
LOFF, Manuel (1996) – Salazarismo e Franquismo na Época de Hitler (1936-1942). Porto: Campo das Letras.
Imagens retiradas respectivamente de:
www.parlamento.pt
bordalopinheiro.wordpress.com
historiaeciencia.weblog.com.pt
2muchignoranceisbad.wordpress.com
sexta-feira, 1 de outubro de 2010
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