quarta-feira, 27 de abril de 2011

Vitorino Magalhães Godinho (1918-2011)

(foto de Miguel Madeira/jornal «Público»; notícia do mesmo jornal)

[Actualização 30/Abril/2011] Um dos mais expressivos exemplos da nossa civilização do efémero surge a propósito da  internet e do empréstimo da obra alheia, sem qualquer cuidado, pudor e, em muitos casos, ética. Faço a distinção entre o "empréstimo ilegal", que não se enquadra no caso da foto acima, apenas porque o meios de produção não é um blog comercial – não faz dinheiro a partir dos seus conteúdos – apesar de uma tira publicitária, que pode reverter para o seu autor se for accionada, como se sabe (apesar de isso não servir de defesa legal para os "empréstimos"). 

Mas esta reflexão surge a partir de outra questão. Morreu um vulto da cultura e pensamento nacionais. Há muito que estava esquecido pelas novas gerações. Não sabiam sequer quem era. E agora, com o seu óbito, ressuscita-se toda a memorabilia em jeito de homenagem a alguém que ninguém leu ou conheceu. E depois lá vem o erro, como sucedeu no jornal «Público», que não lhe fica nada bem, mas que representa mais um sintoma da nossa civilização do efémero: usar uma foto do irmão de Vitorino Magalhães Godinho, José, a toda a largura da 1.ª página e só dar conta do erro dois dias depois. 

Grave, também, são os blogueiros de serviço, com as suas centenas de leitores diários e das suas caixas de comentários, cultivando a cultura do desprezo, da má língua, do bota-abaixo, da crítica pela crítica, do sectarismo, da intolerância; moldando a pouco e pouco a verdade histórica e a percepção que devemos ter de nós mesmos. A avaliar pelos seus escritos e pelos seus leitores, Portugal é um país pouco recomendável, que não devia sequer existir... E, no entanto, existe.


Bom, mas estas linhas vêm a propósito da civilização do efémero e das fotografias. Desde o início que o meios de produção tem o hábito (e a obrigação) de apontar a origem das fotografias que coloca em linha, como neste caso do óbito de Vitorino Magalhães Godinho. Mas se avançarmos com uma busca pelo google images o que verificamos é outra prática: a mesma foto do Miguel Madeira anda por aí à solta sem ninguém saber que é dele. E até nem tardará muito que a mesma foto venha a ser reclamada por qualquer zé manel da esquina. 

Convém esclarecer que, em termos legais, em Portugal, os direitos morais (autoria) e de propriedade pertencem ao Miguel Madeira, mesmo que o objecto/produção seja utilizada pelo arquivo do jornal. Isto em termos genéricos, porque o jornalista poderá ter um contrato especifico com o jornal. A verdade é que, não havendo essa especificidade, os direitos do jornalistas poderão estar a ser violados, quando o jornal disponibiliza livremente o acesso ao seu trabalho.

O meios de produção tem o hábito de usar produções alheias, como a referida foto, para efeitos de divulgação, rejeitando qualquer beneficio financeiro a partir delas (apesar da ressalva evidenciada acima). Também para efeitos estéticos, devo reconhecer. Daí divulgar os seus autores sempre, na medida do possível, e por vezes dar indicações sobre como chegar às obras. Um dos propósitos do meios de produção é o incentivo ao consumo de produtos das indústrias culturais  e reconhecimento dos seus criadores.

