A República Portuguesa faz hoje 100 anos, foi implantada há 100 anos. É frequente ouvir-se falar, mesmo por historiadores, que estamos a festejar a implantação da 1.ª (I) República, contando que ouve uma 2.ª (II) República e que nos encontramos na 3.ª (III) República.
Pode ser confortável arrumar o nosso século XX desta forma, mas não é a mais correcta.
A República Portuguesa foi implantada no dia 5 de Outubro de 1910; procede o regicídio (1908) e um período de monarquia constitucional (1820-1910), regido por oito soberanos e que manteve liberdade e crescimento de imprensa, mostrando-se incapaz ou relutante em alterar a estrutura da sociedade proveniente da Idade Média, claramente estratificada em nobreza, clero e povo, mas agora com novas classes actuantes a surgir. [Correcção: a prática da liberdade de imprensa, entre 1820 e 1890, é relativa, houve períodos de maior ou menor liberdade. Os anos anteriores ao regicídio foram de grande repressão; os ardinas, por exemplo, só podiam pregar o título e o preço do jornal, chegando a haver palavras proibidas. Sobre a relutância ou incapacidade em alterar a estrutura da sociedade, ela foi sendo mudada e moldada pela ascensão da burguesia, pelo capitalismo e pelo advento do operariado. Foi um período muito rico e agitado da nossa história, que não é fácil traduzir em poucas linhas, permanecendo ainda hoje um terreno fértil para o debate e para o conhecimento.]
A República durou 16 anos, até ao golpe militar de 1926. Em 1933 é promulgada uma nova Constituição, que dá início ao Estado Novo, um regime autoritário, de tendência totalitária, até 1945, e que durou até 1974, altura em que surge um novo golpe militar, instaurando a Democracia, o regime em que nos encontramos, já depois da adesão do país a uma comunidade interestadual, a que hoje chamamos União Europeia, em 1985.
Comodamente, muitos chamam 1.ª (I) República aos 16 anos que precedem o golpe militar de 1926; 2.ª (II) República ao Estado Novo; e 3.ª (III) República ao regime democrático. O mais correcto seria designar-se estes três estádios por República, Estado Novo e Democracia.
O Estado Novo não foi um regime republicano; foi um regime fascista, de partido único, como os regimes totalitários europeus até ao fim da II Guerra Mundial, que exercia um forte controlo sobre as liberdades públicas e privadas, sem liberdade de imprensa, sem liberdade de associação, em que a capacidade eleitoral só era concedida a quem se comprometesse com o regime. O Estado Novo não foi uma república, apesar do texto constitucional a promover como tal. Conforme a lei fundamental, quem deveria ter o poder político era o Presidente da Republica, mas quem na verdade o detinha era o presidente do conselho que, inclusivamente, escolhia quem deveria ser o presidente. Marcelo Rebelo de Sousa diz que a Constituição de 1933 era uma constituição semântica, “intencionalmente construída para legitimar uma prática bem determinada”.
A questão coloca-se, portanto, na identificação de Portugal como um Estado republicano, desde 1910 até hoje. E o que fazer aos 48 anos de fascismo, se preferirem, aos 48 anos de autoritarismo? Não houve certamente republicanismo nesse período. A solução é prática, tal como se adoptou aquela numeração para a nossa evolução política nos últimos 100 anos: República, Estado Novo e Democracia.
Festejamos hoje a implantação da República; no dia 25 de Abril de 2011 havemos de festejar a implantação da Democracia, que marca o fim do Estado Novo, sobre o qual não teremos nenhum pretexto para assinalar a implantação. Devemos, sim, estudar esse período das trevas para percebermos como éramos e no que nos tornámos.
Fontes e bibliografia:
LOFF, Manuel (1996) – Salazarismo e Franquismo na Época de Hitler (1936-1942). Porto: Campo das Letras.
Imagens retiradas respectivamente de:
www.parlamento.pt
bordalopinheiro.wordpress.com
historiaeciencia.weblog.com.pt
2muchignoranceisbad.wordpress.com
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