quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Tropical Fuck Storm, Protomartyr e Oh Sees: algumas considerações sobre o Rock and Roll em 2019

O Rock and Roll é sempre o Rock and Roll! 

Esta afirmação não quer dizer nada, apenas que o nosso interesse, que está cada vez mais virado para o Jazz, de vez em quando surpreende-se com a (re)descoberta que o mundo do Rock and Roll está vivo e recomenda-se. Nada de novo, portanto. 

E apesar da “normalidade” do Rock and Roll, de vez em quando lá vamos descobrindo umas bandas, sonoridades, que nos fazem lembrar a energia que o Rock and Roll pode transmitir. E neste ano de 2019, que agora termina, aponto para três bandas que nos têm demonstrado que o Rock and Roll é sempre o Rock and Roll.

Comecemos por Tropical Fuck Storm. Nome subversivo, o quarteto australiano de Melbourne (que terminou em novembro uma digressão europeia com várias datas em Espanha, e uma gastroenterite pelo meio) é o veículo para o estranho universo lírico (vegetariano e ecologista) de Gareth Liddiard. Liddiard alcançou sucesso e reconhecimento ao fim de seis álbuns bem recebidos pela crítica e pelo público, sobretudo no país natal, com os The Drones. Em 2016, fez uma pausa com a sua companheira, a baixista Fiona Kitschin, mas acabou por regressar dois anos depois com uma nova banda, Tropical Fuck Storm, que é o nome da editora que havia lançado o último álbum dos The Drones, precisamente o mais bem-sucedido no top de vendas australiano (a TFS Records apenas atua no mercado local). 



Tropical Fuck Storm surge com uma formação de géneros pouco habitual: Liddiard (guitarra e voz), Kitschin (baixo e voz), Erica Dunn (guitarra e voz) e Lauren Hammel (bateria). As vozes femininas, que por vezes ganham estatuto de principal (como em “Who’s my Eugene?”), permitem uma harmonia nos coros que vincam os estranhos versos cantados por Liddiard, ora afirmando linhas melódicas (como em “Braindrops”), ora sustentando aquilo a que se poderia chamar de refrão que, na verdade, pouco existem nas canções dos TFS (como em “The Planet of Straw Men”). Liddiard produz uma longa narrativa, quase sempre sem rima, sobre o quotidiano das suas personagens, com críticas políticas e preocupações ambientalistas, outras vezes acentuando personalidades, manias ou desejos.


E tudo isto acompanhado por uma torrente elétrica, melódica, mas distorcida, com pausas a anteceder a explosão, com baixo e bateria bem marcados. TFS tem tudo o que uma banda Rock deve ter: subversão, irreverência e uns ruidosos acordes muito bem gizados da família do blues, bem temperados, mas, deve dizer-se, com muitos pozinhos a fugir para os sintetizados através dos efeitos dos pedais. Isto também significa competência.

O álbum do 2019 “Braindrops” (tal como o do ano anterior “A Laughing Death in Meatspace”) é uma excelente surpresa. 

Outra bela surpresa: Protomartyr! Na verdade, é uma anti surpresa mais do género: “Afinal onde andavas para não conheceres Protomartyr, a famosíssima banda de Rock and Roll, arty, post-punk, de Detroit, Michigan, deste princípio de século?” Sim, é mais isso…
Os Protomartyr, talvez por andarmos todos muito distraídos, relançaram este ano o seu primeiro álbum de 2012 “No Passion All Technique” (e mais quatro faixas extra). E para quem não conhecia bem os Protomartyr pode bem surpreender-se com “Jumbo”, “3 Swallows” ou “Ypisilanti” e aquele som muito característico da época dos Joy Division, The Fall, Wire e Pere Ubu, só para avançar com algumas parcas referências para um trio de bateria, baixo e guitarra e um vocalista-diseur, algo cínico, algo cronista, muito inspirado no malogrado Mark E. Smith. Algo que nos mostra que apenas é preciso uma guitarra (Greg Ahee), um baixo (Scott Davidson), uma bateria (Alex Leonard) e um vocalista (Joe Casey) para fazer grande Rock and Roll! Punk? Post-Punk? New Wave? No Wave? Pouco importa: atitude, mensagem, identidade e afirmação são o meio e o meio é o Rock and Roll!