Por isso condeno essa política do "tudo o que vem à rede é peixe" e tudo pode ser usado livremente. Deve haver respeito pelos autores e sua obra porque, pela forma como as estamos a usar, o futuro é mais que evidente, serão cada vez menos os criadores, de acesso mais restrito, ainda que a liberdade de expressão indique o contrário. A verdade é que estamos a transformar os criadores e as suas obras em coutadas do grande capital (transnacional), qual proteccionismo artístico renascentista. (pode ser detectada aqui uma contradição entre o conteúdo e a forma, reconheço)

Aponto o exemplo que aqui sucedeu quando quis assinalar o óbito do escritor J. G. Ballard. Encontrei uma foto do autor no google (pois claro!) e postei-a no meios de produção [ligação directa]. Poucos dias depois desapareceu. Voltei a postar. E desapareceu outra vez. Pois bem, aprendi a lição: o site que reproduzia a foto, CBC (Canadian Broadcasting Corporation/Radio Canada), não autorizava a sua utilização sem autorização expressa (tal como se lê na ficha técnica dos livros e publicações) e, como tal, tem um polícia na web (provavelmente associado ao blogspot) que se dedica a retirar da linha qualquer conteúdo que infrinja as regras. Convém dizer que a foto de Ballard estava assinada em conjunto por Levenson/Getty Images. Ou seja, a CBC pagou um serviço externo e não está disposta a ver o mesmo trabalho reproduzido gratuitamente noutros meios. 

Tudo bem! Esta balança não tem só dois pratos. A internet, por exemplo, permitiu-me conhecer centenas de autores musicais que, de outra forma (pagando), só poderia aceder se fosse milionário (e muito paciente), tal o volume de informação que me chegou e que permitiu o meu crescimento intelectual (teoricamente tornando-me uma pessoa melhor).

Em Portugal, e também na Europa, o panorama é completamente diferente face aos criadores culturais (como se pode ver a partir daqui e também aqui). O jornal «Público», por exemplo, não exibe qualquer política sobre a reprodução dos seus conteúdos on-line, ao contrário do «Jornal de Notícias» e respectivo grupo, «Correio da Manhã» e respectivo grupo, «Expresso» e respectivo grupo. Escusado será dizer, mas convém dizer, que a reprodução de conteúdos on-line destes três últimos grupos é ilegal. Mas não consta que tenham um polícia virtual a identificar prevaricadores.

De qualquer forma, sou um seguidor incondicional do «Público» (crítico), desde a primeira hora, como se costuma dizer, e aprecio a política (ou ausência dela) de reprodução de conteúdos, que me permite tornar o meios de produção mais apelativo esteticamente (e mais interessante em termos de conteúdos). E faço questão de dizer onde vou buscar os conteúdos, mesmo que os autores não recebam mais do que o reconhecimento pelo seu trabalho. (reconheço, claro, porque também sou autor, que se eles tiverem que viver apenas dessas obras vão morrer pobres) [Act. 05/Ago/2011: a ausência de indicação de uma política de reutilização de conteúdos on-line, como a reprodução das fotos, no jornal «Público» não significa que ela não exista; aliás, ela não tem que estar expressa, uma vez que segue a lei portuguesa dos direitos de autor e direitos conexos e o Estatuto do Jornalista, que dizem que os direitos associados à foto em questão, no caso de Vitorino Magalhães Godinho, pertencem ao seu autor, no caso o jornalista Miguel Madeira. Significa isto que a foto não pode ser usada, nem mesmo no meios de produção, sem autorização expressa do autor. Em resumo, a reprodução desta imagem, como muitas outras no meios de produção, é ilegal. Há uma particularidade no Estatuto do Jornalista: os direitos de autor da obra jornalística em Portugal pertencem à empresa de comunicação social, que a pode reproduzir no seu grupo económico conforme entender, incondicionalmente, por um período de 30 dias (!). Obviamente que, pela massificação dos meios on-line, pelas características de trabalho jornalístico assalariado em Portugal, os autores são altamente prejudicados.]

O que acharia Vitorino Magalhães Godinho de tudo isto? E, já agora, o que pensa o visitante do meios de produção? (na verdade, toda esta realidade tem que ser repensada e adaptada; mas se, continuamente, acrescentarmos regras e mais regras, nenhuma será cumprida. E, por isso, estou a ponderar o uso de um sistema de copyleft, desde que isso não implique a obra alheia)

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