O Rock and Roll é sempre o Rock and Roll!
Esta afirmação não quer dizer nada, apenas que o nosso interesse, que está cada vez mais virado para o Jazz, de vez em quando surpreende-se com a (re)descoberta que o mundo do Rock and Roll está vivo e recomenda-se. Nada de novo, portanto.
E apesar da “normalidade” do Rock and Roll, de vez em quando lá vamos descobrindo umas bandas, sonoridades, que nos fazem lembrar a energia que o Rock and Roll pode transmitir. E neste ano de 2019, que agora termina, aponto para três bandas que nos têm demonstrado que o Rock and Roll é sempre o Rock and Roll.
Comecemos por Tropical Fuck Storm. Nome subversivo, o quarteto australiano de Melbourne (que terminou em novembro uma digressão europeia com várias datas em Espanha, e uma gastroenterite pelo meio) é o veículo para o estranho universo lírico (vegetariano e ecologista) de Gareth Liddiard. Liddiard alcançou sucesso e reconhecimento ao fim de seis álbuns bem recebidos pela crítica e pelo público, sobretudo no país natal, com os The Drones. Em 2016, fez uma pausa com a sua companheira, a baixista Fiona Kitschin, mas acabou por regressar dois anos depois com uma nova banda, Tropical Fuck Storm, que é o nome da editora que havia lançado o último álbum dos The Drones, precisamente o mais bem-sucedido no top de vendas australiano (a TFS Records apenas atua no mercado local).
Tropical Fuck Storm surge com uma formação de géneros pouco habitual: Liddiard (guitarra e voz), Kitschin (baixo e voz), Erica Dunn (guitarra e voz) e Lauren Hammel (bateria). As vozes femininas, que por vezes ganham estatuto de principal (como em “Who’s my Eugene?”), permitem uma harmonia nos coros que vincam os estranhos versos cantados por Liddiard, ora afirmando linhas melódicas (como em “Braindrops”), ora sustentando aquilo a que se poderia chamar de refrão que, na verdade, pouco existem nas canções dos TFS (como em “The Planet of Straw Men”). Liddiard produz uma longa narrativa, quase sempre sem rima, sobre o quotidiano das suas personagens, com críticas políticas e preocupações ambientalistas, outras vezes acentuando personalidades, manias ou desejos.
E tudo isto acompanhado por uma torrente elétrica, melódica, mas distorcida, com pausas a anteceder a explosão, com baixo e bateria bem marcados. TFS tem tudo o que uma banda Rock deve ter: subversão, irreverência e uns ruidosos acordes muito bem gizados da família do blues, bem temperados, mas, deve dizer-se, com muitos pozinhos a fugir para os sintetizados através dos efeitos dos pedais. Isto também significa competência.
O álbum do 2019 “Braindrops” (tal como o do ano anterior “A Laughing Death in Meatspace”) é uma excelente surpresa.
Outra bela surpresa: Protomartyr! Na verdade, é uma anti surpresa mais do género: “Afinal onde andavas para não conheceres Protomartyr, a famosíssima banda de Rock and Roll, arty, post-punk, de Detroit, Michigan, deste princípio de século?” Sim, é mais isso…
Os Protomartyr, talvez por andarmos todos muito distraídos, relançaram este ano o seu primeiro álbum de 2012 “No Passion All Technique” (e mais quatro faixas extra). E para quem não conhecia bem os Protomartyr pode bem surpreender-se com “Jumbo”, “3 Swallows” ou “Ypisilanti” e aquele som muito característico da época dos Joy Division, The Fall, Wire e Pere Ubu, só para avançar com algumas parcas referências para um trio de bateria, baixo e guitarra e um vocalista-diseur, algo cínico, algo cronista, muito inspirado no malogrado Mark E. Smith. Algo que nos mostra que apenas é preciso uma guitarra (Greg Ahee), um baixo (Scott Davidson), uma bateria (Alex Leonard) e um vocalista (Joe Casey) para fazer grande Rock and Roll! Punk? Post-Punk? New Wave? No Wave? Pouco importa: atitude, mensagem, identidade e afirmação são o meio e o meio é o Rock and Roll!
Na verdade, a surpresa está na qualidade do álbum de estreia dos Protomartyr – já tem sete anos! – porque andamos a ouvi-los com muita atenção desde 2017 (“Relatives in Descendent” e “Consolation EP”).
Por fim, um senhor que seguimos há já algum tempo. O imparável (e impagável) John Dwyer e os Oh Sees, que lançaram este ano “Face Stabber”.
O californiano Dwyer já anda por cá desde 2003, primeiro como OCS, depois como The Oh Sees, depois como Thee Oh Sees (a fase mais prolífica e talvez a mais consistente, entre 2008 e 2016), e agora como Oh Sees (2017-2019). Sabe-se lá o que vem aí…
Algumas certezas: ao vivo são um espanto (não que tenha tido esse prazer, mas porque conheço muitos vídeos “live”); têm uma carreira longa, experimentalista (com formações muito variadas); acrescentam sons sintetizados a uma formação típica de Rock and Roll (baixo, bateria e guitarra); e são uma instituição que perpassa muitos estilos, provocações e boa disposição, sempre em torno do imparável John Dwyer.
“Face Stabber” é um longo álbum duplo (o último tema do álbum “Henchlock” tem mais de 20 minutos e é single de estreia!) que mantém os traços da carreira do grupo californiano. A saber: explosões elétricas sobre uma linha pronunciada de baixo acentuada pelas batidas da percussão (atuaram e gravaram álbuns com duas baterias em simultâneo em 2018 e 2019); um vocalista a cantar algo incompreensível, interrompido por uma descarga de guitarra elétrica estridente afinada ao jeito de Dwyer; uma jam session, às vezes interminável, que pode começar com sons sintetizados, mas que passa pelo funk, até pelo reagge e pelo prog-rock; uma atitude de deixar tudo em palco e nos discos, fazendo uma banda sonora para uma vida ensolarada. Impagável e imparável.
Pode-se considerar “Face Stabber” um disco desigual, com muitos altos e baixos, experimentalismo, psyrock, prog-rock, qualquer coisa assim, mas é genial, não sendo sequer um dos melhores dos Oh Sees. É música urgente, que vai para qualquer lado sem ir a lado nenhum. Existe, porque sim.
Imaginem um festival com Tropical Fuck Storm, Protomartyr e Oh Sees (e já agora, King Gizzard & Lizard Wizard nos seus melhores anos, o que não é seguramente este de 2019) e apenas uma palavra para o definir: “Imperdível”!