Na verdade, a surpresa está na qualidade do álbum de estreia dos Protomartyr – já tem sete anos! – porque andamos a ouvi-los com muita atenção desde 2017 (“Relatives in Descendent” e “Consolation EP”). 

Por fim, um senhor que seguimos há já algum tempo. O imparável (e impagável) John Dwyer e os Oh Sees, que lançaram este ano “Face Stabber”. 
O californiano Dwyer já anda por cá desde 2003, primeiro como OCS, depois como The Oh Sees, depois como Thee Oh Sees (a fase mais prolífica e talvez a mais consistente, entre 2008 e 2016), e agora como Oh Sees (2017-2019). Sabe-se lá o que vem aí…

Algumas certezas: ao vivo são um espanto (não que tenha tido esse prazer, mas porque conheço muitos vídeos “live”); têm uma carreira longa, experimentalista (com formações muito variadas); acrescentam sons sintetizados a uma formação típica de Rock and Roll (baixo, bateria e guitarra); e são uma instituição que perpassa muitos estilos, provocações e boa disposição, sempre em torno do imparável John Dwyer.
“Face Stabber” é um longo álbum duplo (o último tema do álbum “Henchlock” tem mais de 20 minutos e é single de estreia!) que mantém os traços da carreira do grupo californiano. A saber: explosões elétricas sobre uma linha pronunciada de baixo acentuada pelas batidas da percussão (atuaram e gravaram álbuns com duas baterias em simultâneo em 2018 e 2019); um vocalista a cantar algo incompreensível, interrompido por uma descarga de guitarra elétrica estridente afinada ao jeito de Dwyer; uma jam session, às vezes interminável, que pode começar com sons sintetizados, mas que passa pelo funk, até pelo reagge e pelo prog-rock; uma atitude de deixar tudo em palco e nos discos, fazendo uma banda sonora para uma  vida ensolarada. Impagável e imparável. 
Pode-se considerar “Face Stabber” um disco desigual, com muitos altos e baixos, experimentalismo, psyrock, prog-rock, qualquer coisa assim, mas é genial, não sendo sequer um dos melhores dos Oh Sees. É música urgente, que vai para qualquer lado sem ir a lado nenhum. Existe, porque sim. 

Imaginem um festival com Tropical Fuck Storm, Protomartyr e Oh Sees (e já agora, King Gizzard  & Lizard Wizard nos seus melhores anos, o que não é seguramente este de 2019) e apenas uma palavra para o definir: “Imperdível”!

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

O Jacinto do rio Vouga

Originário da Amazónia e introduzido em Portugal provavelmente desde o início do século XX, o Jacinto-de-água (Eichornia crassipes) é uma espécie invasora. Segundo o Decreto-Lei, n.º 565/99, de 21 de dezembro, que regula a introdução de espécies não indígenas, o Jacinto-de-água é uma espécie “susceptível de, por si própria, ocupar o território de uma forma excessiva, em área ou em número de indivíduos, provocando uma modificação significativa nos ecossistemas”.
Se nada for feito, as águas do rio levam a planta em direção à Ria de Aveiro e em direção ao mar. Muitos acham que nada deve ser feito, porque vem aí um temporal e leva tudo para jusante. Mas se nada for feito, o ciclo repete-se e poucos meses depois lá surgem novamente as ilhas de Jacintos-de-água; mas basta que surja um período com menos nível de água nos cursos fluviais e o Jacinto-de-água toma conta do rio e impede a oxigenação da água, matando todas as espécies indígenas que ali vivem. 
E também há quem pense que o combate ao Jacinto-de-água se faz por decreto: ainda bem que temos uma lei que impede as espécies invasoras!
Esta ilha de jacintos foi avistada hoje no rio Vouga, em Angeja, Albergaria-a-Velha, debaixo da ponte Gilberto Madail. Quem vem de Cacia para o centro de Angeja, pela N230-2, observa uma verdadeira onda verde no rio, uma onda de jacintos.
fotos de meiosdeproducao.blogspot.com



segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Uma explicação breve/A brief explanation

uma explicação breve: no motor de busca o título do blog meios de produção é ilustrado com uma fotografia artística, normalmente retirada online, e que só é possível ver num browser de um computador pessoal (ou seja, não é possível visualizar a imagem do título do blog num telemóvel). até hoje nunca foram acrescentados os créditos das imagens. procuraremos apresentar os créditos das imagens a partir de agora. tentaremos também fazer alguma arqueologia do blog meios de produção e apresentar os créditos de algumas das imagens anteriormente apresentadas. para algumas foram solicitadas autorizações para uso no blog; para outra não.

