Apresentei o BI caducado, o cartão com o número de contribuinte, mas não tinha cartão da Segurança Social, que era exigido. Em compensação, tinha o cartão de eleitor, que não era exigido.
– "Não há problema", disse-me a senhora. A partir dos dados do BI caducado, ela conseguiu obter todos os dados necessários através do computador. Ao lado, a outra funcionária exclamava chateada:
– Está tudo a funcionar!? Crashou outra vez. De quem é este impresso? Alguém o deixou aqui em cima."
Explicou a minha funcionária, a D. Célia:
– "O sistema tem falhado todas a tardes. Há pouco tinha um processo quase todo inserido e o sistema crashou; tive que inserir tudo outra vez. É por isso que é tudo muito demorado."
Então lá fui eu tirar as impressões digitais dos dois indicadores, fazer a assinatura electrónica, medir a altura (não quiseram saber o meu peso, apesar de ter quilos a mais) e tirar as fotografias. Bem, aqui foi uma guerra, foram precisas meia dúzia, e mesmo assim... Não se conseguia disfarçar aquele ar de presidiário! Perguntava eu:
– "Mas por que é que não posso ficar com óculos?!" [Atenção fãs, eu uso óculos!]
– "Os serviços alegam que o reflexo não deixa ver os olhos."
– "Mas eu não ando sem óculos e sem óculos não vejo."
– "Mas tem que ser assim."
Tudo bem, tudo bem, só espero que esse ar de presidiário não seja premonitório.
Então lá fui perguntando:
– "Mas tenho acesso aos meus dados?"
Tem sim senhor, respondeu a D. Célia, explicando que vou ter a possibilidade de comprar um pequeno terminal de leitura, por 16 euros, para ligar ao computador pessoal e alterar os dados sempre que mudar de residência, ou casar, ou divorciar, ou mudar o número de telemóvel, ou o e-mail. [Sim, sim, é necessário fornecer o número de telemóvel e o e-mail!] E aquele pequeno terminal vai possibilitar – no futuro – o voto electrónico sem sair de casa [pois, e eu tenho a certeza que votei?].
Perguntei:
– "Então e a policia, quando me pedir o Cartão de Cidadão, também vai ter acesso a estes dados todos?"
– "Para já a policia não está equipada com estes terminais. De qualquer forma, também não há cruzamento de dados.", responde a D. Célia.
"Hã!?", pensei eu, "Aqui já não tenho mais nada a fazer, o melhor é arrumar as coisas e ir embora". Fiquei espantado com a bondade da senhora funcionária pública. Ela, que está sujeita ao Big Brother do Estado [vejam bem: tentei linkar aqui o SIADAP – www.siadap.gov.pt – e o meu Firefox avisa-me que não é uma ligação segura e fiável: (Código de erro: sec_error_unknown_issuer)], acredita que não haja cruzamento de dados, quando ela própria me disse que se eu for um cidadão contumaz, ou com dívidas à Segurança Social, ou com dívidas às Finanças, o sistema informática da Direcção Geral de Registos e Notariado não me deixa tirar o Cartão do Cidadão!...
Eu gostava mais do tempo do antigamente [calma, nada de reaccionarismos ou revisionismos], quando os cidadãos eram considerados bons e tinha que ser o Estado a fazer prova que os cidadãos era maus. Agora é ao contrário, os cidadão são maus e têm que ser eles a provar que são bons: têm que ter um cadastro imaculado: nada de manifestações, nada de sindicalizações, sem multas, sem reclamações, sem opinião. Vamos bem assim, pelo menos não tive que urinar para um copo! Enquanto houver electricidade...
Está caladinho, senão levas no focinho! Enquanto isso espero pelos códigos em casa, para depois ir levantar e activar o Cartão do Cidadão. Adeus BI, olá CC.
[ouvindo helter skelter, the beatles, the beatles (white album), 1968]