[Escrevia assim a 22 de Maio 2010]
Tenho estado a pensar sobre como reagi ao visionamento de “Fantasia Lusitana”, de João Canijo. Imagens de Portugal há 70 anos, propaganda ao regime
fascista de Salazar; sons que a minha Avó me cantava e cantou durante grande
parte da sua vida.
A saia da Carolina
Tem um lagarto pintado
Sim Carolina ó - i - ó - ai
Sim Carolina ó - ai meu bem
Tem cuidado ó Carolina
Que o lagarto dá ao rabo
Sim Carolina ó - i - ó - ai
Sim Carolina ó - ai meu bem
(…)
[Não conheço a origem da letra e música, mas segundo o sítio
cantodaterra.net é popular.]
Imagens dos tempos do meu Avô, que viveu a maior parte da
sua vida nesse regime autoritário, que é o nosso, passados os 36 anos da
revolução democrática. [As incríveis e premonitórias imagens do lançamento da
Nau Portugal, que o meu Avô assistiu ao vivo.]
As imagens de "Fantasia Lusitana" são sobretudo do período da
Exposição do Mundo Português, de 1940, em Lisboa [A página da wikipedia sobre o evento é pouco recomendável]. Cinco anos
depois, a Alemanha perdia a guerra e o sonho nazi de Salazar despertava-o para
a dura realidade da vitória dos países democráticos ocidentais, que agora reclamavam
a Base das Lajes, nos Açores.
[A Base das Lajes esteve sob domínio inglês e dos aliados desde 1943
e foi reclamada pelos norte-americanos, a grande potência aliada-vencedora, logo a partir de 1945. Em troca, os americanos incluíam Portugal no Plano Marshall.
Salazar recusou. E esteve a tentar protelar a entrega da base até ao último
momento, acreditando sempre que o seu “velho” aliado inglês conseguiria travar
o ímpeto americano. Estava enganado. E acabou por entregar a base em 1950-51, a troco de uns míseros 70
milhões de dólares do Plano Marshall.]
A certa altura da “Fantasia de Canijo” pensei em vomitar,
sem estar indisposto. Não há lugar a sorrisos quando espreitamos o nosso
passado.
A movimentação de massas continua hoje como no Portugal de
Salazar. Mais moderna e descontrolada: Eu vou! Ao Rock in Rio, depois vou ao
futebol e se o meu clube ganhar, vou em peregrinação a Fátima, ouvindo o álbum
do Mickael Carreira no iPod. Sindicatos e Partido Comunista movimentam a
outra massa, a dos trabalhadores, aquela que o regime fascista de Salazar ou,
se preferirem, o regime autoritário que evoluiu desde 1945, procurou explorar
de forma a ser o sustentáculo de um mundo fechado, enganado, excluído, injusto,
ignorante. [Os partidos da direita também movimentam as suas massas, mas a troco de jantares e viagens de camionetas. Explicações ficam para outra altura.]
“Fantasia Lusitana” vale também pelas raras imagens de
Salazar fazendo a saudação romana; por desvendar os mecanismos e
protagonistas da propaganda fascista e do controlo de massas; pelos relatos que
os europeus acossados faziam de nós, do nosso país e do nosso atraso; também por
uma rara exibição da imagem do ditador fascista espanhol Francisco Franco, que
transfigurava o ditador.
Gosto muito de “Fantasia Lusitana”, mesmo sendo um filme
menor. Um filme menor por ser uma colagem de imagens de arquivo da RTP [muitas
captadas em película, das séries documentais e noticiosas que o regime promovia].
Quantos de nós tem acesso às imagens de arquivo da RTP, para fazer um filme?
Neste caso, faz quem pode! Mas as imagens não são tudo. Canijo convidou Hanna
Shygulla, Rudiger Vogler e Christian Patey para lerem as cartas e os relatos
dos refugiados europeus que passaram por Lisboa, fugindo à guerra. E esses
relatos dizem muito sobre como éramos, como eram os nossos avós e bisavós. E
isso impressionou-me muito.
[Comprei, entretanto, o DVD em edição especial do jornal Público,
penso que ainda em 2010. E confirmei o sentimento, agora mais sereno. Espero voltar mais tarde a João Canijo e a essa obra maior do cinema português contemporâneo "Sangue do meu Sangue" (2011).]
[Imagem não assinada da Base das Lajes retirada de folklusitania.heavanforum.org; imagem não assinada de Salazar e Franco retirada de canalhistoria.pt; imagem não assinada de casal na praia, do filme de João Canijo "Fantasia Lusitana" (2010) retirada da produtora e distribuidora, Periferia Filmes.]
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