a brief explanation: in the search engine, the title of the blog meios de produção (means of production) is illustrated with an artistic photograph, usually taken online, that can only be viewed in a browser on a personal computer (ie, the title image cannot be viewed in a mobile phone). until today the credits of the images have never been added. we will endeavor to display image credits from now on. we will also try to do some archeology of the blog meios de produção and present the credits of some of the images previously presented. for some images have been requested authorizations for use on the blog; for others not. 

http://www.bio-architects.com/ taken from ArchDaily

postcard from an exibition, reflexus, oporto

painting from marlene dumas; from a postcard, oporto

from the movie dolce vita, federico fellini; scan from público newspaper

from a photography portfolio; scan from público newspaper, miguel manso

pirelli calendar

postcard from an exibition, reflexus, oporto


postcard from an exibition, reflexus, oporto

director manoel de olliveira, from a poster, serralves, oporto

director manoel de oliveira, from a poster, serralves, oporto

portuguese king leaving lisbon to brazil escaping napoleon troops, xix century painting, from a postcard invitation

meios de produção, autumn, diospireiro
meios de produção, christal palace, oporto

meios de produção, fire

scan from publico newspaper, nuno ferreira santos

pedro magallães, reflexus, from a postcard, oporto

autumn, another try, diospireiro

scan from  publico newspaper

scan from público newspaper

joana vasconcelos, scan from público or expresso newspaper

meios de produção, road to nowhere, costa nova beach, ílhavo

meios de produção, to the ground, autumn, diospireiro leafs

miles to nowhere, scan from a miles davis record
karen knorr, encontros da imagem, 2016

quarta-feira, 22 de maio de 2019

New Music for Old People – Carla Bley Trios at Espinho Auditorium (May 18, 2019)

The Magnificent Trio:Andy Sheppard, Carla Bley and Steve Swallow
When we grow old, the eyes see shadows, the skin wrinkles and loses elasticity, the hair falls or turns white, the fingers of the hands seem trapped, the voice becomes softer and disappears, the legs weary quickly and ask for rest. The memory is lost. The smile for no apparent reason is more frequent, but the words flee and have difficulty getting out of the mouth that has the lips cut by cracks. We are the same, but older and more limited.

How to describe the last concert of Carla Bley Trios, on May 18 at the Espinho Auditorium... Enthroning, entertaining, magical, joyful, hardworking but also apotheotic, understood and accepted by the public who communed with hour and a half of very good music very well played.

With a very fragile look, Carla Bley (b. 1936) appeared on stage more or less at the appointed time, by the hand of Steve Swallow (b. 1940), who also showed in the body and face the weight of the years. Beside the pair, more youthful and resourceful Andy Sheppard (b. 1957). Swallow thanked and explained that they were going to play Carla's music, which is what they do and like to do. They are preparing to enter the studio, which should happen in the coming weeks, with new compositions from Carla. And they came to play some new songs and old compositions.

They started with a new, untitled, promising song that we hope to hear soon on record, and then hit “Ups and Downs” (Duets, 1988; Fleur Carnivore, 1989). At the end Carla Bley left the piano and went to the microphone in front of the stage, thanking the audience. She explained what the “Ups and Downs” theme was, pointing with the left indicator up and down. 

And then reminded us of what Donald Trump said when he first visited the oval room: “Looked up, looked down, looked sideways and then said: the phones are very beautiful. The next tune”, she announced, “is called ‘Telephones’."

