Quando os mineiros chilenos foram descobertos, vivos, a cerca de 700 metros de profundidade, há cerca de dois meses, lembrei-me imediatamente do filme de Billy Wilder, Ace in the Hole (1951). [Segundo a wikipedia, o título para Portugal é "O Grande Carnaval"; para o Brasil é "A Montanha dos Sete Abutres"]
O filme de Wilder é uma sátira ao jornalismo sensacionalista, que continua perfeitamente actual, meio século depois de ter sido lançado. Um jornalista caído em desgraça, interpretado por Kirk Douglas, depois de uma carreira de sucesso nas grandes cidades americanas, procura uma “caxa”, um grande furo, para voltar à ribalta, para voltar a ser notado pelos jornais de expansão nacional.
Descobre então um “caçador de tesouros” preso numa gruta, vítima de uma derrocada. Em vez de o libertar de imediato, vai prolongando o seu salvamento, atraindo sobre si, o único interlocutor da vítima, as atenções de todo o país, que vibra sobre a iminência da morte do homem preso. Quando finalmente percebe que é tarde demais, que já não é possível salvar o homem, tenta redimir-se, mas nesta altura todos os que fizeram o circo em volta da iminência da morte já abandonaram o local, desprezando todo o espectáculo entretanto criado.
O paralelismo com os mineiros chilenos é irresistível. Mais de 30 homens presos no subsolo, a 700 metros de profundidade; à superfície, dezenas de repórteres de televisão de todo o mundo, acompanhando em directo uma inédita tentativa de salvamento; familiares e companheiros em desespero; e o presidente da república do país, que em última instância é o responsável pela segurança do mineiros, como garante do cumprimento das regras de segurança da indústria extractiva no Chile.
Desta vez, a realidade está a ultrapassar a ficção; nesta altura já saíram da mina 17 mineiros; faltam ainda alguns, mas tudo corre como planeado.
Esperemos que saia daqui também alguma lição para a indústria extractiva a nível mundial (isto depois do derrame de petróleo da plataforma da BP no Golfo do México; do derrame de lamas de alumínio na Hungria) e para a indústria da informação (que sofre uma crescente tendência para se transfigurar em indústria do efémero e do entretenimento, quando dela se espera um papel relevante na formação de opinião pública das sociedades democráticas).
[imagens retiradas de www.jeffpidgeon.com/ e oglobo.globo.com]
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