Apparently unpublished (or I heard it wrong), “Telephones” is a fun song, where Carla goes to pick up some piano chords from the American songbook, to complete the rhythmic phrases, as is usual in some of her compositions. Magic.
Where Donald Trump should be.
Finally, and to the end, Andy Sheppard, who was greeted several times by his magnificent solos, almost always in grave and deaf tones, addressed the audience in Portuguese to thank our presence. He explained, now in english, that the two themes after “Telephones” were “Into the sun” (?) and "Wildlife" (Night-Glo, 1985), in three parts, being the third “Sex with birds” (I don’t know why but everybody laught when they heard that title). Then they would play "The banana quintet”, in six parts, (The Lost Chords find Paolo Fresu, 2007) and by the end “Misterioso” (Songs with legs, 1995), the version that Carla Bley composed from the theme of Thelenious Monk.

Much applauded and despite the fragile look, Carla Bley, returned to the stage by the hand of Steve Swalow and Andy Sheppard for an encore (maybe “Lawns” – Sextet, 1987). They always thanked us with a long long bow. Soothing. I'm sorry that I did not see Carla Bley more often; I'm sorry I did not see her directing orchestras. But her music is ours. Thank you.

Sense of humor; Sense of themselfs
(After the show Carla, Steve and Andy were in close contact with the audience, to a “Port of Honor”. Of course, many white-haired people pulled out their top-of-the-range cell phones and did selfies!)

All images from Carla Bley's personal site/label http://www.wattxtrawatt.com/, one that you should visit because it's funny, unusual, unexpected and with lot's of suprises.

quarta-feira, 1 de maio de 2019

Shall I cry or rejoice when "smoke gets in your eyes"? Marc Ribot in Espinho (April 30 2019)

I'm a lucky guy. Or I'm just a guy who's been looking for luck. Last night, starting my personal Labor Day celebrations I went to see a Marc Ribot concert.

out of tune? really?

Marc Ribot is a guy from Newark, New Jersey, an industrial town on the outskirts of New York that I've visited years ago. He is a guitarist, singer, songwriter, jazz player and has political opinions about his native America and the world. He is an activist, as we can hear in his last two albums of 2018: "YRU Still Here?" (Marc Ribot's Ceramic Dog) and "Songs of Resistance: 1942-2018".

 

To be a lucky guy I had to make it. Attentive to cultural programming in Portugal, I know where I can see what interests me most. Marc Ribot live in Espinho Auditorium for €8? It's one we can not let go.

 

In fact, I was not sure what to expect. There was no indication that he came with a band and nothing was said about whether or not it was an electric concert. And it is true that I was somewhat apprehensive because sometimes his interpretations are quite abstract, cold and far from the public.

 

But it was not like that. Arrived into the auditorium I quickly realized that it would be a solo acoustic concert, because there were only microphones and no pedals and connections for amplifiers. Intimate, therefore. There was a microphone for the voice. After a short wait he appeared from the back of the stage, dark clothing with grey and white kind of sneakers, glasses on the tip of the nose, white hair pointing in every direction. A kind of guy that we usually see in any corner of a portuguese tavern drinking a “mini”.

 

Modest and discreet, he appeared with an acoustic guitar, very worn out by use and time and a piece of paper. He said good night and leaned over the instrument. All out of tune! Out of tune? It seems out of tune. Until he start playing.

immersed, intense

Marc Ribot's acoustic concert in Espinho, which was the first of his international tour (May 2 in Portalegre), was something special and ephemeral, like the sounds of a guitar echoing in space. It was something that we saw growing and transforming in front of us and then disappearing into the horizon, fadding in our memory. Ribot played the first chords and released the melody, often easily recognized, as "Smoke gets in your eyes" (m. Jerome Kern /l. Otto Harbach), which later depleted, improvised, incorporated new chords and melodies, many of them also known, that came back to deconstruct and finally reunited in the initial chords. Almost never looking at the guitar arm and strumming with fingers or with tab and/or fingers. (I would even say that he played some fado or Portuguese or Latin composition, which I can not identify).

incredible sounds that Marc Ribot tear out of this beautiful used guitar

Very discreet, said almost nothing, and thanked only for reminding him that he still knows how to play. I add modest. It seemed ephemeral to me because it was an acoustic concert, without paraphernalia. I hope someone demeaned me and had recorded it.

Marc Ribot returns to Portugal in August to perform "Songs of Resistance: 1942-2018" in the Gulbenkian Foundation. Let's see if I make my luck again.

 

Post Scriptum May 09 2019: Someone did!

 

(photos taken from marc ribot's online persona)